Acórdão nº 085315 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Outubro de 1995

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA BRANQUINHO
Data da Resolução17 de Outubro de 1995
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. A, jurista, residente em Lisboa, propôs contra B, casado, sociólogo, residente em Loures, acção declarativa de condenação do réu a pagar-lhe 5348870 escudos, acrescidos de juros de mora desde a citação até integral pagamento. Não constituiu patrono, antes subscreveu a petição inicial como "advogado em causa própria, com escritório na morada acima indicada". (folhas 8). Nessa petição requereu apoio judiciário, com dispensa total de pagamento de preparos e custas previsto no Decreto-Lei 387-B/87, de 29 de Dezembro. Por despacho de 11 de Junho de 1992 do Sr. Juiz do processo (folhas 61 e seguintes) com fundamento em que o Autor, que não é advogado nem estagiário com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, não pode patrocinar-se a si próprio em face do disposto no artigo 53, n. 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados, nem, apesar de notificado para constituir advogado nos termos do artigo 33 do Código de Processo Civil, o fez, absolveu o réu da instância. E, considerando o disposto no artigo 26, n. 2, do Decreto-Lei 387-B/87, por um lado, e, por outro, que em consequência da absolvição do réu da instância por falta de constituição de mandatário pelo Autor a pretensão não podia proceder neste processo, indeferiu liminarmente o pedido de apoio judiciário. 2. O Autor agravou do despacho, mas a Relação, por acórdão de 21 de Outubro de 1993, negou provimento ao recurso mantendo o despacho recorrido nos seus precisos termos (folhas 85 e seguintes). Desse acórdão vem o presente recurso de agravo, no qual o Autor, ora recorrente, apresentou alegações concluindo nestes termos: "1.- Nos autos em análise o recorrente pode advogar em causa própria, sem carecer de inscrição na Ordem dos Advogados, visto ter concluído a sua licenciatura em Direito quando se encontrava em vigor o estabelecido no n. 3 do artigo 542 do anterior Estatuto Judiciário que consagrava essa prerrogativa. 2. - Porém, com a vigência do novo Estatuto, aprovado pelo Decreto-Lei 84/84 de 16 de Março, foram criados novos impedimentos e entre os quais, face ao disposto no n. 1 do seu artigo 52, é entendido no acórdão impugnado, que os licenciados em Direito para se patrocinarem nos processos seus, devem estar registados naquele organismo forense. 3. - Ora, no aresto recorrido não foi levado em linha de conta a situação do impetrante, já que, nos termos do artigo 74 do mesmo diploma, as incompatiblidades e impedimentos ali observados não prejudicam os direitos legalmente adquiridos ao abrigo da legislação anterior. 4. - Por isso, ao interpretar-se aquele normativo com a ideia que lhe é consignada, estamos em crer que foi violado o que se preconiza nos artigos 53, n. 1 e 74, uma vez que ali se exige o registo na Ordem apenas para quem pretenda exercer a advocacia em regime de profissão liberal remunerada (cfr. Acórdão 497/89, do Tribunal Constitucional, publicado no DR II Série de 1 de Fevereiro de 1990). 5. - De resto, quando assim não for julgado e se considere em conformidade o sentido veiculado no douto acórdão, então facilmente se vê que o preceituado no n. 1 daquele artigo 53 contende frontalmente com os termos dos artigos 18, n. 2 e 20, n. 1. 6. - Porquanto restringe àqueles licenciados o exercício dos direitos, liberdades e garantias, recusando-lhes dessa forma a exercitação das funções jurídicas. 7. - Para defesa dos seus interesses pessoais, forçando-os ao recurso e despesa com terceiros, quando afinal o cerceamento não visa salvaguardar quaisquer outros direitos constitucionalmente protegidos. 8. - Vedando-se por essa via o acesso aos tribunais e, especialmente em matéria penal, contraria ainda os direitos do arguido postulados no n. 3 do artigo 32, bem como as disposições da alínea c) do n. 3 do artigo 6 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aprovada para ratificação pela Lei 65/78, de 23 de Outubro, na qual se consagra o direito a defender-se a si próprio. 9. - Não obstante o que vem de ser dito quanto à inconstitucionalidade material, a verdade é que o referido inciso se mostra também formalmente inconstitucional. 10.- Visto a autorização legislativa dada pela Lei 1/84, de 15 de Fevereiro, apenas conceder ao Governo competência para legislar sobre a deontologia e, como consequência rever o mecanismo disciplinar, redefenir as incompatibilidades e impedimentos, com o objectivo confesso de assegurar uma maior independência no exercício da advocacia. 11.- Todavia, para além disso, o Governo veio revogar o preconizado no n. 3 do artigo 542 do Estatuto Judiciário, aprovado pelo Decreto-Lei 44278, de 14 de Abril de 1962, retirando aos licenciados em Direito a possibilidade de se patrocinarem a si mesmos, bem como aos cônjuges, descendentes e ascendentes. 12.