Acórdão nº 7/04.9TAPVC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Julho de 2010

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução07 de Julho de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: ANULADO O ACÓRDÃO RECORRIDO Sumário : I - Um dos segmentos do recurso interposto pelos assistentes e demandantes incide sobre a vertente criminal do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, concretamente na parte em que esta instância entendeu reenquadrar juridicamente o comportamento delituoso protagonizado por um dos arguidos. Contudo, essa parte da decisão é irrecorrível para o STJ, quer por a respectiva decisão não se pronunciar definitivamente sobre aquele concreto segmento do objecto do processo – al. c) do n.º 1 do art. 400.º – visto que relegou para a 1.ª instância a determinação e fixação da pena a aplicar ao arguido, quer por a pena que a 1.ª instância irá determinar e fixar não pode exceder 5 anos de prisão, consabido que ao crime cometido – art. 277.º, n.ºs 1, al. a), e 2, do CP – cabe a pena de prisão até 5 anos.

II - A decisão do Tribunal da Relação que confirmou a condenação de um arguido na pena de 3 anos de prisão, com suspensão da sua execução, sob condição de, no prazo de 2 anos, pagar aos demandantes as indemnizações em que foi condenado, é também insusceptível de recurso para o STJ, nos termos da al. e) do n.º 1 do art. 400.º. A subordinação da suspensão da execução da pena de prisão à obrigação de pagamento daquelas indemnizações é parte integrante da decisão.

III - Um dos arguidos invoca no corpo da motivação de recurso que o Tribunal da Relação não apreciou a ilegitimidade passiva dos intervenientes no pedido de indemnização civil, por falta de intervenção no processo da Câmara Municipal, entidade que, na contestação que apresentou ao despacho de pronúncia e aos pedidos de indemnização civil contra si formulados, responsabilizou pelos eventos que subjazem àqueles pedidos de indemnização. Mais invoca que sendo necessária a intervenção no processo da edilidade, a competência para conhecimento da vertente civil da causa, tal como também alegou na contestação, é do tribunal administrativo, questão esta sobre a qual o Tribunal da Relação também não se pronunciou, muito embora a haja suscitado no recurso que interpôs da decisão de 1.ª instância.

IV - O tribunal de 1.ª instância não se pronunciou sobre qualquer uma daquelas concretas questões suscitadas pelo arguido e demandado, razão pela qual este na motivação de recurso que interpôs do acórdão da 1.ª instância para o Tribunal da Relação arguiu a nulidade daquele por omissão de pronúncia.

V - O Tribunal da Relação, por seu turno, conquanto haja abordado questão atinente à eventual nulidade por omissão de pronúncia do acórdão de 1.ª instância, tendo transcrito alguns dos factos articulados na motivação de recurso do arguido, não emitiu juízo directo sobre se o acórdão de 1.ª instância incorreu ou não na nulidade arguida, tendo optado por assumir a posição que incumbia ao tribunal de 1.ª instância, julgando da relevância/irrelevância de (alguns) dos factos articulados pelo arguido e demandado para a decisão dos pedidos de indemnização civil deduzidos, factos sobre os quais o tribunal de 1.ª instância não se pronunciou minimamente.

VI - Não tendo o Tribunal da Relação emitido juízo directo sobre a nulidade arguida pelo arguido e demandado, tal como lhe foi solicitado, ou seja, não tendo verificado se o tribunal de 1.ª instância se pronunciou ou não sobre as questões que lhe foram colocadas por aquele na contestação, tendo optado por apreciar da relevância/irrelevância de alguma dessas questões para a decisão da causa, dúvidas não restam de que incorreu em omissão de pronúncia, sendo, consequentemente, nulo o acórdão do Tribunal da Relação no que tange com a sua vertente civil.

VII - Tal não significa, obviamente, que o Tribunal da Relação não disponha de poderes de cognição para apreciar da relevância/irrelevância das questões sobre as quais o tribunal de 1.ª instância se deveria ter pronunciado e não pronunciou. Tais poderes, porém, só podem ser exercidos no âmbito do disposto no n.º 2 do art. 379.º do CPP, para eventual suprimento de nulidade da decisão recorrida, ou seja, após o Tribunal da Relação verificar se o tribunal de 1.ª instância sobre aquelas questões emitiu ou não pronúncia.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 7/04.9TAPVC, do Tribunal Judicial da comarca de Povoação, AA, com os sinais dos autos, foi condenado pela prática de um crime de infracção de regras de construção, agravado pelo resultado, na pena de 3 anos de prisão, com suspensão da sua execução, sob condição de, no prazo de 2 anos, pagar aos lesados as indemnizações em que foi condenado.

Pelo mesmo crime e em igual pena foi condenado BB - (1) .

Na procedência de pedidos de indemnização civil deduzidos contra estes dois arguidos, foram ambos condenados, solidariamente, a pagar: - Aos demandantes EE e FF, € 140.000,00, acrescidos de juros vencidos e vincendos desde a data da notificação para contestarem o pedido civil até integral pagamento; - Aos demandantes GG e HH, € 140.000,00, acrescidos de juros vencidos e vincendos desde a data da notificação para contestarem o pedido civil até integral pagamento; - A cada uma das demandantes II e JJ, € 30.000,00, acrescidos de juros vencidos e vincendos desde a data da notificação para contestarem o pedido civil até integral pagamento.

Interpostos recursos para o Tribunal da Relação de Lisboa pelo Ministério Público e pelos arguidos AA e BB foi decidido - (2) : a) No que diz respeito ao recurso interposto pelo Ministério Público, revogar a decisão absolutória do arguido JJ e declarar a irregularidade praticada, determinando a reabertura da audiência de julgamento da 1.ª instância para que assim se possa dar cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 358.º do Código de Processo Penal e para que o arguido possa exercer os direitos que essa disposição lhe confere.

b) Julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido AA.

c) No que diz respeito ao recurso interposto pelo arguido BB: – Alterar a matéria de facto nos termos indicados no ponto 20 deste acórdão; – Alterar o crime pelo qual este arguido foi condenado, que passa a ser o p. e p. pelo artigo 277.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Código Penal; – Determinar que, após o processo ter sido remetido à 1.ª instância, aí se reabra a audiência para a determinação da pena a aplicar por aquele crime; e – Revogar a condenação deste arguido no pagamento das indemnizações civis.

d) Condenar os recorrentes AA e BB nas custas do recurso, sendo a taxa de justiça de 8 (oito) UC quanto ao arguido AA e de 4 (quatro) UC quanto ao arguido BB.

Inconformados com esta decisão, dela interpuseram recurso os assistentes e demandantes EE, FF, GG, HH, II e JJ, bem como o arguido e demandado AA.

É do seguinte teor o segmento conclusivo da motivação de recurso dos assistentes e demandantes: 1. O presente recurso ordinário é interposto pelos ora assistentes, tendo como objecto a sua absoluta discordância, em matéria de Direito, quanto à decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que decidiu alterar o enquadramento penal da conduta do arguido BB, determinado, assim, a sua não agravação pelo resultado morte e decidiu revogar a condenação deste arguido no pagamento das indemnizações civis que havia sido condenado.

  1. Da discussão da causa e com interesse para o presente recurso resultaram, entre outros, como provados, os factos que se encontram vertidos a fls.3 a 11 do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, factos estes que aqui se dão por integralmente reproduzidos para os devidos e legais efeitos.

  2. Na sua análise, entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa alterar a matéria de facto, nos exactos termos de fls.52 a 53 do douto acórdão, que aqui se dá por reproduzida para os devidos e legais efeitos.

  3. Do mesmo modo, entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa, após análise da matéria considerada assente, alterar a qualificação jurídica da conduta do arguido BB, decidindo-se pela sua condenação pelo tipo incriminador descrito no artigo 277º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Código Penal.

  4. Defendendo, todavia, que não se verificava a agravação pelo resultado morte, nos termos do artigo 285º, do Código Penal.

  5. Ora, com o devido respeito, não podem os assistentes concordar com tal conclusão de direito, e isto porque, com o devido respeito, a responsabilidade criminal e civil do arguido BB é por demais notória.

  6. Saliente-se que, o arguido BB celebrou um contrato de empreitada com o arguido CC para a construção dos prédios identificados nos factos considerados como provados.

  7. Foi o arguido BB que acompanhou sempre todos os procedimentos para a construção dos referidos prédios; que aceitou na íntegra as alterações ao projecto solicitadas pelo arguido CC; que executou, por si e por meio dos seus trabalhadores, a construção do imóvel, onde vieram a falecer a KK e a LL e onde sofreram ofensas à integridade física a II e a JJ; que teve pleno conhecimento e ordenou aos seus trabalhadores a deslocação para norte do balcão de cozinha, bem sabendo que tal implicava a supressão das chaminés do imóvel, o que aceitou, bem como as suas consequências.

  8. Do mesmo modo, o arguido BB teve pleno conhecimento e ordenou que fosse instalada, na aludida parede norte do imóvel, uma conduta de 14 metros, na horizontal, para evacuação dos gases tóxicos; que ordenou a construção da conduta que saía do esquentador em direcção à conduta de 14 metros na horizontal, caracterizada por apresentar menos de 30 centímetros na vertical, seguida de duas curvas, cada uma delas com um ângulo de 90 graus.

  9. Em síntese, resultou provado que o arguido BB tinha pleno conhecimento que a construção do imóvel que efectuou violava as mais elementares regras de construção, sendo certo que a sua conduta foi adequada a produzir o resultado morte que infelizmente se veio a verificar, no caso dos autos.

  10. Assim, em nosso entendimento, dúvidas não existem que o arguido...

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