Acórdão nº 97A519 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Março de 1998

Magistrado ResponsávelMIRANDA GUSMÃO
Data da Resolução26 de Março de 1998
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acórdão n.º 3/98 Processo n.º 519/97 - 1.ª Secção. - Acordam no plenário das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça: I - 1 - A intentou a presente acção de processo comum, na forma ordinária, contra STEER - Shipmanegement Services, Lda., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 11908528, acrescida de juros de mora desde 24 de Novembro de 1993, como indemnização dos danos resultantes de abalroação do navio do autor.

A ré invocou na contestação a excepção de prescrição do direito de indemnização.

No despacho saneador julgou-se procedente a excepção de prescrição, absolvendo-se a ré do pedido, com o fundamento de a notificação judicial avulsa carecer de idoneidade para interromper a prescrição.

2 - O autor apelou. A Relação de Lisboa, por Acórdão de 20 de Fevereiro de 1997, deu provimento ao recurso, julgando improcedente a excepção da prescrição e ordenando o prosseguimento da acção, por atribuir à notificação judicial avulsa efeito interruptivo da prescrição.

3 - A ré pede revista - revogação do acórdão recorrido e procedência da excepção de prescrição - com base, em resumo, nas seguintes conclusões: A acção foi intentada em 24 de Novembro de 1993, no próprio dia em que expirava o prazo prescricional aplicável, tendo a recorrente sido citada já depois de ocorrida a prescrição; Está em causa a norma de um tratado internacional de que Portugal é parte contratante; A notificação judicial avulsa não constitui processo judicial, pelo que, em consequência, nela não se pode encontrar suporte para fundamentar o exercício de direitos, esse que só pode fazer-se através de acções judiciais; Foi violado o disposto nos artigos 323.º do Código Civil, 7.º da Convenção de Bruxelas de 23 de Setembro de 1910, 8., n.º 2, da Constituição e 84.º, 261.º e 262.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

4 - O autor/recorrido não apresentou contra-alegações.

5 - Por sugestão do Exmo. Colega Dr. Martins da Costa, relator então, o Exmo. Presidente deste Supremo Tribunal determinou o julgamento ampliado da revista, nos termos do artigo 732.º-A do Código de Processo Civil, para uniformização de jurisprudência quanto ao efeito da notificação judicial avulsa na interrupção da prescrição.

6 - O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que deve ser uniformizada a seguinte jurisprudência: «A notificação judicial avulsa pela qual se manifesta a intenção do exercício de um determinado direito é meio adequado à interrupção da prescrição desse direito.» II - Elementos a tomar em conta: 1) O abalroamento em causa ocorreu em 24 de Janeiro de 1991, no posto de Lisboa, entre os navios Cidade do Funchal e Vilma; 2) O navio Vilma, pertencente ao autor, tem bandeira da República de Cabo Verde; 3) A presente acção foi proposta em 29 de Setembro de 1994; 4) Em 24 de Novembro de 1993, o autor havia demandado a mesma ré e em acção onde esta foi citada em 22 de Fevereiro 1994 e que findou com a sua absolvição da instância; 5) O autor requereu a notificação judicial avulsa da lei em 29 de Novembro de 1993, tendo esta sido notificada no dia 24 do mesmo mês; 6) No requerimento para essa notificação o autor descreveu os factos e requereu a notificação judicial avulsa da ré para pagar ao autor a quantia total de 11900248 escudos, acrescida dos correspondentes juros de mora, assim «acautelando a eventual prescrição do direito à indemnização que [...] pretende fazer valer, pela via judicial», tendo a notificação sido feita nos termos requeridos.

III - 1 - Questão a apreciar e a decidir no presente é a de saber se a notificação judicial avulsa da ré (em que formula pedido idêntico ao da acção e se manifesta a intenção de o fazer valer por via judicial) releva como causa interruptiva do prazo de prescrição que é de dois anos a contar do evento, por aplicação do artigo 7.º da Convenção de Bruxelas de 23 de Setembro de 1990, conforme decidido no processo, sem impugnação.

