Acórdão nº 1798/07.0TBFLG.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Julho de 2010

Magistrado ResponsávelNUNO CAMEIRA
Data da Resolução13 de Julho de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA AMBAS AS REVISTAS Sumário : I - Obtido o registo de um modelo comunitário junto do Instituto de Harmonização no Mercado Interno (Marcas, Desenhos e Modelos) – IHMI –, nasce a favor do seu titular uma presunção de validade do direito inscrito, nos termos do art. 85.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 6/2002 do Conselho, de 12-12-2001.

II - Por virtude da apontada presunção, o titular do direito inscrito está dispensado de provar que o modelo registado obedece aos requisitos de protecção mencionados no art. 4.º, n.º 1, do citado Regulamento e caracterizados nos dois artigos subsequentes (novidade e carácter singular).

III - O legislador comunitário consagrou um sistema de controle a posteriori do cumprimento dos requisitos substanciais de protecção dos desenhos ou modelos registados, permitindo que os interessados na declaração de nulidade do registo ilidam a presunção de validade fixada no n.º 1 do art. 85.º, mas exigindo, para o efeito, que a validade seja contestada através dum pedido reconvencional de declaração de nulidade, ou, se existir um direito nacional anterior, por via de excepção nesse sentido.

IV - Provando-se que a autora registou em 12-12-2006 no IHMI um modelo de solas e que em data posterior a ré fabricou e comercializou solas com características semelhantes, justo se torna que esta, caso se tenha limitado a excepcionar a nulidade do registo, sofra as consequências resultantes do não cumprimento do ónus da prova do contrário do facto presumido no citado art. 85.º, n.º 1, já que o registo confere à autora o direito exclusivo de utilizar o modelo registado e de proibir que um terceiro o utilize sem o seu consentimento.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

Síntese dos termos essenciais da causa e dos recursos AA – Fábrica de Componentes para Calçado Unipessoal, Ldª, propôs contra BB – Componentes para Calçado Unipessoal, Ldª, uma acção ordinária, pedindo a condenação da ré:

  1. A reconhecer à autora a titularidade de fabricar e comercializar, em exclusivo, as solas identificadas na petição inicial, e abster-se de as fabricar e comercializar; b) A pagar-lhe a título de indemnização por danos patrimoniais a quantia que se apurar face à prova a produzir, relegando-se o seu cômputo para execução de sentença, sem prejuízo do disposto no artº 565º do CC, e ainda 60.000 € por concorrência desleal; c) A pagar-lhe 25.000 €, a título de compensação por danos não patrimoniais; d) Subsidiariamente, a título de indemnização por enriquecimento sem causa, a pagar-lhe o que vier a apurar-se em face da prova a produzir, relegando-se o seu cômputo para execução de sentença.

    e) A publicar, a expensas suas, a sentença condenatória a proferir neste processo.

    Em resumo, alegou ter criado e registado junto do Instituto de Harmonização do Mercado Interno - Departamento de Desenhos e Modelos - o modelo de sola “Jinfa”, e que a ré começou a fabricar e comercializar modelos de solas semelhantes ou idênticas às criadas pela autora, que vende a um preço bem inferior àquele que corresponde às solas da autora.

    A ré contestou, impugnando parte dos factos alegados na petição inicial, e deduziu reconvenção, pedindo a condenação da autora no pagamento da quantia de 52.960 € a título de indemnização por danos não patrimoniais e patrimoniais já liquidados, bem como no pagamento de indemnização, a liquidar posteriormente, pelos danos patrimoniais resultantes da impossibilidade de satisfazer encomendas que lhe sejam solicitadas enquanto se mantiver a apreensão dos moldes decretada na providência cautelar.

    A autora contestou o pedido reconvencional, reafirmando a posição expressa na petição inicial.

    Realizado o julgamento e estabelecidos os factos foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente e a reconvenção improcedente, condenou a ré a reconhecer à autora a titularidade de fabricar e comercializar, em exclusivo, as solas denominadas “Jinfa”, e a abster-se de fabricar e comercializar as solas “Bruxa”, ordenando o levantamento da apreensão decretada no procedimento cautelar apenso.

    Ambas as partes apelaram, mas sem êxito, pois a Relação de Guimarães confirmou a sentença.

