Acórdão nº 4119/04.0TTLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Setembro de 2010

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução15 de Setembro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Área Temática: DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO Doutrina: - A. Varela, Das Obrigações em Geral, 2.ª ed., I Vol., pág. 486 e nota 3, e ainda pág. 438. - Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, Coimbra, 1982, p. 268. - Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 138. - Manuel A. Domingues Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1963, pp. 180/181. Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º1, 352.º, 355.º, N.ºS 1 E 2, 356.º, N.º 1, 358.º, N.º 1 E 393.º, N.º 2, 494.º, 496.º, N.ºS1 E 3, 1152.º, 1154.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 490.º, N.ºS 1 E 2, 646.º, N.º 4. LCT (REGIME JURÍDICO DO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 49 408, DE 24 DE NOVEMBRO DE 1969) : - ARTIGO 1.º .

Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 21 DE MARÇO DE 2001 (PROCESSO N.º 3918/00 - 4.ª SECÇÃO), SUMARIADO EM WWW.STJ.PT, JURISPRUDÊNCIA/SUMÁRIOS DE ACÓRDÃOS; - DE 23 DE FEVEREIRO DE 2005 (DOCUMENTO N.º SJ200502230022684, EM WWW.DGSI.PT ); - DE 24 DE SETEMBRO DE 2008 (DOCUMENTO N.º SJ20080924037934, EM WWW.DGSI.PT); - DE 23 DE SETEMBRO DE 2009, PUBLICADO EM WWW.DGSI.PT (PROCESSO N.º 38/06.7TTBGR. S1).

Sumário : I - O disposto no n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil tem subjacente a distinção entre matéria de facto e matéria de direito, que se reflecte no julgamento separado – quer do ponto de vista do momento lógico quer no tocante aos poderes de cognição do julgador – das questões de facto e de direito, sendo consensual que, para efeitos processuais, tudo o que respeita ao apuramento de ocorrências da vida real é questão de facto e é questão de direito tudo o que diz respeito à interpretação e aplicação da lei.

II - No âmbito da matéria de facto, processualmente relevante, inserem-se todos os acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto à normas legais aplicáveis, sendo indiferente que o respectivo conhecimento se atinja directamente pelos sentidos ou se alcance através das regras da experiência.

III - No mesmo âmbito da matéria de facto, se incluem os juízos qualificativos de fenómenos naturais ou provocados por pessoas, desde que, envolvendo embora uma apreciação segundo as regras da experiência, não decorram da interpretação e aplicação de regras de direito e não contenham, em si, uma valoração jurídica que, de algum modo, represente o sentido da solução final do litígio.

IV - O referido n.º 4 do artigo 646.º tem o seu campo de aplicação alargado às asserções de natureza conclusiva, de modo que as expressões que traduzam afirmações de natureza conclusiva que, por si só, determinem o sentido da solução do litígio devem ser excluídas da base instrutória e, quando isso não suceda e o tribunal sobre elas emita veredicto, deve este ter-se por não escrito.

V - A distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço assenta em dois elementos essenciais: o objecto do contrato (prestação de actividade ou obtenção de um resultado); e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).

VI - O contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou; diversamente, no contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte.

VII - A subordinação jurídica, característica basilar do vínculo laboral e elemento diferenciador do contrato de trabalho, implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.

VIII - A determinação da existência de subordinação jurídica e dos seus contornos consegue-se mediante a análise do comportamento das partes e da situação de facto, através de um método de aproximação tipológica.

IX - A subordinação apenas exige a mera possibilidade de ordens e direcção e pode até não transparecer em cada momento da prática de certa relação de trabalho, havendo, muitas vezes, a aparência da autonomia do trabalhador que não recebe ordens directas e sistemáticas da entidade patronal, o que sucede sobretudo em actividades cuja natureza implica a salvaguarda da autonomia técnica e científica do trabalhador.

X - Nas situações que se situam em zonas de fronteira entre o contrato de trabalho e outras espécies contratuais, para além do critério do relacionamento entre as partes, torna-se necessário proceder à análise da conduta dos contraentes na execução do contrato, recolhendo do circunstancialismo que o envolveu indícios que reproduzem elementos do modelo típico do trabalho subordinado ou de outro, por modo a poder-se concluir, ou não, pela coexistência no caso concreto dos elementos definidores do contrato de trabalho.