Abordemos tal questão.

IV - 2 - A questão encontrará a sua solução no alcance das normas ínsitas no artigo 323.º do Código Civil, que prescreve: «1 - A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.

...

4 - É equiparado à citação ou notificação para efeitos deste artigo qualquer meio judicial pelo qual se dá conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.» 3 - A doutrina que se conhece é no sentido de a notificação judicial avulsa pela qual se manifesta a intenção do exercício de um direito ser meio adequado à interrupção da prescrição desse direito (Dias Marques, Código Civil ..., 2.ª ed., 1968, p. 88; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5.ª ed., pp. 258 e segs.), sendo certo que a mesma se apresenta sem demonstração da afirmação, salvo Castro Mendes, que, apoiando-se no elemento histórico de interpretação do artigo 323.º (anteprojecto inicial do Prof. Vaz Serra, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 107, pp. 294 e 295, e primeira revisão ministerial, Código Civil, livro I, «Parte geral», Lisboa, 1961, artigo 284., p. 127), sustenta que, «com a segunda revisão ministerial, quebra-se o tipo de redacção dividido em alíneas e inicia-se aquele que consta agora do artigo 323.º do actual Código Civil. Aliás, o texto do artigo 323.º na segunda revisão ministerial, é ipsis verbis igual ao do artigo 323.º no 'projecto do Código Civil' e no Código em vigor. A expressão 'seja qual for o processo a que o acto pertence' tem de novo intenção expansiva e não restritiva: não se trata de limitar o domínio do processo em sentido restrito, mas de marcar bem que, tratando-se de notificação judicial, ele é relevante omnibus casis» (ob cit., pp. 261 e 262).

4 - A jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça encontra-se dividida em torno do problema de saber se o artigo 323.º do Código Civil admite ou não a notificação judicial avulsa como meio de interromper o prazo prescricional.

Uma (a minoritária, a constante do Acórdão de 12 de Março de 1996, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 455, p. 441) entende que a notificação judicial avulsa não é meio adequado à interrupção da prescrição com base na seguinte argumentação: São requisitos cumulativos do meio de interrupção da prescrição do n.º 1 do artigo 323.º a prática de «acto», num processo de qualquer natureza; ser esse acto adequado a exprimir a intenção de exercício do direito pelo seu titular; e a comunicação ao devedor do mesmo acto por citação ou notificação judicial; O n.º 4 do artigo 323.º apenas tem de especial, no confronto com o seu n.º 1, a substituição da «citação ou notificação judicial» por «qualquer outro meio judicial», subsistindo os demais requisitos do n.º 1, com a prática de acto num processo e a intenção, por ele revelada, de exercício do direito; Ora, a notificação judicial avulsa não dá lugar à organização de qualquer processo, em sentido próprio, pois «toda a actividade que se exerce é conducente à notificação», a qual consiste num «simples aviso», e se se emprega a forma judicial é porque dá mais garantias de certeza (A. Reis, Comentário..., vols. I, p. 238, e II, p. 589) pelo que esse meio através do qual se comunica ao devedor a intenção de exercer o direito não se traduz na prática de um acto judicial com algum processo, mas naquela simples comunicação com valor idêntico à que poderia ser feita por via extrajudicial; A notificação judicial avulsa corresponderia ao protesto judicial previsto no Código Civil de 1867 e a nova lei não contém qualquer preceito que lhe possa corresponder, pelo que é de presumir que o legislador não quis manter tal solução, para além desta ser afastada pela letra do citado artigo 323.º; Confrontando-se os trabalhos preparatórios (Vaz Serra, Boletim, n.º 106, p. 213, e 107, p. 295) com o que a lei veio estabelecer, verifica-se, além do mais, não se ter aceitado a relevância do acto praticado fora de algum processo, como seria o caso da notificação judicial avulsa, o que mostra não ter sido esta admitida pelo legislador como meio de interrupção da prescrição.

Outra (a maioritária, a constante dos Acórdãos de 2 de Abril de 1992, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 416, p. 558, de 20 de Abril de 1994, Boletim do Ministério da...

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