Acórdão nº 341/08.9TCGMR.G1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Setembro de 2010

Magistrado ResponsávelÁLVARO RODRIGUES
Data da Resolução30 de Setembro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I- Não há que confundir erro de julgamento na matéria de facto com o excesso de pronúncia a que se refere o artigo 668° n.° l alínea d) do Código de Processo Civil! II- O erro de julgamento ( error in judicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito ( error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa.

III- O excesso de pronúncia verifica-se quando o Tribunal conhece, isto é, aprecia e toma posição (emite pronúncia) sobre questões de que não deveria conhecer, designadamente porque não foram levantadas pelas partes e não eram de conhecimento oficioso.

IV- Por outras palavras, o erro consiste num desvio da realidade factual ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma, o excesso de pronúncia consiste numa apreciação ou decisão sobre questão que ultrapassa o quanto é submetido pelas partes ou imposto por lei à consideração do julgador.

Porém, o erro quanto à apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, ressalvadas as legais excepções, por expressa disposição do artº 722º, nº 3 do CPC, com a actual redacção.

V- Não se verifica qualquer nulidade, e, muito menos, excesso de pronúncia, como afirma o Recorrente, havendo um simples lapso na repetição parcial de um conjunto de factos como se de dois processos diferentes se tratasse, mas tratando-se de um único processo, apenas há que considerar não escritos os factos repetidos, corrigindo-se, destarte, o ostensivo lapso havido.

VI- Não é qualquer crédito que o devedor tenha contra um seu credor que confere o direito de retenção sobre uma coisa móvel ou imóvel, mas apenas, como comanda o artº 754º do C. Civil, quando o seu crédito resultar de despesas feitas por causa da coisa retida ou pelos danos por ela causados.

Importa, para tanto, que haja uma ligação estreita entre a coisa retida e o crédito do devedor contra um seu credor, uma relação de conexão (debitum cum re junctum), como ensinou o emérito e saudoso Prof. Antunes Varela ( P. Lima e A. Varela, Código Civil anotado, vol. I, 4ª ed. pg. 772).

Decisão Texto Integral: RELATÓRIO AA veio intentar a presente acção com processo comum, na forma ordinária, contra BB, onde concluiu pedindo a condenação do Réu a restituir ao Autor o prédio referido no artigo 3.º da petição, com todos os seus pertences e devoluto de coisas suas, com a advertência de que deverá abster-se de quaisquer factos que possam violar ou impedir o livre exercício por parte do Autor do seu direito de propriedade, sobre tal imóvel, devendo ainda ser condenado a indemnizar o Autor de todos os prejuízos que lhe causou com a sua ocupação, prejuízos esses que se relegam para liquidação em execução de sentença, por impossibilidade de o fazer agora.

O Réu apresentou contestação e deduziu pedido reconvencional onde concluiu no sentido de dever a acção ser julgada não provada e improcedente e a reconvenção ser julgada procedente e provada e o reconvindo condenado a:

  1. Reconhecer a plena validade e eficácia do contrato-promessa consubstanciado no protocolo e transacção supra referidos; b) Reconhecer que, mercê desses negócios, o autor prometeu transmitir para o réu a propriedade dos prédios aludidos na petição, nas condições supra referidas, que se verificaram; c) Ver produzida sentença que efectivamente transmita para o réu a propriedade desses prédios, em substituição da declaração negocial do faltoso. Ou, quando assim não se entenda, d) Pagar ao Réu uma indemnização equivalente ao valor dos prédios que ao autor deveriam ter sido transmitidos em propriedade, a liquidar em execução de sentença; quando nem isso se entenda, deve o autor ser condenado a: e) Reconhecer que mercê dos negócios ajuizados, o Réu tem direito de retenção sobre esses prédios até ser pago pelo crédito que sobre o Autor detém no valor de €155.356,48 acrescido de juros à taxa legal desde a notificação da reconvenção até ao pagamento efectivo; f) Pagar ao Réu reconvinte uma indemnização equivalente ao valor em dívida e referido na alínea precedente; g) Pagar as custas do processo e procuradoria condigna a favor do Réu.

    Na réplica, o Autor entendeu, para além do que já resultava da petição inicial, que devia o pedido reconvencional ser julgado improcedente e não provado e o Réu reconvinte ser condenado como litigante de má-fé em multa e indemnização ao Autor a liquidar em execução de sentença, bem como nas custas processuais.

    Na tréplica o Réu concluiu como na contestação-reconvenção.