XI - É de qualificar como contrato de trabalho o vínculo estabelecido entre uma atleta de alta competição e um clube desportivo quando da factualidade provada resulta que as partes quiseram e actuaram efectivamente um relacionamento em que sempre esteve presente a possibilidade de o clube orientar e dirigir a actividade laboral da atleta, ainda que indirectamente, através de um treinador por ele remunerado ou de técnicos de medicina desportiva por ele designados, com sujeição a normas contidas em regulamento disciplinar do próprio clube, tudo tendo em vista a prossecução dos fins a alcançar com a referida actividade da atleta, por ele, clube, definidos.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

No Tribunal do Trabalho do Lisboa, em acção com processo comum, intentada em 11 de Outubro de 2004, AA demandou BB-S... Clube de Portugal e CC-S... Clube de Portugal – Futebol SAD, alegando, em breve síntese, ter celebrado com o primeiro Réu, sob a denominação de “contrato de prestação de serviços”, um verdadeiro contrato de trabalho desportivo, para vigorar desde 1 de Outubro de 2000 até 30 de Setembro de 2004, que, mediante comunicação datada de 13 de Outubro de 2003, aquele Réu fez cessar, o que configura um despedimento ilícito, em resultado do qual a demandante sofreu forte abalo psicológico, séria degradação da sua imagem de atleta junto de colegas e público em geral e outros danos não patrimoniais.

Pediu que, declarado ilícito o despedimento, fossem os Réus solidariamente condenados a pagar-lhe, com juros de mora: a) a quantia de € 34.716,36, a título de indemnização por danos patrimoniais, correspondente aos salários devidos desde Outubro de 2003 até 30 de Setembro de 2004; b) a importância de € 19.852,12, a título de créditos salariais vencidos e não pagos (subsídios de férias e de Natal) referentes às três primeiras épocas desportivas e ainda os subsídios de férias e de Natal relativos à última época do contrato; c) a indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 20.000,00.

Na contestação que apresentaram, os Réus invocaram a ilegitimidade da 2.ª Ré e impugnaram a natureza laboral do contrato e, bem assim, o alegado na petição para sustentar o pedido de indemnização por danos não patrimoniais, em função do que concluíram pela improcedência da acção, tendo, outrossim, pedido a condenação da Autora como litigante de má fé.

Houve resposta na qual a Autora concluiu pela improcedência da excepção invocada.

No despacho saneador, foi julgada improcedente a excepção e a 2.ª Ré declarada parte legítima.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, com registo fonomagnético das provas, foi proferida sentença em que se decidiu qualificar a relação jurídica que vigorou entre as partes como contrato de trabalho, e, julgando a acção parcialmente procedente, declarar ilícito o despedimento da Autora e condenar o Réu, BB-S... Clube de Portugal, a pagar-lhe: a) a importância correspondente ao valor das retribuições que ela deixou de auferir desde Outubro de 2003 até Setembro de 2004, no montante de € 34.716,36; b) a quantia de € 15.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, desde a citação e até integral pagamento; c) a quantia de € 19.852,16 referente aos subsídios de férias e de Natal não pagos, e juros de mora desde a citação até integral pagamento. Decidiu-se, outrossim, absolver a 2.ª Ré do pedido e indeferir o pedido de condenação da Autora por litigância de má fé.

  1. No recurso de apelação que interpôs, o Réu, impugnando a decisão proferida sobre a matéria de facto, manifestou a sua discordância quanto ao veredicto atinente a alguma da factualidade nela declarada provada, bem como relativamente a alguns pontos de facto articulados na contestação que, devendo, em seu entendimento, ser tidos como provados o não foram, para sustentar, com base na impetrada alteração da matéria de facto, a qualificação do contrato como contrato de prestação de serviço e, consequentemente, a total improcedência da acção, sem embargo do que impugnou o valor fixado a título de indemnização por danos não patrimoniais, reputando-o de excessivo.

    O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 16 de Janeiro de 2008 (fls. 379/422), conquanto tenha alterado alguns pontos da decisão de facto, negou provimento ao recurso, excepto no tocante à sentenciada indemnização por danos não patrimoniais, cujo valor reduziu para € 10.000,00.

    Interposto, pelo Réu, recurso de revista, veio este Supremo Tribunal, por acórdão de 3 de Dezembro de 2008 (fls. 532/551), a decretar a anulação do acórdão recorrido e a remessa do...

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