Acórdão nº 3256/05.9TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Julho de 2010

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução14 de Julho de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1. Não se devem confundir factos ou argumentos com as questões que integram a matéria decisória, no sentido próprio da expressão, contido nos artigos 660.º, n.º 2, e 668, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, pelo que, resultando do aresto recorrido que nele se apreciaram e resolveram as questões suscitadas no recurso de apelação, não ocorre nulidade decisória na dimensão normativa pretendida.

  1. O regime especial da invalidade do procedimento disciplinar exclui o regime típico da nulidade previsto no Código Civil, nomeadamente a possibilidade do tribunal dela conhecer oficiosamente (artigo 286.º do Código Civil).

  2. Tendo a autora utilizado recursos humanos e materiais da ré, em proveito próprio, sem que esta lhos tenha atribuído, e produzido, em entrevista concedida a órgão da comunicação social, afirmações injuriosas para com a Administração da ré, para além de violar o dever de guardar respeito e lealdade ao empregador, afectou a relação de confiança que deve existir entre o empregador e o trabalhador.

  3. A autora, com o seu comportamento grave e culposo, pôs em crise a permanência da confiança em que se alicerçava a relação de trabalho e que, insubsistindo, torna imediata e praticamente impossível a sua manutenção, verificando-se justa causa para o despedimento (artigo 396.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2003).

    Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

    Em 18 de Julho de 2005, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, 5.º Juízo, AA, que usou o nome AA , intentou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra BB – SOCIEDADE PORTUGUESA ,… , pedindo que, declarada a ilicitude do seu despedimento, a ré fosse condenada a reintegrá-la, sem prejuízo de optar por indemnização em substituição da reintegração, no valor de quatro meses de remuneração por cada ano ou fracção de antiguidade, e a pagar-lhe: a) as retribuições intercalares e os subsídios de férias e de Natal, à razão de € 12.080,67 por mês, com as respectivas actualizações e aumentos salariais, vencidos desde os trinta dias imediatamente anteriores à propositura da acção até à data do trânsito em julgado da sentença; b) € 2.556,34 mensais, desde os trinta dias imediatamente anteriores à propositura da acção até ao trânsito em julgado da sentença, referente ao ganho monetário mensal com a concessão de viatura para uso total; c) € 18.993,95, relativos à privação do uso dessa viatura, no período entre 12 de Dezembro de 2003 e 30 de Julho de 2004, em que se manteve a suspensão preventiva; d) € 10.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais.

    Alegou, em síntese, que foi admitida ao serviço da ré, em 1 de Outubro de 1987, para trabalhar sob a sua autoridade e direcção, passando, em Outubro de 1990, a desempenhar as funções de adjunta da Administração e directora do Departamento Internacional, as quais acumulou, desde meados de 2001, com a coordenação dos Departamentos de Comunicação e Imagem, de Reprodução Mecânica e de Recursos Humanos, e que se manteve ao serviço da ré até 30 de Julho de 2004, data em que esta a despediu, com invocação de justa causa e após o respectivo procedimento disciplinar, sendo que se encontram prescritos todos os factos imputados até 24 de Novembro de 2003, por não se justificar o processo prévio de averiguações, e que o procedimento disciplinar caducou, acrescentando que todos os factos anteriores a 15 de Setembro de 2003 foram conhecidos ou autorizados pelo superior hierárquico.

    Mais aduziu que foram violados os princípios constitucionais da igualdade e da defesa, pois o instrutor do processo disciplinar se limitou a ouvir dez testemunhas indicadas pela defesa, enquanto ouviu quinze testemunhas para instruir a acusação, e os princípios do contraditório e da confiança, porquanto não lhe foram comunicadas as diligências probatórias efectuadas, com excepção da inquirição do administrador delegado e presidente até às eleições de 15 de Setembro de 2003, e que algumas delas não terão sido realizadas na data nelas constante, com vista a contornar o prazo de caducidade de trinta dias para exarar decisão, caducidade que, assim, se verificou.

    Além disso, sustentou que deviam ser considerados não escritos os pontos da nota de culpa e da decisão que não contivessem factos concretos, e, doutro passo, que era ilegal o aditamento operado à nota de culpa.

    De todo o modo, propugnou que eram falsos os factos em que assentava a decisão de despedir, que teve unicamente como intuito afastá-la do exercício de qualquer actividade na BB, após a derrota da lista por si apoiada, e que os factos verdadeiros foram praticados num contexto que a desculpabilizavam e não revelavam gravidade que tornasse impossível a manutenção da relação de trabalho.

