Acórdão nº 234/07.7TTSTB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Setembro de 2010
Magistrado Responsável | MÁRIO PEREIRA |
Data da Resolução | 15 de Setembro de 2010 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - O direito do trabalhador de resolver o contrato de trabalho tem de ser fundamentado na violação de obrigações contratuais por parte do empregador, a qual tem de consubstanciar um comportamento ilícito, culposo e que em razão da sua gravidade implique a insubsistência da relação laboral.
II - A justa causa de resolução do contrato assenta na ideia de inexigibilidade da manutenção da relação de trabalho, a apreciar, com as necessárias adaptações, nos termos do n.º 2 do artigo 396.º do Código do Trabalho de 2003.
III - Estando demonstrado que a R. (empregadora) deixou de distribuir ao A. (trabalhador) que exercia funções de motorista, veículo ou transporte ou qualquer outra tarefa para executar, quando aos demais motoristas eram distribuídas tarefas, é de afirmar que a mesma violou o direito à ocupação efectiva que assiste ao trabalhador.
IV - Este comportamento da R. ao manter o A. inactivo, quando a outros motoristas era distribuído serviço, assume natureza discriminatória, tanto mais que não se demonstrou a existência de qualquer causa objectiva ou qualquer interesse legítimo da R. que justificasse a colocação do A. em inactividade.
V - Resultando provado que a R. manteve o A. nessa situação de inactividade por um período de tempo superior a 18 meses e que, em consequência desse comportamento, o A. passou a sofrer problemas graves de saúde, está demonstrado que a violação culposa da R. do dever de ocupação efectiva, assumiu grande gravidade, não sendo, por isso, exigível que o A. permanecesse ligado à empresa por mais tempo.
VI - A resolução do contrato de trabalho operada pelo A. com invocação de justa causa, não padece de abuso de direito, não assumindo, neste contexto, relevância, a circunstância de o A. ter comunicado a resolução do contrato à R. após esta lhe ter comunicado o encerramento do terminal em Setúbal e a sua transferência para o terminal de Camarate, uma vez que o comportamento da R. integrava justa causa de resolução do contrato, permitindo ao A. fazer cessar o vínculo laboral, independentemente de eventuais alterações que se anunciassem, para o futuro, no objecto e execução de tal vínculo, tanto mais que nem sequer havia qualquer expectativa ou garantia por parte do A. de que, com a sua transferência para o terminal de Camarate, viesse a cessar a sua situação de inactividade.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I.
O autor AA pede, na presente acção com processo comum contra a ré A Transportadora L..., Lda, que se declare ter procedido à resolução do contrato de trabalho com justa causa e que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia global de € 27.085,00.
Alegou, para tal, em síntese, e no que aqui interessa, que a R. o manteve inactivo durante vários meses, como forma de castigo, provocando-lhe não só prejuízos materiais, mas ainda sofrimento psicológico e moral, razão por que ele A. resolveu o contrato de trabalho, com invocação de justa causa, o que lhe confere direito à respectiva indemnização.
A Ré contestou, sustentando que o Autor agiu com abuso de direito, na medida em que resolveu o contrato de trabalho apenas quando soube que iria ser transferido para Camarate, na sequência do encerramento do terminal de Setúbal.
Mais invocou que ocorreu a caducidade do direito do Autor à resolução do contrato, por tal ter sido exercido 18 meses após a verificação dos factos que lhe deram origem.
Em sede de impugnação, alegou que ocorreu a redução substancial da actividade no terminal de Setúbal, motivada por razões externas à empresa, pelo que existiam diversos trabalhadores, entre eles o próprio Autor, sem nada para fazer, porque simplesmente não existia trabalho que lhes pudesse ser destinado.
Impugnou ainda os invocados danos morais, afirmando que a eventual doença depressiva do Autor não decorre da sua inactividade laboral, e ainda que não pode o Autor, simultaneamente, peticionar uma indemnização por tais danos e uma outra por antiguidade, nos termos do art. 443.º n.º 1 do Código do Trabalho.
Afirmou ter pago as férias e o subsídio de férias vencidos em 2007, bem como os respectivos proporcionais, num total de € 1.419,21.
Deduziu pedido reconvencional, relativo a dois meses de pré-aviso em falta, num total de € 1.304,78, e ainda um outro de € 4.756,18, relativo a danos provocados pelo Autor, no exercício da sua actividade profissional.
Na resposta, o Autor reafirmou a sua pretensão pugnando pela improcedência das excepções invocadas e impugnando a matéria reconvencional.
