Acórdão nº 1254/08.0TVLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Julho de 2010

Magistrado ResponsávelURBANO DIAS
Data da Resolução13 de Julho de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA Sumário : I – O facto de as partes terem estabelecido, na feitura de um contrato-promessa de trespasse, um prazo limite para a outorga do contrato definitivo, sob pena de caducidade, caso não se verificassem certas condições, não é razão para, com a concretização destas, dentro daquele mesmo prazo, que aquele prazo seja considerado como absolutamente fixo.

II – Como assim, a falta de comparência do promitente-trespassário, na data previamente marcada, para a feitura do contrato de trespasse, apenas o coloca numa situação de mora.

III – A concretização do trespasse entre o promitente-trespassante e terceiro, inviabilizando o contrato prometido com a promitente-trespassário, torna aquele responsável perante este pelo incumprimento, com a legal consequência de ficar obrigado a dobrar o sinal por este prestado.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

Relatório: AA – Comércio e Reparação de Automóveis Lª intentou, no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, acção ordinária contra BB – Comércio de Viaturas Lª, com vista a obter a sua condenação no pagamento de 35.000 €, correspondente ao dobro do sinal prestado relativamente ao contrato-promessa de trespasse que outorgaram, alegando, para tanto, o incumprimento por parte da R..

A R. contestou, pedindo a improcedência da acção, defendendo, para tanto, que o dito contrato-promessa não foi cumprido por culpa da própria A., que não compareceu, na data aprazada para a realização do contrato definitivo, nem justificou a sua atitude, razão pela qual lhe comunicou, logo de seguida, a sua perda de interesse na concretização do negócio.

Reconveio, ainda, pedindo a condenação da A. no pagamento de 10.000 €, a título de indemnização, por danos não patrimoniais, e respectivos juros, por ter feito publicar, num jornal da região, notícias a imputar-lhe o incumprimento do contrato e, ainda, a sua condenação como litigante de má fé.

Após a apresentação de réplica e tréplica, o processo seguiu a sua tramitação normal até julgamento, findo o qual foi proferida sentença a julgar improcedentes tanto a acção como a reconvenção e a impor à A. uma condenação, como litigante de má fé, em multa de 4 Ucs. e em 3.000 €, a título de indemnização a favor da R..

Apelou a A. para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 21 de Janeiro do corrente ano, revogou o julgado em 1ª instância e, em consequência, julgou a acção procedente, revogando, ainda, o segmento decisório da condenação, como litigante de má fé, imposto àquela.

Irresignada, pede, ora, revista a R., tendo, para o efeito, apresentado a respectiva minuta que fechou com as seguintes conclusões: – Vem o presente recurso interposto pela R. com fundamento nos vícios que entende enfermar o recorrido acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de nulidade, violação de lei, de errada interpretação e aplicação de lei, ou seja, dos artigos 668º, nº 1, alínea d), primeira parte, e 716° e 722, nº 1 do Código de Processo Civil e ainda dos artigos 217º, 236º, 238º, 239º, 442º, 483º e ss., 494º, 570º, 762º, 798º e 799º, do Código Civil.

– Quanto à nulidade prevista no artigo 668°, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, entende a Recorrente que, sendo o recurso delimitado pelas questões suscitadas pela parte que o interpôs, das três questões autónomas que foram suscitadas pela A. no recurso de apelação, o Tribunal da Relação não se pronunciou sobre duas: a questão da litigância de má fé e a questão da verificação de uma das condições essenciais de realização do contrato prometido.

– Relativamente à questão da litigância de má fé, essa independência e autonomia são evidentes porquanto a litigância de má fé constitui um incidente da instância e com causa de pedir, sujeitos, fundamentos e consequências distintas da do pedido formulado na acção.

– Em face dos factos dados como provados na primeira instância e no cumprimento do dever de verificação da aplicação do direito às questões objecto de recurso, impunha-se que o Tribunal da Relação mantivesse, pelo menos nessa parte, a decisão que entendeu revogar, uma vez que, sendo aqueles os factos, nenhuma dúvida poderia restar quanto à aplicação do direito e, concretamente, dos artigo 456° e 457° do Código de Processo Civil à situação sub iudice.

– Nada dizendo o acórdão quanto a esta matéria, nem sequer para refutar o entendimento do juiz de primeira instância quanto à questão da má fé, o mesmo enferma do aludido vício de nulidade.

– Quanto à questão da necessidade de obtenção de autorização expressa do senhorio é ela também uma questão autónoma e independente da questão do prazo na medida em que a tese da A., em sede de recurso de apelação, é a de que não estava verificada essa condição essencial para a realização do contrato definitivo e, consequentemente, que não estava cumprida a cláusula 4ª, nº 1 do contrato-promessa.

– Verifica-se, consequentemente, o alegado vício de nulidade do acórdão recorrido, por violação das citadas disposições do Código de Processo Civil.