    Foi proferido saneador-sentença onde se decidiu:

  2. Julgar a acção parcialmente procedente, por provada, na improcedência total da defesa excepcional invocada pelo Réu e, em consequência, condenar o Réu a restituir, de imediato, ao Autor, o prédio referido no artigo 3.º da petição inicial, com todos os seus pertences e devoluto de coisas suas (do réu), mais se condenando/intimando a abster-se de quaisquer actos e comportamentos que possam violar ou impedir o livre exercício por parte do autor do seu direito de propriedade sobre tal imóvel; b) Absolver o Réu do pedido de condenação a indemnizar o autor pelos prejuízos que lhe causou com a sua ocupação.

  3. Absolver o Réu do pedido de condenação como litigante de má-fé, julgando não estarem verificados os pressupostos respectivos.

  4. Julgar a reconvenção totalmente improcedente, por não provada, absolvendo o Autor da totalidade das pretensões reconvencionais deduzidas a título principal e subsidiário.

    Inconformados, interpuseram Autor e Réu recursos de Apelação daquela decisão para o Tribunal da Relação de Guimarães que, julgando a Apelação do Réu parcialmente procedente, declarou nulo o saneador-sentença, por falta de especificação de fundamentos de facto, fixou os factos provados substituindo-se ao tribunal recorrido e, no mais, confirmou a sentença recorrida.

    Relativamente à Apelação do Autor julgou a mesma parcialmente procedente e, em consequência, condenou o Réu a pagar ao Autor a indemnização de todos os prejuízos que lhe causou com a sua ocupação, a apurar em sede de liquidação da sentença e, no mais, confirmou a sentença recorrida.

    Novamente inconformado, o Réu/Reconvinte veio interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, rematando as suas alegações, com as seguintes: CONCLUSÕES l a - Cabe recurso de revista da decisão da Relação que importe violação da lei substantiva, (que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável), a violação ou errada aplicação das leis do processo, as nulidades previstas nos artigos 668° e 716°, e o erro na apreciação das provas e na apreciação dos factos materiais da causa, quando houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto, ou quer fixe a força de determinado meio de prova, conforme prescrito pelo artigo 722° n.° l alíneas a), b) e c) e n.° 3 do Código de Processo Civil.

    1. a - Em consequência, cabe recurso de revista do acórdão recorrido, por este ter procedido à fixação dos factos em domínio que não era da sua competência e em violação das leis do processo, e, bem assim, por erradamente ter aplicado o direito, ainda quando aqueles factos devessem ter tidos por correctamente fixados.

    2. a - Ao tribunal recorrido pediu-se que, entre o que agora desinteressa, por nessa parte o recurso ter sido provido, que fosse reconhecida a total ausência de factos provados na l.a Instância, e em consequência a nulidade desta última decisão, a existência de um contrato-promessa entre as partes celebrado, não obstante elas assim não o terem nomeado, e, ainda que tal existência se não reconhecesse, que se condenasse o A. reconvindo no pagamento ao R. reconvinte de uma indemnização, e a reconhecer o direito de retenção deste sobre determinados imóveis, enquanto a indemnização não fosse paga.

    3. a - O acórdão recorrido, reconhecendo a nulidade correspondente à total omissão dos factos provados, julgou nula a decisão recorrida, decidindo, porém, ele próprio proceder de imediato á fixação dos factos que entendeu deverem ter sido feitos constar da decisão recorrida, técnica que, contudo, a nosso ver, viola o artigo 712° nºs l alínea a) e b), bem como o artigo 678° n.° l e 680° nºs l e 2 todos do Código de Processo Civil, o que constitui a nulidade prevista no artigo 661° alínea d) do Código de Processo Civil, por se conhecer de questão de que não se podia tomar conhecimento, uma vez que assim se suprime um grau de jurisdição, ficando a matéria de facto decidida em instância única.

    4. a - Na fixação dos factos a que procedeu, o Tribunal da Relação confundiu e misturou, duplicando-os, como se resultantes de dois processos anteriores, vários factos que são os mesmos (cfr. os factos n.° 1.°, 2.° e 3.° em confronto com os factos 5.°, 6.° e 7.°, que são extraídos do mesmo processo, são os mesmos factos, e estão redigidos de forma distinta), pressupondo a existência de dois processos e omitindo factos relevantes que importaria conhecer, como seja o fundamento da decisão da acção precedente e a obrigação assumida pelo A., como avalista, perante o R, assim se cometendo uma outra nulidade, esta por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 668° n.° l alínea d) do Código de Processo Civil.

    5. a - Na fixação dos factos, o tribunal recorrido considerou provado (facto 12.°) que o R. deixou danificar estufas, canalizações de água e máquinas que existiam no prédio à data da sua ocupação, para além, de ter arrancado árvores e arbustos, mas não o podia fazer porque tal matéria não foi aceite nem por qualquer forma provada, assim cometendo outra nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 668° n.° l alínea d) do Código de Processo Civil.

    6. a - Por outro lado, o tribunal recorrido apreciou apenas uma parte do recurso para ele interposto, não se pronunciando...

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