Acórdão nº 142/06.9TTLRS.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Outubro de 2010

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução13 de Outubro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - Inclui-se no âmbito da faculdade de livre apreciação das provas o poder da Relação alterar a matéria de facto assente pela 1.ª instância, mediante convicção que baseou no reexame dos depoimentos gravados em audiência, tal como decorre do disposto na 2.ª parte da alínea a) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 712.º do Código do Processo Civil (na versão anterior à da revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto), estando vedado ao Supremo Tribunal censurar a decisão nesse âmbito proferida, como decorre do disposto nos artigos 712.º, n.º 6, 722.º, n.º 2 e 729.º, n.º 2 do mesmo diploma.

II - Tendo a Relação valorado, fundamentadamente, alguns depoimentos em detrimento de outros, ultrapassando eventuais dúvidas que poderiam suscitar o uso do poder consignado no n.º 3 do art. 712.º – como seria determinar a realização da diligência de acareação –, fazendo-o em termos que se compreendem no âmbito da faculdade de livre apreciação das provas, face ao disposto no n.º 6 do mesmo artigo 712.º, o juízo alcançado escapa aos poderes de intervenção do Supremo Tribunal na fixação da matéria de facto.

III - As faltas não justificadas, consubstanciando o incumprimento do dever de assiduidade, traduzem um comportamento ilícito e culposo imputável ao trabalhador, um dos requisitos da justa causa de despedimento.

IV - Mas, não basta a verificação desse pressuposto para se concluir pela existência de justa causa, sendo necessário que de um tal comportamento, pela sua gravidade e consequências, resulte a impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação laboral.

V - A culpa – que deve ser apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, o que, no quadro da relação jurídica laboral, significa um trabalhador normal, colocado perante o condicionalismo concreto em apreciação –, tem de assumir uma tal gravidade objectiva, em si e nos seus efeitos, que, minando irremediavelmente a confiança que deve existir entre as partes no cumprimento de um contrato com carácter fiduciário, intenso e constante, do contrato de trabalho, torne inexigível ao empregador a manutenção da relação laboral.

VI - A inexigibilidade da manutenção da relação de trabalho verificar-se-á, sempre que, face ao comportamento do trabalhador e às circunstâncias do caso, a subsistência do vínculo fira de modo violento a sensibilidade e liberdade psicológica de uma pessoa normal, quando colocada na posição real do empregador, no circunstancialismo apurado, o que pressupõe um juízo, referido ao futuro, sobre a impossibilidade das relações contratuais, do que decorre que, assentando a relação laboral na cooperação e recíproca confiança entre o trabalhador e o empregador e num clima de boa fé, a mesma não poderá manter-se se o trabalhador destruir ou abalar, de forma irreparável, a confiança na idoneidade futura da sua conduta.

VII - A gravidade do comportamento do trabalhador e a inexigibilidade da subsistência do vínculo têm de ser apreciadas na perspectiva de um bom pai de família, ou seja de um empregador normal, norteado por critérios de objectividade e razoabilidade, devendo o tribunal atender, ainda, por força do disposto no n.º 2 do artigo 396.º do Código do Trabalho de 2003, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre os trabalhadores e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.

VIII - Estando em causa cinco ou mais faltas injustificadas seguidas, no mesmo ano, a lei dispensa, na apreciação da gravidade das consequências dos factos, a prova de quaisquer prejuízos reais ou potenciais, podendo, pois, afirmar-se que os presume, atendendo à distinção que se surpreende nos dois segmentos, separados pela disjuntiva “ou”, que apresenta o texto da alínea g) do n.º 3 do artigo 396.º.

IX - Constitui justa causa de despedimento o comportamento do trabalhador que faltou injustificadamente 14 dias consecutivos ao trabalho; independentemente dos prejuízos, tal comportamento integra ausências, no incumprimento do dever de assiduidade que não poderiam deixar de ter reflexos na própria organização do estabelecimento, afectando, certamente, o funcionamento do mesmo, corroendo de modo intenso a confiança indispensável à subsistência da relação laboral.

X - É nulo o acordo firmado entre a entidade patronal e o trabalhador em que se estabelece um horário de trabalho que desrespeita os limites do período normal de trabalho resultantes da lei, devendo ser considerado como trabalho suplementar, e como tal remunerado, o que excedeu os limites máximos estabelecidos.

XI - Para que o exercício do direito seja considerado abusivo, é necessário que o titular exceda, visível, manifesta e clamorosamente, os limites que lhe cumpre observar, impostos quer pelo princípio da tutela da confiança (boa fé), quer pelos padrões morais de convivência social comummente aceites (bons costumes), quer, ainda, pelo fim económico ou social que justifica a existência desse direito, de tal modo que o excesso, à luz do sentimento jurídico socialmente dominante, conduz a uma situação de flagrante injustiça.

