Acórdão nº 06S697 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Julho de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução13 de Julho de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça: 1.

A presente acção emergente de acidente de trabalho que correu termos no Tribunal do Trabalho de Cascais tem por objecto a morte de AA, ocorrida no dia 8 de Agosto de 1998, quando se encontrava a trabalhar a bordo do navio "Australe".

Na fase conciliatória intervieram a viúva e dois filhos do sinistrado, a sociedade Empresa-A (como entidade patronal) e a Empresa-B, para quem a Empresa-A tinha transferido a sua responsabilidade por acidentes de trabalho e, na tentativa de conciliação, não houve acordo, pelo facto de a Empresa-A entender que o sinistrado tinha falecido de morte natural e pelo facto da seguradora não ter reconhecido o acidente como de trabalho por desconhecer a ocorrência do mesmo, uma vez que o mesmo não lhe foi participado.

A acção passou, então, à fase contenciosa, com a apresentação da respectiva petição inicial por parte de viúva e dos filhos BB e CC, demandando como rés as já referidas Empresa-A e Companhia de Seguros e pedindo que as mesmas fossem solidariamente condenadas a pagar a cada um dos autores as pensões que referem e a todos eles, em conjunto, a quantia de 35.000 euros de indemnização por danos não patrimoniais.

Fundamentando o pedido, os autores alegaram, em resumo, que a morte do seu marido e pai tinha resultado das más condições de trabalho existentes a bordo do navio, mais concretamente, das altas temperaturas e das altas variações de temperatura a que esteve sujeito, mormente na casa das máquinas, onde a temperatura chegava aos 50º e aos elevados níveis de monóxido de carbono existentes no navio, por inexistência de qualquer ventilação, sendo, por isso, imputável a culpa da 1.ª ré (a Empresa-A) que, apesar de insistentemente alertada pelo sinistrado e pelos restantes tripulantes de que o navio não possuía as mínimas condições de trabalho, nada fez. Ao invés, sabendo que era intenção do sinistrado e de outros trabalhadores desembarcarem no Dubai devido às más condições do navio, demoveu-os, pois tinha como único objectivo agradar ao seu parceiro comercial independentemente do "custo" que isso teria para os seus trabalhadores.

Ambas as rés contestaram.

A seguradora, reconhecendo embora a transferência para si da responsabilidade da Empresa-A no que toca a acidentes de trabalho, alegou desconhecer as circunstâncias que vitimaram o sinistrado, por não lhe ter sido participado qualquer acidente, mas que, segundo o relatório da autópsia, a morte daquele foi devida a hipertensão e não a qualquer causa relacionada com as condições ou funcionamento do navio.

Por sua vez, a ré Empresa-A alegou que nos portos do Médio Oriente as temperaturas ambientais atingem sempre valores elevados; que a temperatura na casa das máquinas de qualquer navio também é elevado por natureza, sendo frequentes temperaturas de 50º ou mais; que o navio estava em bom estado de navegabilidade, sendo as condições de trabalho a bordo as usuais para os navios que escalem portos daquela região; que as reparações do navio eram efectuadas pelo Armador sempre que ocorriam avarias e logo que tal era tecnicamente possível; que ela tinha a seu cargo a gestão da tripulação do navio e nunca se opôs a qualquer pedido de desembarque e que se a morte do sinistrado tivesse resultado de acidente de trabalho, o que só por mera hipótese de raciocínio se admite, a sua responsabilidade teria de considera-se integralmente transferida para a ré seguradora.

Elaborado o saneador e seleccionada a matéria de facto assente e elaborada a base instrutória, procedeu-se a julgamento e, dadas as respostas aos quesitos, foi proferida sentença, absolvendo a ré Empresa-A dos pedidos e condenando a ré seguradora a pagar a cada um dos autores as pensões anuais por eles reclamadas, com início em 9 de Agosto de 1998 (para a autora viúva a pensão anual e vitalícia de 8.802,03 euros até perfazer a idade de 65 anos e de 11.736,04 euros a partir dessa idade; para cada um dos autores filhos a pensão anual de 5.868,02 euros até perfazerem 16, 22 ou 25 anos, enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado, ou o ensino superior).

