Acórdão nº 99P1062 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Novembro de 2000 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelARMANDO LEANDRO
Data da Resolução16 de Novembro de 2000
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Assento n.º 12/2000 Processo n.º 1062/99, 3.ª Secção. - Acordam no pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça: I - Ao abrigo do disposto nos artigos 437.º e seguintes do CPP, o Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa interpôs recurso extraordinário, para fixação de jurisprudência, do douto acórdão desse Tribunal proferido em 23 de Junho de 1999, no processo n.º 408/99, com o fundamento de que este acórdão, ao decidir que na vigência do Código de Processo Penal de 1987 o interrogatório do arguido perante o juiz de instrução, na fase da instrução, não é causa de interrupção da prescrição do procedimento criminal nos termos do artigo 120.º, n.º 1, alínea a), do CP de 1982, está em oposição com o douto acórdão da mesma Relação, proferido em 23 de Junho de 1994 no recurso n.º 32638, que decidira contrariamente no sentido de que na vigência do Código de Processo Penal de 1987 «a prescrição do procedimento criminal interrompe-se com a notificação para as primeiras declarações para comparência ou interrogatório do agente, como arguido, na instrução, visto esta fase processual ser dirigida por um juiz (artigo 288.º do CPP)».

Invoca que os referidos acórdãos implicam decisões opostas, no domínio da mesma legislação, sobre a mesma questão de direito, e termina o douto requerimento indicando que a jurisprudência deve ser fixada nos exactos termos, atrás referidos, da decisão do douto acórdão fundamento.

Foram juntas certidões dos acórdãos recorrido e fundamento.

Admitido o recurso com efeito não suspensivo e cumprido o disposto nos artigos 439.º e 440.º do CPP, veio a ser reconhecido pelo Acórdão a fls. 48 e seguintes, proferido em conferência nos termos do artigo 441.º do CPP, que os referidos acórdãos, ambos transitados em julgado, proferiram decisões opostas, no domínio da mesma legislação aplicável - artigo 120.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na versão de 1982, e Código de Processo Penal de 1987 - relativamente à mesma questão de direito - a de saber se a prescrição do procedimento criminal se interrompe com a notificação para as primeiras declarações para comparência ou interrogatório judicial do agente, como arguido, na fase de instrução.

Cumprido o disposto no artigo 442.º, n.º 1, do CPP, foram apresentadas doutas alegações pelo Exmo. Procurador-Geral-Adjunto e por Inês Magro Correia e Anabela Rodrigues Baptista Ramos, respectivamente assistente e arguida no processo a que respeita o douto acórdão recorrido.

O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto defendeu doutamente a solução por que optou o douto acórdão fundamento, concluindo: «1.º A prescrição do procedimento criminal apresenta-se como uma causa de afastamento da punição, localizada na doutrina das consequências jurídicas do crime, assentando não só na não necessidade de imposição da pena face ao tempo decorrido como também numa forma de responsabilização do Estado pela sua inacção; 2.º A interrupção da prescrição radica na demonstração inequívoca, por parte do Estado, da vontade na aplicação do direito penal, traduzida na prática de actos que a ela conduzem; 3.º Apesar de se tratar de uma fase facultativa, a instrução é dirigida por um juiz, a quem cabe decidir quais os actos relevantes que visam 'a comprovação da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento', numa evidência que os factos imputados ao arguido na acusação não estão 'esquecidos'; 4.º Se o interrogatório judicial numa fase processual que precedia a acusação era considerado relevante para a interrupção da prescrição, por maioria de razão produzirá tal efeito o interrogatório efectuado pelo mesmo órgão jurisdicional, após dedução da acusação, ou seja, numa fase processual em que ao arguido são já imputados factos ilícitos concretos e determinados.

  1. Não se verifica qualquer incompatibilidade entre a função garantística da instrução e o reflexo, no decurso do prazo prescricional, de actos dotados de relevância interruptiva, porque, tendo embora na base uma solicitação ou iniciativa do arguido, provirem de órgão jurisdicional (a quem está essencialmente cometido o poder punitivo público) e revelarem claramente ao arguido/acusado que os factos que lhe são imputados não estão 'esquecidos', estando em pleno curso o processo complementar, precisamente destinado a apurar da responsabilidade que lhe é imputada na acusação (ver nota 1); (nota 1) Mutatis mutandis, e por maioria de razão, quando a instrução visa a comprovação do arquivamento.

  2. Na vigência do Código Penal de 1982, redacção original, a prescrição do procedimento criminal interrompe-se com a notificação para as primeiras declarações para comparência ou interrogatório do agente como arguido, na instrução.

