Acórdão nº 99A072 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Março de 1999 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelGARCIA MARQUES
Data da Resolução11 de Março de 1999
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:IA, intentou no Tribunal de Círculo de Santa Maria da Feira, acção ordinária contra B, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 48000000 escudos, a título de cláusula penal. Alega, para o efeito, que, na sequência das relações mantidas com o R. no âmbito da sociedade "C", de que ambos são sócios, celebrou com ele um contrato em que o R. se obrigava, além do mais, a pagar-lhe, em caso de violação do convencionado sob a epígrafe "Obrigações de voto", "uma indemnização correspondente ao valor contabilístico das acções detidas" pelo A. Mais alega que o R. incumpriu o referido clausulado contratual, em consequência do que ficou constituído na obrigação de pagar o montante da referida indemnização. O R. contestou, invocando as seguintes excepções: (a) a ineficácia - embora trate a questão em sede de inexistência - do contrato para os efeitos pretendidos pelo A.; (b) a anulabilidade de tal contrato, gerada por alegado vício de vontade provocado por dolo do declaratário; (c) a sua ineficácia, em consequência da declaração de resolução, em 07-02-1995, e, subsidiariamente, da denúncia também comunicada na mesma data. Contestou ainda, por impugnação, infirmando o incumprimento contratual e, por último, invocou a ausência de alegação de prejuízos por parte do A., em ordem a obstar à alegada constituição da obrigação de pagamento do montante peticionado a título de cláusula penal. Após réplica, e depois de elaborado despacho saneador e de condensada a matéria de facto, procedeu-se a julgamento, vindo a acção, por sentença de 05-11-97, a ser julgada parcialmente procedente, tendo, em consequência, sido condenado o R. a pagar ao A. a quantia de 12836479 escudos. Inconformado, o R. apelou, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 22-06-98, decidido negar provimento ao recurso, confirmando a sentença da 1ª instância. Ainda inconformado, traz o R. a presente revista, em cuja alegação formula as seguintes conclusões: a. O acordo parassocial apenas impunha aos seus outorgantes votarem positivamente a respectiva recondução na administração da empresa, sendo omisso quanto à destituição; b. Só os estatutos da sociedade e não qualquer acordo parassocial podia consagrar um direito especial à gerência; c. As relações dos sócios com a sociedade são distintas das relações que, entre os sócios, resultem de um qualquer acordo parassocial, de tal modo que estas não podem interferir, impor-se ou prejudicar aquelas; d. As consequências e os requisitos de umas e outras têm que ser apreciadas nos contextos que derivam daquela distinção; e. O recorrido, responsável pelo sector contabilístico e administrativo, ao assumir um comportamento que se traduziu no abandono da administração da empresa, não podia deixar de ter como inevitável a sua destituição; f. Ao reivindicar uma indemnização com esse fundamento, está manifestamente a "venire contra factum proprium" e a incorrer, claramente, num claro abuso do direito; g. O acordo parassocial deve considerar-se nulo na parte que previa a manutenção do recorrido na administração da empresa porque, face ao comportamento por ele assumido, a obrigatoriedade do cumprimento do acordo, por parte do recorrente, não podia deixar de traduzir-se num elevado prejuízo para a sociedade e, de resto, numa violação da lei. (cfr. art. 64º, do Código das Sociedades Comerciais); h. Se assim não for entendido, deve considerar-se extinto por alteração das circunstâncias, visto que o recorrente não estava em mora quando essa alteração ocorreu e porque a declaração do interessado na resolução pode ser dispensada quando for clara e flagrante, como o foi no caso, a dita alteração pela outra parte; i. Em último caso, a não fundamentação, na acta, da destituição do recorrido, apenas a torna ilícita (à luz do acordo parassocial), transformando-a numa destituição livre ou "ad nutum", quando, face à obrigação constante do acordo, só poderia verificar-se com justa causa; j. Porém, para que possa haver lugar à indemnização, seria preciso que o comportamento do recorrente, para além de ilícito, fosse também culposo; k. E a sua culpa (comportamento pessoal) tem que decorrer da ponderação de todos os factos contidos no processo e não, obviamente, da consideração dos que determinaram a ilicitude, sob pena de se confundirem estes dois essenciais requisitos do direito à indemnização; l. Ora, o processo contém factos que não só ilidem a presunção da culpa do recorrente como, pelo contrário, atestam a do recorrido; m. O que afasta qualquer direito à indemnização por parte deste; n. De resto, tal indemnização, a existir, sempre teria que ser reduzida, atentos os relevantes factos constantes dos autos, face aos quais se mostra excessiva; o. Ao decidir como decidiu, o Tribunal da Relação do Porto valorou mal os factos e fez uma incorrecta aplicação dos preceitos contidos nos artigos 334º, 437º, 798º, 799º, 570º, 572º e 812º do Código Civil. Contra-alegando, o recorrido pugna pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.IISão os seguintes os factos que as instâncias deram como provados: 1 - O A. e o R. são ambos accionistas da sociedade C , com sede no lugar do Casal, Mozelos (alínea A) da especificação). 