– O acórdão recorrido faz uma errada interpretação da vontade das partes e qualificação jurídica dos factos, assim violando os artigos 217°, 236°, 237, 238° e 239°, do Código Civil, daí resultando uma errada aplicação da lei.

– A própria A. reconheceu sempre ser o prazo aí referido um prazo absolutamente fixo e de caducidade, resultando da simples leitura/letra do nº 1 da cláusula 4ª resulta a essencialidade do prazo e/ou o seu carácter absolutamente fixo.

– Estipulando o contrato-promessa que “O contrato prometido será celebrado até ao dia 30 de Setembro de 2007”, um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, interpreta necessariamente aquele prazo como um prazo essencial ou absoluto, dentro do qual tem imperativamente que ser realizado o contrato definitivo.

– Num trespasse de um estabelecimento comercial em local arrendado e em que serão também os contratos de trabalho há toda uma série de procedimentos (de comunicação aos trabalhadores, à Segurança Social e às Finanças; de descontos para a Segurança Social; de inventário; de pagamento de salários, que passa a ser feito pelo adquirente; de comunicação ao senhorio para exercício da preferência; etc.) que terão que ser seguidos e que não se compadecem com um termo que não seja absolutamente fixo.

– O nº 2 da cláusula 4ª do contrato-promessa não estabelece nenhuma norma geral; é, antes, a excepção: se as partes previram que só haveria a prorrogação do prazo no caso de estarem reunidas as duas condições previstas pelas partes (designadamente, a existência de acordo para tal), tal significa que, em todas as outras situações, vale a regra consagrada no nº 1, ou seja, de que o contrato definitivo se teria que realizar até 30 de Setembro, sob pena de caducar (e se considerar incumprido o contrato).

– Não faz qualquer sentido, para um declaratário normal, sustentar, como faz o acórdão recorrido que, quando o incumprimento do prazo resultasse de terceiros, o contrato caducaria, salvo se houvesse acordo das partes, mas que se o não cumprimento do prazo se dever a actuação voluntária ou negligente de uma das partes, o contrato se manteria em vigor e ainda se podia realizar, pelo que o acórdão recorrido viola o artigo 236º do Código Civil.

– A solução prevista no nº 2 da cláusula 4a é justa, de boa fé e comutativa, pela repartição entre as partes, de forma equitativa, do risco proveniente da actuação de terceiros e da perda do interesse pelas partes na realização do negócio para além daquele prazo, pelo que sempre se deveria concluir que o maior equilíbrio das prestações seria o defendido pela Recorrente (de que, no caso de o prazo não ser cumprido por culpa de uma das partes, a consequência seria o de ter-se por incumprido o contrato-promessa), aplicando o disposto no artigo 237º do Código Civil, o que o Tribunal da Relação não faz.

– Bem andou a sentença do tribunal de primeira instância quando considerou que – por maioria de razão – se o incumprimento daquele prazo se deveu a uma das partes, a consequência só poderia ser a de, após a data de 30 de Setembro de 2007, se ter por incumprido o contrato-promessa, com a consequente perda do sinal entregue pelo promitente-comprador faltoso.

– É do senso comum que, se a A. estivesse interessada no cumprimento do contrato prometido, a mesma, estando impossibilitada de comparecer na data e hora marcadas, avisaria de imediato a contra-parte ou procuraria o mais rapidamente possível marcar nova data para a realização do contrato prometido.

– Como ficou provado na acção, o não cumprimento do contrato deveu-se exclusivamente à actuação da A., que, sabendo estarem reunidas as condições de que dependia a celebração do contrato prometido, não compareceu na data marcada, não respondeu quando interpelada através do fax, nem, posteriormente, até ao termo do prazo contratualmente fixado, nem durante os três meses que se seguiram.

– Ao não considerar o silêncio da A. como significativo e equivalendo a uma declaração tácita de recusa na celebração do contrato, violou o acórdão recorrido o artigo 217º do Código Civil.

– Mais: o Tribunal da Relação ao considerar que o comportamento da A. possa ser considerado como simples mora e sem consequências, e ao condenar a R., que sempre agiu de boa fé e que tudo fez para cumprir o contrato-promessa assinado, ao pagamento do sinal em dobro, viola o disposto no artigo 570° do Código Civil.

– O Tribunal da Relação deveria ter concluído pela existência de culpa da A. no incumprimento e consequente isenção do dever de indemnizar (artigo 570°, nº 2) ou, no máximo, repartição de culpas, e devolução em singelo do sinal, afastando a aplicação do regime do artigo 442° do Código Civil.

– Acresce que, em face dos factos dados como provados, deveria o Tribunal da Relação considerar ter havido perda do interesse na celebração do negócio, o que determinaria também a caducidade do contrato-promessa.

– A perda do...

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