Propõe-se, pois, que o conflito de jurisprudência existente entre os acórdãos do Tribunal da Relação nos autos de recurso penal n.º 408/99, 3.ª Secção, e o prolatado nos autos de recurso penal n.º 32648 da mesma Secção, seja resolvido nos seguintes termos: 'Na vigência do Código Penal de 1982, redacção original, a prescrição do procedimento criminal interrompe-se com a notificação para as primeiras declarações para comparência ou interrogatório do agente como arguido, na instrução'.

Deverá, assim, o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, fixar-se com efeitos obrigatórios para os tribunais portugueses a jurisprudência acima proposta, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se que os autos sejam enviados à Relação de Lisboa, a fim de ali ser proferida decisão final de harmonia com a doutrina fixada por este acórdão.» A assistente Inês Magro Correia defendeu que a jurisprudência deve ser fixada no sentido indicado pelo Ministério Público, concluindo: «1 - O artigo 120.º, n.º 1, alíneas a) e c), do Código Penal de 1982 foram delineadas tendo como pressuposto uma dicotomia processual penal que levava a distinguir no processo penal as fases da 'instrução preparatória' - na qual regia a alínea a) - e da instrução contraditória, face à qual regia a alínea c); 2 - Essa categorização foi posta em causa logo em 1975 pelo aparecimento da fase processual do inquérito policial (Decreto-Lei n.º 605/75), e em 1977 pelo surgimento do inquérito preliminar, que lhe sucedeu (Decreto-Lei n.º 377/77); 3 - Mas essa categorização dicotómica foi posta completamente de lado ante o Código de Processo Penal de 1987, que passou a considerar uma única fase de averiguação pré-acusatória, o inquérito, e uma fase facultativa, a instrução, cujas finalidades, natureza e estrutura nada têm a ver com a que orientava aquela instrução contraditória; 4 - A partir dos acórdãos para uniformização de jurisprudência do STJ de 1998 e 1999 ficou claro que apenas o acto judicial de notificação do agente para declarações como arguido tinha valor causa de interrupção do prazo de prescrição do procedimento criminal, o que decorre do facto de tal jurisprudência ter negado valia a notificações para aquele propósito por despacho do Ministério Público; 5 - Não podem, por isso, as alíneas a) e c) do citado n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal de 1982 ser interpretadas em termos de pressuporem uma distinção de faseamento processual que hoje perdeu sentido jurídico; 6 - E, nesta conformidade, a notificação do agente do crime para declarações, interrogatório ou comparência como arguido, quando decorrente de acto judicial, vale independentemente de tal ocorrer nas fases de inquérito ou de instrução, sendo esta a única interpretação aceitável da alínea a) em causa; 7 - Tudo isto sem prejuízo de na fase de instrução a interrupção voltar a verificar-se com a notificação da pronúncia [alínea c)].

Nestes termos deve ser fixada jurisprudência tal como pretende o Ministério Público.» Por sua vez, a arguida Anabela Ramos defendeu que a jurisprudência deve ser fixada no sentido da decisão do acórdão recorrido, formulando as seguintes conclusões: «1.ª Quando muito, a interpretação actualística admissível da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal de 1982 é no sentido de que o primeiro interrogatório judicial de arguido detido na fase do inquérito constitui facto interruptivo da prescrição do procedimento criminal.

  1. A letra da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal de 1982 não consente a interpretação preconizada pelo recorrente segundo a qual qualquer interrogatório feito por juiz na fase do inquérito ou da instrução constitui facto interruptivo da prescrição.

  2. A fase processual da instrução no Código de Processo Penal de 1987 não tem correspondência com a fase da instrução contraditória do Código de Processo Penal de 1929, vigente à data da entrada em vigor daquele.

  3. Ainda que assim se não entendesse - o que seria desconhecer que a instrução contraditória tinha no Código de 1929 a mesmíssima finalidade que a instrução preparatória - na fase da instrução contraditória não existia qualquer facto interruptivo da prescrição além da prisão.

  4. O interrogatório judicial de arguido na fase da instrução contraditória nunca constituiu, na vigência do Código de Processo Penal de 1929, facto interruptivo da prescrição do procedimento criminal.

  5. A dessintonia existente entre o artigo 120.º do Código Penal de 1982 e o Código de Processo Penal de 1987 gera a derrogação parcial do artigo 120.º do Código Penal, mas não gera lacunas, aliás inadmissíveis ou irrelevantes em matéria de determinação de causas extintivas da punibilidade, sob pena de violação do princípio constitucional da legalidade previsto no artigo 29.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

  6. As causas interruptivas da prescrição do procedimento não são uma necessidade do direito penal, são criadas discricionariamente pelo legislador.

  7. Porque discricionária a sua criação, impõe-se uma interpretação objectivista, ainda que actualista, das normas que prevêem causas interruptivas.

  8. A interpretação objectivista, ainda que actualista, não consente senão, quando muito, o...

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