- Aproveitando também essa autorização legislativa para ligar as novas incompatibilidades ao âmbito e por causa da função pública, vindo a definir na alínea a) do seu artigo 69, a impossibilidade dos funcionários juristas se poderem inscrever naquela Ordem, quando não estejam providos em cargos com funções de mera consulta jurídica (vide n. 2 do artigo 69). 13.- Em qualquer dos casos observados, o Governo carecia manifestamente de legitimidade diferente, face à competência observada. 14.- Pelo que, dispondo dessa autorização legislativa, devem as normas do n. 1 do artigo 53 e da alínea a) do n. 1 do artigo 69 do Estatuto da Ordem ser consideradas formalmente inconstitucionais, por violarem o disposto nas alíneas b) e u) do n. 1 do artigo 168 da Constituição da República Portuguesa (versão de 1982). 15.- Já no que impende sobre o apoio judiciário recusado, por certo que não acompanharemos a decisão proferida, porquanto o n. 2 do artigo 26 do Decreto-Lei 387-B/87, de 29 de Dezembro, tão-somente refere que este será liminarmente desatendido quando se mostre evidente que o pedido da causa não pode proceder. 16.- Pois bem, nos autos "sub espécie" nem sequer foi discutida a questão de fundo e a absolvição do Réu na instância deveu-se à excepção dilatória prevista na alínea c) (sic, por lapso manifesto, pois se trata da alínea e), do n. 1 do artigo 494 do Código de Processo Civil. 17.- Posto que ao subsumir-se este caso à letra do n. 2 daquele preceito pugnou-se por uma interpretação que a lei não autoriza e cujo sentido colide de sobremaneira com o determinado na segunda parte do n. 1 do artigo 20 da Lei fundamental. 18.- Em virtude do qual não pode ser denegado o acesso à justiça por falta de suficiência económica. 19.- Sendo certo que da prova produzida resulta claro a ausência de meios susceptíveis do recorrente fazer face às despesas do pleito, considerando não ser exacto que o mesmo em qualquer tempo haja trabalhado no Ministério das Finanças, aliás como se alcança do documento que se anexa." Termina, pretendendo que "deve declarar-se o juízo de inconstitucionalidade do preceituado no n. 1 do artigo 53 do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei 24/84, de 16 de Março e n. 2 do artigo 26 do Decreto-Lei 387-B/87, de 29 de Dezembro, dando-se, assim, provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão recorrido e em consequência, devem os autos baixar à 1. Instância, a fim de aí conhecer-se da questão peticionada." 3. Cumpre apreciar e decidir, o que se fará, registada a matéria de facto pertinente acolhida pela Relação (infra 3.1), distinguindo a dupla vertente do objecto do presente recurso: a decisão confirmativa da absolvição do réu da instância por falta de patrocínio do Autor ora recorrente (infra, 3.2), a decisão confirmativa do indeferimento liminar do apoio judiciário pedido pelo Autor (infra, 3.3). 3.1. A matéria de facto pertinente acolhida pela Relação (folhas 87 e seguintes) é a seguinte, aqui seriada por alíneas: a) Na petição inicial (folhas 1 a 8) o Autor identifica-se como "A, jurista ..." e termina com "... O advogado em causa própria ..." e um carimbo (no qual se lê, na primeira linha, "A", na segunda linha "- Advogado -", na terceira linha "Avenida Frei Miguel Contreiras," e na quarta linha "1700 Lisboa") com a assinatura subscrita em cima da segunda linha do carimbo (não evitando a leitura do que na mesma está escrito). b) Em requerimento (cuja fotocópia é folhas 19) com data de 15 de Dezembro de 1986 (e assinatura reconhecida a 17 de Dezembro de 1986), dirigido ao "... Presidente do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados" o Autor identifica-se como "... consultor jurídico ..." e pede "... a sua inscrição como advogado pela Comarca de Lisboa, indicando como seu escritório o local da da sua residência ...". c) Em requerimento (cuja fotocópia é folhas 20) com data de "11 de Julho de 1991", dirigido à mesma entidade, o Autor identifica-se como "... advogado estagiário ..." e pede "... mais uma vez se digne deferir-lhe o pedido de inscrição como advogado, sendo certo que desde 21 de Janeiro do ano em curso ... não aufere quaisquer remunerações ... uma vez que se vê carecido do registo da Ordem, com vista ao exercício da advocacia, em regime de profissão liberal ou obter trabalho por conta de outrém ...". d) No ofício cuja fotocópia constitui folhas 21 consta designadamente o seguinte "Ministério das Finanças ... Direcção Geral da Protecção Social aos Funcionários e Agentes da Admnistração Pública (A.D.S.E.) ... Exmo. Sr. Presidente do Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica, Rua C - Aeroporto, Lisboa... Assunto: Pedido de Requisição. Tendo o técnico ... desse Instituto, licenciado A, mostrado interesse em exercer funções nesta Direcção- -Geral, em regime de requisição, nos termos do artigo 27 do Decreto-Lei 427/89, de 7 de Dezembro, solicito ... a necessária autorização ... O Subdirector-Geral ..." - e nele lê-se (com dificuldade), manuscrito, "Autorizo, 21 de Maio de 1990" e assinatura ilegível. e) Em requerimento cuja fotocópia constitui folhas 35 dirigido ao "... Presidente do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados" o ora Autor indica que "... encontrando-se na...

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