    Quanto à remuneração auferida, alegou que, para além da retribuição em dinheiro, foi-lhe disponibilizado um veículo automóvel, não só para uso no serviço, mas também «para uso particular ou estritamente pessoal», o que representava um ganho monetário correspondente € 2.556,34 mensais, que integrava a sua retribuição e lhe é devido no período em que esteve suspensa preventivamente das suas funções.

    Invocou, ademais, que a actuação da ré a desvalorizou profissionalmente, colocando-a em situação humilhante, justificando-se a atribuição de, pelo menos, € 10.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais.

    A ré contestou, pugnando pela improcedência da acção, tendo alegado, em resumo: as infracções não prescreveram, atenta a existência de inquérito prévio, cuja instauração foi deliberada em 8 de Outubro de 2003; o início do inquérito disciplinar ocorreu em 24 de Outubro de 2003, não tendo decorrido mais de trinta dias entre a suspeita dos comportamentos irregulares e o seu início, nem entre a sua conclusão (21/11/2003) e a notificação da nota de culpa (registo expedido a 12/12/2003), sendo que a autora consultou o processo em 17 de Dezembro de 2003 e terá sido notificada da nota de culpa em 18 de Dezembro seguinte; a não inquirição de mais do que o número de testemunhas admitido por lei e a não notificação da data das diligências probatórias ao trabalhador não constitui violação do direito de igualdade e de defesa; as diligências terminaram em 21 de Junho de 2004 e a ré obedeceu ao prazo de trinta dias para elaboração da decisão final, após o parecer da comissão de trabalhadores; o aditamento à nota de culpa respeitou o atinente direito de defesa; os factos alinhados na decisão de despedir justificam a sanção aplicada e a viatura atribuída à autora era para ser usada nas deslocações de e para o serviço.

    No despacho saneador, foram julgadas improcedentes a invocada excepção de prescrição e a pretensa ilegalidade do aditamento à nota de culpa, sendo relegado para final o conhecimento da alegada caducidade do exercício da acção disciplinar e das arguidas nulidades do procedimento disciplinar.

    Realizado julgamento, a autora declarou que optava por uma indemnização em substituição da reintegração, tendo sido proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, declarou a ilicitude do despedimento e condenou a ré a pagar à autora: a) «a título de indemnização pela ilicitude do despedimento, a quantia correspondente ao quádruplo do produto da retribuição base, no valor de treze mil e oitenta euros e setenta cêntimos (€ 13.080,70), pelo número de anos completos ou fracção, decorridos desde 01/10/1987 até o trânsito em julgado da decisão, com as actualizações e aumentos salariais a que houver lugar desde 30/07/2004 até àquele trânsito em julgado, a liquidar em execução de sentença»; b) «a importância das retribuições que deixou de auferir desde 18/06/2005 (30.º dia antes da propositura da acção) até à data do trânsito em julgado da decisão, à razão de doze mil e oitenta euros e setenta cêntimos (€ 12.080,70) por mês, incluindo as férias, subsídio de férias e de Natal, com as actualizações e aumentos salariais a que houver lugar desde 30/07/2004 até àquele trânsito em julgado», devendo tal valor «ser deduzido do montante das importâncias relativas a rendimentos de trabalho auferidas pela autora em actividades iniciadas posteriormente ao seu despedimento»; c) «a importância mensal de mil euros (€ 1.000,00) correspondente ao ganho monetário pela concessão para uso pessoal de viatura desde 18/06/2005 (30.º dia antes da propositura da acção) até à data do trânsito em julgado da decisão»; d) «a importância de sete mil e quinhentos euros (€ 7.500,00), correspondentes ao ganho monetário mensal pela concessão de viatura para uso pessoal da autora, referente ao período de 17/12/2003 a 30/07/2004»; e) «a quantia de quatro mil euros (€ 4.000,00), a título de danos não patrimoniais», absolvendo a ré do mais peticionado pela autora.

  4. Inconformada, a ré apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual julgou procedente o recurso de apelação, revogando a sentença recorrida, na parte impugnada, absolvendo a ré dos pedidos formulados com base no despedimento ilícito e mantendo a sentença recorrida «no que respeita à condenação da Ré a pagar à Autora a importância de sete mil e quinhentos euros (€ 7.500,00), correspondentes ao ganho monetário mensal pela concessão de viatura para uso pessoal da Autora, referente ao período de 17/12/2003 a 30/07/2004 (ponto d. da decisão)».

    É contra a sobredita decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que a autora agora se insurge, mediante recurso de revista, em que alinha as conclusões seguintes, explicitadas na sequência de convite que lhe foi dirigido, ao abrigo do preceituado no artigo 690.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, na redacção anterior à conferida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, com vista a «sintetizar as 110 conclusões da alegação do recurso, reduzindo-as, muito significativamente, e apresentando, de forma sintética, os fundamentos do recurso»: «1. Estamos...

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