XII - A confiança digna de tutela deve radicar numa conduta de alguém, titular de um direito, que, de facto, possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a uma dada conduta futura, de tal modo que a situação de confiança gerada pela anterior conduta do titular do direito conduz, objectivamente, a uma expectativa legítima de que o direito já não será exercido, expectativa que determina aquele contra quem o direito vem a ser invocado a agir, exclusivamente, com base na situação de confiança, contra o interesse do titular do direito.

XIII - Não resultando da factualidade provada um sinalagma entre a alegada diferença para mais do montante da remuneração acordada pela partes, relativamente ao valor estabelecido em regulamentação colectiva, e o concreto horário convencionado, de molde a poder concluir-se que aquele montante compreendia a retribuição devida pelo trabalho prestado para além dos limites máximos dos períodos normais de trabalho estatuídos no artigo 163.º do Código do Trabalho, não pode afirmar-se que o trabalhador – ao exigir o pagamento do trabalho prestado fora daqueles limites – esteja a exercer o seu direito de forma abusiva.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

No Tribunal do Trabalho de Loures, em acção com processo comum, intentada em 10 de Fevereiro de 2006, AA demandou BB – Indústria de Panificação e Pastelaria, Lda.

, alegando, em resumo, que: -Mediante contrato de trabalho, foi admitido pela Ré, em 1 de Junho de 2004, para exercer, em estabelecimento comercial da mesma, que inclui uma secção de talho, as funções de cortador de carnes, auferindo a retribuição mensal de € 1.423,20 (€ 1.300,00 de retribuição base acrescidos de € 123,20 de subsídio de alimentação); -Em 19 de Janeiro de 2005, foi informado pela Ré que lhe tinha movido processo disciplinar, suspendendo-o nessa data; por carta datada de 1 de Fevereiro de 2005, a Ré comunicou-lhe que tinha intenção de proceder ao seu despedimento, juntando a respectiva nota de culpa, na qual o acusava de ter faltado, injustificadamente, ao trabalho, 17 dias consecutivos, entre os dias 3 e 19 de Janeiro de 2005 tendo o seu comportamento provocado prejuízo sério à Ré; em 28 de Fevereiro de 2005, a Ré comunicou-lhe o despedimento imediato com justa causa; - O despedimento é ilícito, uma vez que a justa causa invocada não pode proceder, posto que se encontrava no gozo das suas férias e dois dos dias indicados na nota de culpa respeitam a dias de descanso complementar.

- Trabalhava 64 horas semanais e, a partir de Novembro de 2004, data em que, ilicitamente, a Ré lhe retirou o dia descanso semanal complementar, 76 horas semanais, desse modo excedendo o limite máximo legal de 40 horas, pelo que lhe é devido o pagamento de trabalho suplementar, que a Ré nunca efectuou.

Pediu a condenação da Ré a pagar-lhe a indemnização por antiguidade — sem prejuízo da opção pela reintegração a observar oportunamente —, bem como a quantia de € 27.098,48, referente a prestações já vencidas, sem prejuízo das que se vierem a vencer no decurso da acção, com juros de mora desde a citação.

Na contestação, a Ré, para concluir pela improcedência da acção, impugnou os fundamentos do pedido relativo ao trabalho suplementar, e sustentou a licitude do despedimento, alegando que o comportamento do Autor, por ter faltado, pelo menos 14 dias seguidos ao trabalho, sem qualquer justificação, dada a sua gravidade e consequências, torna impossível a subsistência da relação de trabalho, constituindo justa causa de despedimento.

Saneada e condensada a causa, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com gravação dos depoimentos, durante a qual, requerida, pelo Autor, uma acareação de testemunhas, foi a mesma indeferida por despacho do qual aquele interpôs recurso de agravo, que veio a ser admitido com subida diferida.

Decidida a matéria de facto, foi lavrada sentença que finalizou com o dispositivo redigido nos seguintes termos: «Com os fundamentos expostos, julgo a presente [acção] parcialmente procedente, nos termos sobreditos, e em consequência: I- Declaro a ilicitude do despedimento do A.

II- Condeno a Ré a pagar ao A. as seguintes quantias: a)- € 3.900,00 (três mil e novecentos euros) - a título de indemnização; b)- € 216,66 (duzentos e dezasseis euros e sessenta e seis cêntimos) - proporcionais de subsídio de Natal de 2005.

c)- € 216,66 (duzentos e dezasseis euros e sessenta e seis cêntimos) - proporcionais de subsídio de férias referente ao ano de 2005.

d)- € 2.552,55 (dois mil quinhentos e cinquenta e dois euros e cinquenta e cinco cêntimos) - trabalho suplementar; e)- € 46.410,00 (quarenta e seis mil quatrocentos...

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