Acórdão nº 99B059 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Abril de 1999 (caso NULL)
Magistrado Responsável | SOUSA DINIS |
Data da Resolução | 14 de Abril de 1999 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: A intentou na comarca de Lisboa acção com processo ordinário contra Sociedade Agrícola SA, pedindo a declaração de nulidade, ou, se assim não se entender, a anulação das deliberações tomadas na AG da ré em 29-07-90 e que consistiram: a) na aprovação das contas e do relatório das contas e do relatório de gestão do CA referentes ao exercício findo em 31-12-89; b) na ratificação da decisão do CA que confere à accionista B o direito de utilização gratuita de dois andares da ré; c) e na atribuição à mesma accionista do cargo de directora com efeitos retroactivos desde 1981.
A ré contestou, o processo seguiu os seus termos e, a final, foi proferida decisão que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide em relação ao pedido formulado na al. a) supra e julgou, no mais, a acção improcedente, absolvendo a ré do pedido.
Inconformada, a A. apelou, sem êxito, pois a Relação confirmou a decisão recorrida.
De novo inconformada, pede revista, tendo produzido alegações que concluiu pela forma seguinte: 1 - A deliberação da AG da ré de 29-03-90 que conferiu à accionista B. o direito vitalício de utilizar gratuitamente dois andares da sociedade, com o valor locativo anual de 15024 contos e uma área bruta global de 626,29 m2, constitui uma liberalidade contrária ao fim lucrativo da sociedade e aos bons costumes, violando ainda o art. 6 ns. 1 e 2 do CSC (que são normas inderrogáveis), sendo, em consequência nula (art. 56 n. 1 al. d).
2 - Com efeito, nem as circunstâncias da época em que a deliberação foi tomada, nem as condições da própria sociedade, permitem considerar tal deliberação como usual, nos termos e para os efeitos do n. 2 do art. 6 do CSC, dado que a liberalidade em causa tem peso significativo nos resultados negativos da sociedade (corresponde ao valor global da facturação anual da empresa), quase sempre negativos nomeadamente no ano de 1989, em que o resultado negativo foi de 9753417 escudos.
3 - O direito de utilização gratuita dos andares em causa a favor do K. nunca foi reconhecido ou legitimado por qualquer anterior deliberação social da recorrida, não podendo por isso afirmar-se que a deliberação sub judice não atribuiu "ex novo" um privilégio à referida accionista, sendo certo, por outro lado, que não ficou provado nas instâncias terem os andares sido adquiridos para serem usados gratuitamente por quem quer que seja.
4 - Caso se entenda não ser nula a referida deliberação, deve considerar-se ser a mesma abusiva e consequentemente anulável, nos termos do art. 58 n. 1 al. b) do CSC, pois visou satisfazer unicamente os interesses da referida accionista e dos accionistas seus filhos e genro, que aprovaram a deliberação, conferindo-lhe uma vantagem especial, exagerada e injustificada, em prejuízo da sociedade.
5 - Os interesses do grupo familiar maioritário, em que se integra a accionista B., não podem ser sobrevalorizados como o foram em relação ao interesse social comum a todos os accionistas.
6 - Ao decidir em sentido contrário, o acórdão recorrido violou, entre outras, as normas dos arts. 6 ns. 1 e 2, 56 n. 1 d) do CSC, art. 447 do CPC e 334 do CC.
Contra-alegando, a recorrida conclui: 1 - O recurso pretende ver anulada uma deliberação que ratifica a atribuição do direito de utilização gratuita de uma fracção, propriedade da recorrida, à família do fundador desta.
2 - Tal deliberação limitou-se a reconhecer e manter um direito de utilização da fracção em causa e não a atribuir "ex novo" tal direito. Direito já legitimado pela passividade da recorrente, por largos anos, conhecedora que sempre foi da sua ocorrência.
3 - A atribuição desses andares para casa de morada de família do fundador da sociedade recorrida e sua família não contraria nem o fim lucrativo da sociedade nem os bons costumes.
4 - O que é contrário aos bons costumes e abusivo é a pretensão da recorrente de se opor a uma situação que já dura há 30 anos e que sempre conheceu e assentiu.
Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir, para o que importa elencar os seguintes factos que as instâncias deram como provados.
1 - A ré Sociedade Agrícola SA constituiu-se por escritura pública de 20-07-42 como sociedade anónima, tendo o seu capital social sido aumentado para 20 milhões de escudos, dividido em 2000 acções com valor nominal de 10000 escudos cada uma, por escritura pública de 10-11-86.
2 - A A. é titular de 325 das acções representativas do capital da ré, pertencendo as restantes 1625 aos seguintes accionistas: 589 a C., 248 a D., 348 a E., 130 a F., 65 a G., 65 a H., 65 a I., 35 a J., e 30 a L.
3 - No dia 29-03-90 reuniu, em sessão ordinária, a assembleia geral da ré, com a seguinte ordem de trabalhos, constante do respectivo aviso convocatório: a - deliberar sobre o relatório de gestão, as contas do exercício e demais documentos de prestação de contas, apresentadas pelo conselho de administração com referência ao exercício findo em 31-12-89; b - deliberar sobre a proposta da aplicação dos resultados; c - proceder à apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade; d - deliberar sobre qualquer outro assunto de interesse para a sociedade.
4 - O conselho fiscal emitiu parecer favorável à aprovação do relatório e contas apresentadas pelo CA do exercício findo em 31-12-89 e o revisor oficial emitiu documento de certificação legal das contas sem reservas.
5 - A referida assembleia, com os votos favoráveis de todos os accionistas, à excepção da A., deliberou o seguinte: a - aprovar o relatório de gestão e as contas do exercício findo em 31-12-89, apresentadas pelo CA; b - ratificar a decisão do CA em conferir à accionista B. o direito de permanecer e usar as habitações utilizadas pelo seu marido K., nos termos em que o mesmo o fazia até à data do seu falecimento; c - conferir formalmente à mesma accionista e com efeitos retroactivos à data do óbito do K., ocorrido em 30-08-81, o cargo de directora da sociedade responsável pelas actividades florícola e frutícola.
6 - A ré comprou a fracção autónoma designada pela letra "O", que constitui o 9º e 10º andares (duplex) do prédio urbano sito na rua das Amoreiras nº 72, E e F, em Lisboa, por escritura pública de 06-11-67, lavrada no 11º Cartório Notarial de Lisboa.
7 - Estes andares foram adquiridos para casa de morada de família do casal constituído pelo accionista fundador da ré K. e esposa B.
8 - Desde a sua aquisição em 1967, sempre os referidos andares foram utilizados gratuitamente pelo K. esposa e filhos solteiros.
9 - E sempre foram suportadas pela ré todas as despesas com água, electricidade e telefone relativas àqueles andares.
10 - Foram contabilizadas, nas contas aprovadas pela AG da ré de 29-03-90, como custos da sociedade, as despesas com água, electricidade, telefone e remunerações de...
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