2 - Esta sociedade foi constituída por escritura pública de 24 de Janeiro de 1979, como sociedade por quotas, e, após várias alterações, tem hoje a forma de sociedade anónima, com um capital social integralmente realizado de 230000000 escudos (alínea B) da especificação). 3 - Nesse capital social, o A. é titular de 48.566 acções ao portador, enquanto o R. é titular de 160434 acções da mesma natureza e tipo (alínea C) da especificação). 4 - Em 12 de Março de 1992, quando a sociedade ainda constituía uma sociedade por quotas e o seu capital social era de 150000 contos, os ora A. e R. celebraram entre si um acordo, obrigando-se reciprocamente a: a) votar favoravelmente o aumento do respectivo capital social para 230000000 escudos; b) eleger o Conselho de Administração composto por ambos e ainda por D; c) reconduzir esse Conselho de Administração em mandatos sucessivos, salvo havendo acordo em contrário (alínea D) da especificação e resposta ao quesito 2º). 5 - Na sequência de tal acordo, a sociedade deliberou o aumento do respectivo capital social para os actuais 230000000 escudos, tendo a escritura pública sido outorgada em 10 de Abril de 1992, no 1º Cartório Notarial de Santa Maria da Feira (alínea E) da especificação). 6 - Pela mesma escritura foi a sociedade transformada em sociedade anónima, e, mais tarde, eleitos os respectivos órgãos sociais, integrando os ora A. e R. e Rui Paulo Nogueira o respectivo Conselho de Administração (alínea F) da especificação). 7 - No acordo referido sob o ponto 4, foi previsto que os outorgantes iriam adquirir as quotas até aí pertencentes aos sócios Fernando Paulo Brás Vicente e Manuel Luís Brás Vicente, e que o acordo seria extensível a essas quotas (alínea G) da especificação). 8 - Foi previsto ainda que as obrigações assumidas pelos A. e R. seriam extensivas às acções correspondentes às quotas que cada um deles deteria, quer originariamente, quer por força das aquisições daquelas quotas dos ditos sócios, e ainda às acções que a cada um deles viessem a caber, por força do aumento do capital social para 230000000 escudos, bem como às acções relativas a posteriores aumentos de capital social, por efeito de incorporação de reservas,conforme teor do respectivo documento contido a fls. 37, que aqui se dá por reproduzido (alínea H) da especificação). 9 - Houve um aumento do capital da "C" à custa de suprimentos gerados por vendas sem factura (assunto já investigado pelo fisco) (resposta ao quesito 12º). 10 - O A. ocupava-se do sector administrativo dessa sociedade (resposta ao quesito 2º). 11 - Desinteressou-se, progressivamente, das suas funções e da vida da empresa, aparecendo cada vez menos nos escritórios (resposta ao quesito 13º). 12 - A partir de certa altura, ocupava-se apenas dos levantamentos e depósitos bancários, até que acabou por nem isso fazer (resposta ao quesito 14º). 13 - Pessoas encarregadas das cobranças da empresa, como foi o caso de E, estiveram largo tempo sem prestar contas (resposta ao quesito 18º). 14 - E tinha em seu poder, à data da destituição do A., facturas por cobrar (resposta ao quesito 19º). 15 - O A. recusou sacar cheques da "C" (resposta ao quesito 20º). 16 - No primeiro semestre de 1992, a empresa teve necessidade de levar a cabo um investimento de umas centenas de milhares de contos, tendo de contrair vários empréstimos, no montante aproximado de 400000 contos (o primeiro dos quais seria de 120000), junto da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Concelho da Feira (alínea N) da especificação). 17 - O A. desempenhou, desde 28 de Março de 1993, as funções de Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Caixa de Crédito Agrícola (alínea O) da especificação). 18 - O A. participava nos negócios da "C" com a Caixa de Crédito Agrícola (resposta ao quesito 2º). 19 - Em 31 de Outubro de 1994, teve lugar uma assembleia geral da sociedade referida em 1., com a seguinte ordem de trabalhos: "Ponto Único: "Destituição do administrador Sr. A e eleição de um administrador que o substitua" (alínea I) da especificação). 20 - Nessa assembleia geral, sob proposta do R. e com os votos correspondentes às acções de que é titular, o ora A. foi destituído das funções de administrador que até aí desempenhara (alínea L) da especificação). 21 - Em caso de violação das cláusulas referidas em 4., o R. ficou obrigado a pagar ao A. "uma indemnização correspondente ao valor contabilístico das acções detidas pelo credor da indemnização" (alínea M) da especificação, conjugado com o teor global da al. H da mesma peça processual, onde se faz referência ao doc. constante de fls. 37 e segs.). 22 "...

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