Acórdão nº 1825/07.1TBCVL-A.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Setembro de 2010

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução21 de Setembro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I) Constando nos títulos cambiários exequendos a expressão – “No seu vencimento pagará (ão) V. Exª (s) por esta única via de letra a nós ou à nossa ordem a quantia de…”, não é pelo facto de no verso dos documentos constar -“Bom para aval ao subscritor desta livrança”, seguido da aposição de três assinaturas, incontestadas, do executado-aceitante e dos avalistas, que o documento dever ser qualificado como livrança.

II) – Tendo os documentos a menção indispensável da palavra “letra”, mas constando deles, no que respeita ao aval, a referência a “subscritor da livrança”, nada impede que se faça apelo aos elementos interpretativos disponíveis para definir quem é o beneficiário da garantia cambiária que o aval exprime.

III) – Tal indagação não é incompatível com o princípio da literalidade, já que se está no domínio das relações imediatas e tem a vantagem de, sem comprometer as declarações negociais, indagar qual a vontade real dos declarantes e a partir daí, clarificado que se trata de letras, saber qual o valor da declaração que consta no verso dos títulos “dou o bom aval ao subscritor desta livrança”.

IV) Não tendo as letras entrado em circulação, quedando-se no âmbito das relações imediatas, não valem os princípios cambiários da liberalidade, abstracção e autonomia, sendo admitida a prova de quem foi o beneficiário dos avales dados.

V) - Pode ser afastado o princípio da literalidade e, não obstante o escrito constante do verso da letra, como esta não entrou em circulação, pode ser feita a prova de que o aval foi dado ao aceitante, e não à indevidamente apelidada“subscritora” das letras exequendas.

VI) – Pese embora aquela indevida alusão, a subscritor para identificar o sacado, resulta do contexto da declaração negocial – relação extracartular – e seria essa a leitura que faria um declaratário normal colocado na posição do real declaratário, que não faria sentido que a sacadora trespassante e credora do executado exigisse a prestação de aval a si mesma; tal não seria congruente, quando pretendeu rodear de garantias a dívida cambiária assumida pelo executado, exigindo que a dívida deste fosse garantida pelos avales dos seus pais, pelo que se conclui que a intenção das partes foi que o aval fosse dado ao sacado/aceitante e não à sacadora/exequente das letras.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA BB e CC Em 21.2.2008, deduziram oposição à execução para pagamento de quantia certa, que lhes moveu no Tribunal Judicial da Comarca da Covilhã – 3º Juízo – a exequente “R....& R......., Lda.”.

Para fundamentar tal oposição alegaram, em síntese, o seguinte: O opoente AA celebrou com a exequente um “contrato de trespasse comercial”.

Para o pagamento parcial do preço, o AA obrigou-se a assinar três letras, as quais seriam avalizadas pelos seus pais/ora também executados-opoentes; Sucede que não foi entregue ao AA, aquando do aludido negócio, a licença de utilização do local trespassado, o qual não possuiu.

Está licenciado naquele local um estabelecimento café/restaurante, que não corresponde ao espaço/estabelecimento que foi efectivamente trespassado.

A falta de licença de utilização determina a nulidade do trespasse.

Sendo nulo o trespasse, as letras deixam de ser igualmente exigíveis.

Por outro lado, os avalistas BB e mulher não avalizaram o aceitante das letras/seu filho, mas o sacador.

Ao se referir no aval “dou o bom por aval ao subscritor desta livrança”, ou a mesma se considera uma livrança e o subscritor é quem emitiu o título ou, sendo uma letra, tal referência é feita ao sacador.

Não pode, pois, a exequente exigir dos avalistas o pagamento das letras.

Para além disso, ao referir-se no contrato de trespasse que as letras seriam avalizadas pelo seus pais, tal aval reveste a natureza de fiança, pelo que os avalistas podem invocar a relação jurídica subjacente, razão pela qual, não sendo válido o negócio, também não é válida essa fiança.

Aliás, os opoentes BB e CC só avalizaram as letras no convencimento de que o filho havia celebrado um negócio legal e válido.

Pelo que terminaram pedindo a procedência da oposição, com as legais consequências daí resultantes.

A exequente contestou tal oposição, contraditando não só a essencialidade dos factos aduzidos pelos opoentes em sua defesa, como também as conclusões jurídicas pelos mesmos extraídas.

Pelo que terminou pedindo a improcedência da oposição, com o consequente prosseguimento da execução contra todos os opoentes.

No despacho saneador afirmou-se a validade e a regularidade da instância, após o que se procedeu à selecção da matéria de facto, que não foi objecto de qualquer censura das partes.

A final foi proferida sentença que julgou improcedente a oposição, ordenando, consequentemente, o prosseguimento da execução.

Inconformados, os opoentes BB e CC, recorreram para o Tribunal da Relação de Coimbra que. por Acórdão de 9.2.2009 – fls. 236 a 243 verso –, negou provimento ao recurso, confirmando a sentença apelada.