Foi proferido despacho, admitindo o pedido reconvencional apenas quanto ao pagamento da quantia de € 1.304,78, nos termos dos arts. 100.º e 101.º da contestação, não sendo admitido no restante.
E relegou-se para final o conhecimento das excepções de abuso de direito e de caducidade invocadas na contestação.
Após julgamento, foi proferida sentença, que decidiu julgar a acção parcialmente procedente, declarando que o Autor AA procedeu com justa causa à resolução do contrato de trabalho, condenando-se a Ré A Transportadora L..., Lda., a pagar-lhe a quantia de € 14.294,19, a título de indemnização, nos termos do art.º 443º, n.º 1 do Código do Trabalho, acrescida de juros de mora, à taxa a que se refere o art. 559.º n.º 1 do CCivil, contados desde a citação e até integral pagamento.
A Ré apelou, tendo a Relação de Évora julgado o recurso improcedente e confirmado a sentença.
II.
Novamente inconformada, a R. interpôs a presente revista em que apresentou as seguintes conclusões:
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O Autor não provou que após um processo disciplinar, a Recorrente o castigou, não lhe distribuindo trabalho e que o quis castigar propositadamente.
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As testemunhas do Autor não confirmaram tais alegações.
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Ambos atestaram a diminuição do trabalho do terminal de Setúbal, e a existência de um número maior de motoristas do que viaturas, confessando uma que também esteve inactivo durante meses, por falta de trabalho.
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A testemunha da Recorrente (BB – responsável do armazém) também confirmou tais factos, que o Autor era o menos dedicado e que exigia sempre a presença de um ajudante de motorista.
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Mais confirmou que a zona de Almada (distribuição e recolha de mercadorias) foi transferida para o terminal de Lisboa em data anterior ao acidente que o Autor provocou em Junho de 2005.
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Salientou que o Autor desempenhava as suas funções de forma deficiente, pelo que evitava servir-se dos seus serviços por razões de rentabilidade, garantindo que nunca recebeu qualquer indicação da gerência para o discriminar e que o Autor nunca se queixou da falta de serviço.
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O depoimento da testemunha da Recorrente CC confirmou integralmente tais factos.
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Nenhuma prova foi feita – ainda que indiciária – no sentido de que a Recorrente ou o responsável do armazém agiu com intenção de castigar propositadamente o Autor.
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A Sentença e o Acórdão são omissos quanto a prova da alegada discriminação do Autor: Não refere se foi dada como provada ou não provada.
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Nunca a Recorrente teve tal comportamento com nenhum dos seus trabalhadores.
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Não foi provado que a Recorrente tivesse conhecimento da doença do Autor – nem alegado foi.
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Os documentos juntos pelo Autor não provam a existência do nexo de causalidade entre o comportamento da entidade patronal e a doença do Autor.
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Os factos ocorridos em 15 de Junho de 2005 não foram objecto de qualquer punição.
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A inactividade do Autor ficou a dever-se à transferência da volta de Almada para o terminal de Setúbal, em data anterior aos acontecimentos de 15 de Junho de 2005, na baixa de Setúbal.
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A inactividade do Autor ficou a dever-se a razões de ordem empresarial (de ordem técnica e económica) e não a qualquer castigo encapotado por parte da Ré.
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Tal questão não foi valorizada no Acórdão sub judice, sendo puramente omitida.
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A Recorrente provou que a inactividade se verificou em data anterior ao que é alegado e por razões diferentes, caindo por terra a penalização encapotada ou a aplicação de uma sanção sem prévio processo disciplinar.
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Não existiu qualquer comportamento culposo da Recorrente ou de algum seu representante por acção ou omissão.
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Não foi ponderada a "culpa" da Recorrente com base em critérios de objectividade, razoabilidade e outros elementos citados.
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O Autor despediu-se após receber a carta da Recorrente, dando conhecimento da transferência do terminal.
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A Recorrente fez prova suficiente quanto às causas que lhe assistem e como tal ilidiu a presunção do art. 799 n°. 1 do Código Civil.
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No Acórdão deveriam ser ponderados, também, os seguintes motivos indicados e provados pela Ré: · Existência no terminal de Setúbal de um maior número de motoristas do que viaturas; · Transferência de duas áreas de recolha e entrega de mercadorias para o terminal de Lisboa, por motivos operacionais, de rentabilidade e económicos; · Falta de zelo e diligência do Autor; · Direito que assiste à entidade patronal na escolha do...
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