Naquela decisão entendeu-se que a morte do sinistrado tinha resultado das altas temperaturas em que o mesmo trabalhava no navio, mormente na casa das máquinas, e das altas variações de temperatura a que esteve sujeito e bem assim dos níveis de monóxido de carbono existentes na casa das máquinas, mas que, apesar disso, não estava provado que o acidente tivesse ocorrido por culpa da entidade patronal (a Empresa-A), uma vez que era ao Armador e não a esta que competia assegurar a boas condições de navegabilidade e uma vez que não tinha ficado provado que ela tivesse impedido o desembarque do sinistrado, pois tinha-se limitado a apelar à tripulação portuguesa ao seu serviço para que continuasse no navio.

A ré companhia de seguros recorreu, por entender o acidente tinha resultado da falta de condições de trabalho a bordo do navio imputável à ré "Empresa-A", não só porque, como entidade patronal, não podia descurar, como descurou, as condições de segurança em que o sinistrado trabalhava, assegurando-se que as mesmas estavam a ser observadas, mas também porque, em vez de impedir que os seus trabalhadores trabalhassem em condições de trabalho tão precárias, apelou para que se mantivessem no navio pelo facto de não querer desagradar ao Armador.

De qualquer modo, alegou a seguradora, mesmo que se entendesse que o acidente tinha ocorrido por culpa do Armador, a quem incumbiria garantir as reparações do mesmo, ela continuaria a não ser responsável pela reparação do acidente, uma vez que o contrato de seguro celebrado com a "Empresa-A" só garante a responsabilidade desta.

E o mesmo aconteceria, alegou ainda a seguradora, caso se viesse a entender que o sinistrado sabia das más condições de trabalho que ia encontrar a bordo, pois, nesse caso, a responsabilidade pelo acidente teria de ser assacada à própria vítima, por se ter sujeitado a trabalhar em tais condições.

Na Relação entendeu-se que a morte do sinistrado tinha ocorrido por violação das condições de segurança, higiene e saúde no trabalho e que essa inobservância era imputável a título de culpa à ré Empresa-A, apesar de a relação laboral em apreço configurar, em termos substanciais (que não formais), uma relação de trabalho temporário ou de cedência de trabalhadores, uma vez o sinistrado tinha sido contratado pela Empresa-A, para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de Chefe de Máquinas a bordo do navio "Australe", propriedade da sociedade Empresa-C que funcionaria como empresa utilizadora e de a esta competir, em primeira linha, assegurar as condições de segurança, higiene e saúde no trabalho, nos termos do art.º 20.º, n.º 1, do D.L. n.º 358/89, de 17/10.

Isto porque, embora em primeira linha competisse ao armador assegurar (o que não fez) as obrigações inerentes à garantia das condições de segurança, higiene e saúde no trabalho, por força do disposto no referido no n.º 1 do art. 20.º, a verdade é que a entidade empregadora (a Empresa-A) também estava obrigada a cooperar com o armador (o que não fez), no que toca à garantia daquelas obrigações, nos termos do art.º 8.º, n.os 1 e 4, do D.L. n.º 441/91, de 14/11, sendo certo que o disposto no art.º 22.º do D.L. n.º 358/89 faz recair sobre a empresa de trabalho temporário a obrigação de assegurar aos trabalhadores temporários seguro contra acidentes de trabalho.

E, por essa razão, a Relação entendeu que as pensões deviam ser agravadas nos termos previstos no n.º 2 da Base XVII da Lei n.º 2.127, de 3.8.1965 (sem prejuízo da Empresa-A poder exercer contra o armador o direito de regresso), apesar de na petição inicial os autores não terem formulado tal pedido, uma vez que se trata de direito absolutamente indisponível.

E, em consonância com o entendimento referido, a Relação revogou a sentença e condenou a ré Empresa-A a pagar à autora viúva a pensão anual e vitalícia de 10.000 euros até perfazer os 65 anos de idade e de 14.000 euros a partir daquela idade e a cada um dos autores filhos a pensão anual de 7.500 euros e condenou a ré companhia de seguros a pagar, mas a título meramente subsidiário, as pensões que já tinha sido condenada a pagar na 1.ª instância.

Inconformada com a decisão da 2.ª instância, a ré Empresa-A interpôs o presente recurso de revista, sintetizando as suas alegações nas seguintes conclusões: 1.ª - O douto acórdão recorrido, ao decidir que eram devidas pensões superiores com base em agravamento baseado na pretensa culpa da Ré Empresa-A, que fora absolvida, não tomou em consideração o trânsito em julgado da sentença de primeira instância sobre o "quantum" dessas pensões, que não foi objecto de recurso, violando assim o disposto nos art.os 671°, n° 1 e...

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