Acórdão nº 185/08.8TTSTR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Outubro de 2010

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução13 de Outubro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Sumário : 1. A expressão «despesas extraordinárias comprovadamente feitas pelo empregador na formação profissional do trabalhador» trata-se, por contraposição às despesas correntes em matéria de formação profissional (artigos 120.º, n.º 1, alínea d), e 123.º a 126.º e 137.º do Código do Trabalho de 2003), de despesas feitas pelo empregador num tipo de formação que exceda a genérica formação profissional.

  1. Não se vislumbram fundamentos que permitam afirmar que o legislador, através da norma do n.º 1 do artigo 137.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, tenha visado uma interpretação autêntica, isto é, retroactiva, da norma do n.º 1 do artigo 147.º do Código do Trabalho de 2003.

  2. A formação profissional ministrada a um trabalhador, que o habilitou a operar os aviões AIRBUS A310-300 e A300-600, deve ter-se por despesa extraordinária comprovadamente feita pelo empregador na formação profissional.

  3. A fixação prévia, por acordo das partes, da indemnização devida em caso de incumprimento contratual é o que a lei denomina cláusula penal, prevista no n.º 1 do artigo 810.º do Código Civil, normativo cuja aplicação ao caso não é afastada pelo disposto nos artigos 4.º, n.º 3, e 147.º, n.º 1, Código do Trabalho de 2003.

  4. A tese, segundo a qual o disposto no n.º 1 do artigo 147.º do Código do Trabalho de 2003 afasta a aplicação ao caso da redução estipulada no artigo 812.º, n.º 2, do Código Civil não tem o mínimo de correspondência na letra da lei.

    Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

    Em 8 de Abril de 2008, no Tribunal do Trabalho de Santarém, W... – AIRWAYS, S. A., intentou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra AA, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de € 40.000, acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a interpelação até integral pagamento, e a restituir-lhe € 675, que lhe foram entregues, a título de fundo de maneio, bem como o material e o equipamento de utilização profissional, requerendo, ainda, a compensação entre esses valores e o débito de € 3.024,98, que assume ter para com o réu, a título de créditos emergentes do contrato e da sua cessação.

    Alegou, em resumo, que firmou um contrato de trabalho com o réu, em cujo âmbito celebrou um acordo de formação profissional, mediante o qual suportaria as despesas de formação para o habilitar a pilotar aviões Airbus A310-300 e A310-600, tendo o réu assumido a obrigação de permanecer ao seu serviço por um mínimo de três anos, após o voo de largada, sob pena de a ressarcir dos custos da formação, a forfait calculados em € 40.000, sendo que, entretanto, o réu denunciou o contrato, com efeitos a partir de 13 de Maio de 2007, não cumprindo aquele período mínimo.

    Mais aduziu que, interpelado para pagar a indemnização acordada pelo não cumprimento da obrigação de permanência, o réu nada pagou, e também não entregou algum material e equipamento cedidos para o exercício das suas funções, bem como a quantia que lhe havia adiantado, a título de fundo de maneio.

    O réu contestou, excepcionando a ilegitimidade da autora, por não estar demonstrada a liquidação à empresa que ministrou a formação profissional em causa do custo do contrato que sustenta o pedido, e alegando, em sede de impugnação, ter sido coagido a assinar o contrato de permanência, após o início da formação, e ter sido a autora quem fixou o montante da cláusula penal envolvida, pelo que aquele contrato é anulável, nos termos do artigo 282.º do Código Civil, acrescentando que o contrato a termo que vigorava entre as partes tinha uma duração inferior ao período de permanência obrigatória do trabalhador.

    A autora respondeu, mantendo a posição assumida na petição inicial, sendo que, no despacho saneador, julgou-se improcedente a excepção deduzida pelo réu.

    Realizado julgamento, foi exarada sentença que julgou a acção parcialmente procedente, tendo condenado o réu a pagar à autora, após compensação de créditos daquele sobre esta, a quantia de € 10.495,14, a título de incumprimento da obrigação de permanência e restituição do fundo de maneio, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal supletiva, vencidos desde 14 de Maio de 2007, no valor de € 741,85, e vincendos até integral pagamento, e a entregar à autora a farda, as malas, os auscultadores, os manuais e cartões descritos no artigo 37.º da petição inicial.

  5. Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação, tendo formulado, na respectiva alegação, as conclusões que se passam a transcrever: «1.ª Não se pode admitir que o Tribunal fixe o montante da cláusula 6.ª do Acordo de Formação alheando-se se foram ou não deduzidos os encargos fiscais, e se o valor pago em sede de IVA foi ou não devolvido à recorrida, não devendo o recorrente suportar o custo de uma quantia que não é da sua esfera jurídica; 2.ª É perante o resultado positivo ou negativo da prova que o Tribunal deve retirar as suas ilações; 3.ª Devendo ser declarada nula a cláusula sexta do Acordo de formação, porque contrári[a] à boa fé, que norteia os negócios jurídicos; 4.ª Atentos os factos assentes e a prova documental junta aos autos, a recorrida sempre soube que as alegadas despesas extraordinárias decorrentes da formação ministrada não correspondiam ao montante fixado na cláusula sexta, no entanto preferiu alhear-se de tal facto, onerando o recorrente com um pacto de permanência desfasado da situação real; 5.ª A prova produzida e vazada na douta sentença impunha ainda que o Tribunal declarasse a nulidade da cláusula penal, obtendo-se a destruição do acto inquinado, atenta a conduta da recorrida, a falta de seriedade na declaração, a reserva mental, a sua motivação ilícita, [ao] indevidamente fixa[r] um montante indemnizatório que em nada corresponde à despesa realizada (fazendo tornar o recorrente à frota L-1011, caso não obtivesse aproveitamento no curso de A310, quando tinha optado por deixar de operar tal aeronave); 6.ª O art. 147.º, n.º 1, do Cód. do Trabalho, contrariando as garantias e os direitos dos trabalhadores, mais não é que um aval do Estado concedido às entidades empregadoras, para, através de uma alegada cláusula penal, limitarem a liberdade dos trabalhadores e abusiva e unilateralmente alterarem os contratos de trabalho; 7.ª Nos autos o trabalhador manteve, até à data da rescisão do contrato, um vínculo precário com a entidade patronal, sujeitando-se à discricionariedade, caso esta pretenda resolver o mesmo vínculo; 8.ª Alheio às garantias do trabalhador, o Tribunal admite que a relação laboral seja regulada por um pacto de permanência de onde só o recorrente, que fica obrigado ao pagamento de uma indemnização caso viole o pacto de permanência, admitindo que a recorrida impeça o trabalhador de exercer o seu direito, rescindir livremente o contrato de trabalho, e aceitando que aquela, sem respeitar o dever de informação ao trabalhador, altere o termo do contrato, art.s 101.º, n.º 1, e 98.º, n.º 1, al.

    e), do Cód. do Trabalho, agravado pelo facto de, com manifesta violação dos ditames da boa fé, obrigar o trabalhador a uma indemnização francamente excessiva, quarenta mil euros, em nada correspondentes ao valor efectivamente despendido pela recorrida na formação ministrada ao recorrente, art.s 97.º e 93.º do Cód. do Trabalho; 9.ª Quando, ab initio, deveria o Tribunal declarar a nulidade da cláusula, não podendo considerar o advérbio de modo, comprovadamente, ínsito no texto da lei, um mero e dispensável formalismo, pugnando por uma interpretação ab-rogante, pondo em causa a segurança e boa fé negocial, nomeadamente o sujeito passivo, que assim se vê submetido à álea da recorrida, que conscientemente fixa um valor a título de cláusula penal em nada correspondente com a situação real; 10.ª Pois, dos factos assentes e da prova documental junta aos autos ressalta que em momento anterior à outorga do acordo de formação, a recorrida sabia que as alegadas despesas extraordinárias decorrentes da formação ministrada não correspondiam ao montante fixado na cláusula sexta, no entanto, preferiu alhear-se de tal facto, com manifesta violação dos ditames da boa fé que devem prevalecer nos negócios jurídicos, obrigou o recorrido a um montante que em nada correspondia à realidade, abstendo-se de comprovar a quantia despendida; 11.ª É sobre a recorrida que recai o ónus de demonstrar quanto despendeu na formação do recorrente, não basta a remissão para o contrato de prestação de serviços celebrado entre esta e a “S... Internacional, S. A.”, e onde, atentas as combinações dos cursos ministrados, é impossível determinar em que categoria se insere o curso do recorrido, dois comandantes e um co-piloto, dado não ter sido apurado o custo de formação de cada uma das categorias profissionais em questão [por lapso, na sequência numérica das conclusões repete-se a alínea 11.ª, passando a seguinte a constar como 11.ªA]; 11.ªA Acresce que a formação ministrada mais não é do que o cumprimento da obrigação patronal de contribuição para a elevação do nível profissional do trabalhador, nomeadamente proporcionando-lhe formação profissional, art. 120.º, al.

    d), do Cód. do Trabalho. Mais, a recorrida é uma empresa de transporte aéreo, o que pressupõe, para a realização do seu objecto social, que a mesma deva possuir aeronaves e pilotos qualificados nas mesmas, não podendo considerar-se extraordinária a despesa que resulta do exercício corrente da actividade da empresa, e que a própria administração, como aliás reconheceu em juízo, determinou em meados de Novembro de 2004 que iria ser realizada e afecta à continuidade e manutenção da empresa e respectivos postos de trabalho; 12.ª Dependendo a licitude da cláusula penal da demonstração que a despesa afecta à formação não corresponde ao dever genérico do art. 120.º, al.

    d), do Cód. do Trabalho, ora perante a prova produzida conclui-se que nas companhias aéreas, à...

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