Acórdão nº 97P1199 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Novembro de 1997 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelLOPES ROCHA
Data da Resolução19 de Novembro de 1997
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1 - No Tribunal da Comarca de Vila Franca de Xira, em formação colectiva, respondeu o arguido A, casado, nascido a 27 de Outubro de 1956, preso preventivamente desde 17 de Junho de 1995 e antes de preso residente em, Odivelas, natural de Miragaia - Porto, com os restantes sinais, identificados nos autos, acusado pelo Ministério Público da prática de um crime de homicídio voluntário qualificado, previsto e punido nos artigos 131 e 132, ns. 1 e 2, alíneas c) e f) do Código Penal de 1982 e artigos 131 e 132, ns. 1 e 2, alíneas f) e g) do "Código Penal de 1995"; e de um crime de posse e uso de arma proibida, previsto e punido no artigo 260 do Código Penal de 1982 e no artigo 275, ns. 1 e 2 do "Código Penal de 1995". O pai da vítima B, admitido como assistente, aderiu integralmente à acusação pública. C e D, na qualidade de pais da vítima, B, deduziram pedido de indemnização civil contra o arguido, visando obter condenação deste no pagamento de 20812200 escudos. Pelo acórdão de 15 de Julho de 1997 (folhas 511-540 dos autos) foi decidido: 1.1. Condenar o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado previsto e punido nos artigos 131 e 132, ns. 1 e 2, alínea c) do Código Penal de 1982, na pena de catorze anos de prisão; 1.2. Julgar extinto o procedimento criminal relativamente ao crime previsto e punido no artigo 260 do Código Penal de 1982, Decreto-Lei 207-A/75 de 17 de Abril; 1.3. Condenar o arguido pela prática de detenção e uso de uma pistola de calibre 6,35 milímetros sem autorização ou licença, integrando contra-ordenação previsto e punido nos artigos 66 do Decreto-Lei 37313, de 11 de Fevereiro de 1949, artigos 6 e 7 do Decreto-Lei n. 399/93, de 3 de Dezembro, na coima de 2000 escudos. 1.4. Julgar procedente a acção civil e, consequentemente: 1.4.1. Condenar o arguido a pagar a cada um dos demandantes a quantia de 2000000 escudos, pelos danos morais por eles sofridos, a quantia de 3000000 escudos aos dois, pelo dano resultante da lesão do direito à vida do Renato, a quantia de 318200 escudos a título de danos patrimoniais e ainda uma quantia a liquidar em execução de sentença quanto aos lucros cessantes. 1.5. Declarar perdido a favor do Estado o projéctil apreendido e examinado nos autos, por se tratar de um objecto que pelas suas características pode voltar a ser usado para o cometimento de novos crimes. 2 - Inconformado, interpôs o arguido recurso para este Supremo Tribunal extraindo as seguintes conclusões da motivação apresentada: 2.1. O diálogo entre o arguido e o B mal se tinha iniciado, quando este foi atingido no rosto, rectius pelo tiro no rosto e apenas tinha pronunciado "porque és tu que..." não chegando a terminar a frase (ns. 7 e 8 da matéria de facto). 2.2. Estas palavras não são ofensivas, nem agressivas, nem amedrontam ninguém. 2.3. O arguido e a vítima não se conheciam, não se davam bem nem mal, nem tinham motivos de desentendimento porque se viram apenas naquela noite pela 1. vez na "Discoteca" (n. 27). 2.4. O B era calmo com carácter simpático e honesto (32). 2.5. O arguido era tido como homem calmo e amigo dos seus amigos e de família e pelo que consta do processo (mesmo que irritado) não tinha razões para ser inimigo e muito menos para disparar sobre a vítima (n. 40). 2.6. A Discoteca situava-se num local perto da cidade de Vila Franca de Xira, mas afastada de casas e da Polícia (n. 28), ocorrendo nestas circunstâncias que se faça xi-xi, sem admiração de maior, na parede ou junto às instalações. 2.7. Urinavam para a parede da Discoteca com frequência e às vezes não um só cliente, mas às vezes vários como no caso dos autos que eram: B, o E e o F (n. 5). 2.8. O recorrente há cerca de 20 anos que exercia as funções de porteiro em Discotecas, Lisboa, Odivelas e nunca antes tinha tido qualquer problema com a autoridade policial (n. 39). 2.9. Aliás, é delinquente primário (n. 42), tem bom comportamento na cadeia até onde ajuda outros presos (n. 44). 2.10. O arguido, mesmo irritado, homem calmo perante o B calmo não tinha móbil para o matar nem para o desejar matar. 2.11. Por isso o desígnio ou intenção de matar está fundadamente afastado, sob pena de se entrar em contradição com todos os factos alinhados, até porque o arguido já que se fala em irritado, foi irritado que se dirigiu aos 3 urinantes (n. 6). 2.12. Porém, a nenhum deles molestou, com eles discutiu, ou sobre eles disparou, em iguais circunstâncias de tempo, modo e lugar e relaciosamente de ocasião, que teve com o B. 2.13. Por isso todos os factos afastam a intenção de matar em qualquer das modalidades previstas no artigo 14 do Código Penal. 2.14. Além disso o disparo feito a menos de 1 metro e a caminharem cara a cara um para o outro (n. 9), fazia entrar o projéctil de frente e horizontalmente na cabeça da vítima se fosse esta a parte do corpo que se desejava atingir. 