    Mantendo-se inconformadas, autora e ré recorreram para o STJ, insistindo a primeira na condenação da ré no pedido formulado na petição inicial, ou, no mínimo, consoante se evidencia nas conclusões da minuta (fls 725/745), “segundo juízos de equidade”, e sustentando a segunda, por seu turno, a sua absolvição da totalidade do pedido apresentado na acção pela parte contrária.

    Estas pretensões assentam em conclusões que, no essencial e em resumo, se traduzem no seguinte: Revista da autora: 1ª - A ré agiu com dolo directo, pois decidiu registar como sua propriedade a cópia que efectuou, mesmo depois de ter conhecimento que a autora registara anteriormente o modelo de sola “Jinfa”, vira deferida a providência cautelar requerida e intentara a presente acção; 2ª - Tal conclusão - a de que a ré agiu com dolo directo - deveria ter sido tirada pela Relação tendo em conta os factos G) a H) e a consideração de que “seria impossível a verificação de tantas e diversas semelhanças entre as duas solas se a recorrida não conhecesse a sola da recorrente”; 3ª - No mínimo, as instâncias deveriam ter concluído que a ré actuou com negligência, por ter omitido o dever de diligência exigível a um bom pai de família face às circunstâncias do caso; 4ª - Verificam-se todos os pressupostos da concorrência desleal, nos termos do artº 317º, nº 1, a), do CPI; por isso, tomando como referência o facto I) e que é de três anos a “esperança de vida” das solas, a Relação, decidindo segundo a equidade, conforme o artº 566º, nº 3, CC, deveria ter atribuído uma indemnização de 60. 000 €, na medida em que não se provou o exacto lucro que a autora deixou de auferir em razão do fabrico e comercialização da sola “Bruxa”; 5ª - A título de danos não patrimoniais deverá a indemnização ser fixada equitativamente, nos termos do artº 496º, nº 1, CC, em 25.000 €, por ter ficado provado que a conduta da recorrida, ao produzir uma sola semelhante à da recorrente, causou danos na imagem desta; 6ª - Caso se confirme o julgamento das instâncias no sentido de que não se provou a culpa da ré impor-se-á a sua condenação segundo o instituto do enriquecimento sem causa, nos termos do artº 479º do CC; 7ª - Uma vez que a devolução à recorrida dos moldes apreendidos potenciará a consumação de nova ameaça, deverá ordenar-se, no mínimo, a destruição do desenho decalcado no molde e ordenar-se a publicação da decisão num dos jornais mais lidos da região; Revista da Ré: 1ª - Contrariamente ao decidido pelas instâncias, deve proceder-se a uma “redução teleológica” do artº 85º, nº 1, do Regulamento CEE 6/2002, por forma a que a presunção de validade dos modelos ou desenhos comunitários não se estenda aos requisitos substanciais de singularidade, que não são objecto de qualquer análise pelo Instituto de Harmonização do Mercado Interno; 2ª - Enquanto parte componente de um produto complexo (assim foi efectuado e concedido o registo pedido pela autora) o modelo de sola “Jinfa” não goza da protecção concedida pelo Regulamento CEE 6/2002, atento o disposto no seu artº 110º, nº 1; 3ª - A tutela do direito da autora nos termos concedidos pelas instâncias consubstancia um abuso do direito, violando o fim económico e social do sistema de registo instituído pelo Regulamento CEE 6/2002, bem como do direito a ele imanente, em medida que excede os limites impostos pela boa fé e bons costumes; 4ª - Permitir que a recorrida oponha a terceiros o registo que obteve dum modelo caído no domínio público das formas deve considerar-se como o exercício de um direito em clara e manifesta oposição aos princípios da boa fé e do fim económico e social do direito, contrario ao disposto no artº 334º do CC.

    Tudo visto, cumpre decidir.

    II.

    Fundamentação

  2. Matéria de Facto: Os factos provados são os seguintes: A) A autora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica ao fabrico e comercialização de componentes de calçado.

    1. Os componentes fabricados pela autora são essencialmente solas para calçado.

    2. A autora divulgou a sola denominada “Jinfa” antes de proceder ao seu registo no Instituto de Harmonização no Mercado Interno – Departamento de Desenhos e Modelos.

    3. No mês de Dezembro de 2006 a autora produziu, por intermédio da empresa denominada “V..... & P....., Lda,” um modelo de solas denominado “Jinfa”, com as características constantes dos...

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