Mais uma vez inconformados, recorreram para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formularam as seguintes conclusões: A) – O presente recurso de revista vem interposto do Acórdão da Relação de Coimbra proferido nos autos, em virtude da violação dos artigos 352.°, 357.°, 358.° e 360.° do Código de Processo Civil e os artigos 31.° e 75.° da Lei Uniforme de Letras e Livranças e da plena omissão de pronúncia a duas das questões, essenciais, suscitadas pelos então Apelantes, ora Recorrentes, em face das conclusões apresentadas.

B) – Tais questões são as seguintes: 1.ª Do ter-se como provado um facto com base num depoimento de parte parcialmente confessório, sendo que ouvidos sobre sobre o mesmo facto, os demais Executados, aqui Recorrentes, estes negam o depoimento daquele.

  1. Das consequências da formalidade essencial do título executivo na prossecução da pretensão da Exequente.

C) – Preceitua a alínea d), do n.° 1, do artigo 668.° do Código de Processo Civil que a sentença é nula quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, pelo que é nulo o douto Acórdão em revista.

D) – Não pode dar-se como provado o quesito 20º quando por depoimento de parte um dos Executados admite o facto, que em rigor lhe é indiferente por não favorável ou desfavorável, mas desfavorável aos demais dois Executados, ora Recorrentes, que negam, não existindo qualquer elemento de prova nos autos a não ser, o depoimento do interessado no negócio, o Executado AA, com as consequências advenientes.

E) – Dispõe o nº1, do art. 357.° e o art. 360.° do Código Civil que declaração confessória deve ser inequívoca e indivisível, aceitando-se na íntegra, o que não sucedeu, tendo os Executados sim negado o facto de terem avaliado o negócio e nenhuma outra prova ter logrado a Exequente.

F) – Os oponentes BB e mulher, ora Recorrentes, não são avalistas do aceitante das letras dadas à execução e, por isso, não estão obrigados a pagar tais letras.

G) – Do verso das letras consta “dou o bom por aval ao subscritor desta livrança”, seguida da assinatura dos acima referidos oponentes. Sucede que, H) – Ao indicar-se como beneficiário “o subscritor desta livrança”, das duas uma: ou tal título de crédito se transforma numa livrança (bastando para isso riscar ou eliminar a palavra “letra” e substituí-la pela palavra “livrança” – o que não aconteceu), ou se mantém uma letra, o que tendo em conta o atrás referido se verificou efectivamente.

I) – Não restam pois dúvidas que estamos perante uma letra e não um livrança, devendo como tal ser encarada – ao que se procederá no raciocínio subsequente.

J) – Ao indicar-se como pessoa avalizada o “subscritor”, tratando-se de uma letra, tal referência só pode ser entendida como feita ao sacador e não ao aceitante – sendo certo que o sacador está para a letra como o subscritor está para a livrança, na medida em que ambos são emitentes dos respectivos títulos de crédito. Mais, L) – Caso o entendimento seja diverso – o que, sem conceder só cautelarmente se admite –, ainda assim, poderia, quanto muito, eliminar-se a menção “ao subscritor da livrança”, assim restando um aval sem indicação da pessoa em concreto aquém o mesmo é prestado. Sendo que, M) - Neste caso, e também nos termos do já referido artigo 31° da Lei Uniforme, o aval deve considerar-se prestado ao sacador, no caso, o Exequente. Em suma.

N) - Ou porque não está expressa a pessoa a quem o aval é dado, ou porque, expressamente se tem que reconhecer que o subscritor é o sacador da letra – em qualquer caso –, o aval não foi dado ao aceitante, executado.

O) – Há que não perder de vista que as letras são títulos formais – títulos de crédito à ordem –, sujeitos a determinadas formalidades, pelos quais o sacador ordena ao sacado que lhe pague a si ou a terceiro determinada importância, pelo que não se vislumbra a possibilidade de outro entendimento para além do que acabou de se expender.

P) – Sendo a letra um título de crédito rigorosamente formal não se pode provar – ou deixar de provar – o que dela não resulta, como se fez na sentença recorrida ao pretender que os executados BB e mulher quiseram dar “bom aval” a AA.

Q) – Em suma, ao decidir como decidiu, o douto Acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia – al. d), n.°1, do art. 668.° do Código de Processo Civil – e violação dos artigos 352.°, 357.°, 358.° e 360.° do Código Civil e dos 31.° e 75.° da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças.

A recorrida contra-alegou, pugnando pela confirmação do Acórdão.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provada a seguinte matéria de facto: 1. Nos autos de execução a que os presentes correm por apenso, foi dada à execução um documento, em cujo rosto se encontram inscrito "no seu vencimento pagará(ão) V. Ex.ª(s) por esta única via de letra a nós ou à nossa ordem a quantia” de 20.000,00 €, com vencimento a 2.10.2007, e no qual...

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