2.15. E nunca de baixo para cima e da esquerda para a direita (n. 10), visto que a vítima, como foi referido, era mais baixa que o recorrente. 2.16. Há matéria de facto que o Tribunal não apurou e deixou sem explicação o que é tão indispensável à física como à boa decisão da causa, como seja, os factos que determinaram aquela trajectória do projéctil. 2.17. Só os factos confessados pelo arguido podem dar razão à trajectória e à morte, isto é, ter havido luta inicial, e então devido aos movimentos incontrolados, saiu o tiro de baixo para cima e da esquerda para a direita. 2.18. E por disparo incontrolado, porque a arma atraiçoou quem a manejou travada, ou não. 2.19. Está desajustada, sem nexo, sem explicação, sem verosimilhança, sem propósito, o recorrente ter disparado quando o diálogo se estava a iniciar, situação que se deve ao silêncio que as testemunhas presenciais mantinham sobre a forma exacta como as coisas se passaram. 2.20. Aliás se o recorrente matasse como o douto Acórdão faz crer, já tinham ocorrido muitos casos idênticos, porque o hábito de urinar contra a parede era habitual, e tinha ocorrido centenas de vezes. 2.21. Daí que sem este facto foi a motivação do recorrente, e em consequência foi este o motivo, e assim não foi este o motivo fútil. 2.22. O arguido, como os autos nos deixam crer, matou por acidente, foi uma desgraça da sua vida. 2.23. Foi acto seu, sem o desejar, sem necessitar fazê-lo, sem sequer contar que ia acontecer consigo uma coisa daquela gravidade. 2.24. Por isso e face a todas estas conclusões, o Acórdão padece de erro notório na apreciação da prova, por ser inaceitável, segundo as regras da experiência que o arguido tivesse previsto a morte da vítima como efeito da agressão, o que se diz fundamentado em todos os factos atrás enunciados. 2.25. Por isso defende o arguido que o seu crime é o previsto e punido pelo artigo 137 do Código Penal. 2.26. Se por mera hipótese viesse a ser condenado por homicídio doloso, já que o motivo fútil é escancaradamente inconsequente com todos os factos descritos, então a sua pena não deverá ser superior a 8 anos, atendendo às circunstâncias atenuantes ocorridas nos factos (33 a 44 da matéria de facto) artigo 131 do Código Penal). 2.27. O Pedido Cível foi formulado fora de prazo conforme artigos 284 e 77, n. 1, do Código de Processo Penal. 2.28. Caso fosse atendível a indemnização total, não deve ultrapassar os 4500 contos, acrescidos das despesas do funeral, porque o recorrente é pobre. 2.29. É neste sentido que os factos devem ser entendidos e as normas dos artigos 14, 70, 71, 131, 132, 137, n. 1, do Código Penal e dos artigos 412, 284 e 75, n. 1, do Código de Processo Penal aplicados, porque o douto Acórdão recorrido, não obstante ser douto, ao interpretar e aplicar erradamente e só dando movimento ao presente recurso será feita a indispensável justiça. 3 - Também inconformado, interpôs recurso o Ministério Público, concluindo como segue a respectiva motivação: 3.1. O Acórdão recorrido não enferma de quaisquer irregularidades, insuficiências das contradições de factos provados e não provados. 3.2. O arguido agiu com "frieza de ânimo" e determinando por "motivo fútil ou torpe", nos termos das alíneas c) e g) do n. 2 do artigo 132 do Código Penal. 3.3. Actua dentro daquele circunstancionalismo o agente que, à "queima roupa", friamente e sem razão suficiente, disparar um tiro de pistola no rosto da vítima que nada fez ou provocou, tendo apenas urinado nas imediações da porta da Discoteca em que o arguido trabalhava. 3.4. A conduta do arguido qualifica-se também pela alínea g) do n. 2 do artigo 132 do Código Penal, quando ele age com perfeita noção do meio empregue, nas características e potencialidades, designadamente quando se trata de uma arma de fogo que, por ser proibida e constituir crime autónomo, igualmente qualifica o homicídio - alínea f) do n. 2 do mesmo artigo. 3.5. A posse, detenção e uso de arma de fogo de calibre 6,35 milímetros que fora transformada a partir de outra de calibre de 8 milímetros, não podendo ser registada, manifestada com objecto de licenciamento como arma de defesa, é uma arma proibida para efeitos do artigo 275, do Código Penal, não estando abrangida pelo AC. 3/97 do Supremo Tribunal de Justiça. 3.6. O arguido cometeu, para além do crime de posse e uso de arma proibida, o crime de homicídio voluntário qualificado, previsto e punido pelos artigos 131 e 132, ns. 1 e 2, alíneas c) e g) do Código Penal. 3.7. A pena unitária de 18 anos de prisão aplicada ao arguido mostra-se equilibrada, justa, legal e necessária para reprovar a sua conduta mais grave, fazendo-o sentir o desvalor da sua acção, bem como apta a prosseguir fins de prevenção geral. 4 - O Magistrado do Ministério Público juntou resposta à motivação do arguido, concluindo pela improcedência do recurso por este interposto, em parte com repetição da que dissera nas conclusões do seu próprio recurso, considerando a pena imposta no acórdão recorrido equilibrada, legal e necessária, mas sem...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT