Acórdão nº 4477/05.0TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Julho de 2010

Magistrado ResponsávelALBERTO SOBRINHO
Data da Resolução01 de Julho de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA A AUTORA CONCEDIDA A REVISTA À RÉ Sumário : 1. As lojas que integram centros comerciais deixam de se regular exclusivamente pelo que diz respeito á relação entre o dono do local e aquele que o explora, mas também pelo que se reporta à disciplina da unidade comercial assim agregada, que impõe a assunção de obrigações que possibilitem o exercício da actividade comercial do conjunto dos lojistas.

Devido a essa sua especificidade, é hoje pacífica a doutrina e a jurisprudência no sentido de considerar como contrato atípico ou inominado a cedência de espaços ou a instalação de lojas em centros comerciais, por se não coadunarem essas suas especificidades com as regras do arrendamento urbano, não se reduzindo, pela sua complexa natureza jurídica, a um contrato de arrendamento, nem a um contrato de cessão de exploração, e extravasando de um contrato misto de arrendamento e prestação de serviços.

  1. Para que o contrato fica sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais necessário se torna, desde logo, que as condições negociais previamente elaboradas pelo proponente tenham de ser aceites tal como apresentadas, sem possibilidade de negociação individual. O requisito da rigidez constitui um dos pressupostos indispensáveis para que o contrato se passe a reger pela disciplina daquele diploma legal.

    Uma vez que o contrato não foi apresentado hermeticamente fechado, tendo a autora prévio conhecimento das suas cláusulas e a elas aderido livremente e sem restrições, podendo sugerir alterações, na ausência da característica da imodificabilidade, essencial à sujeição do contrato ao regime das cláusulas contratuais gerais, há que acolher o presente contrato como contrato atípico sujeito ao estipulado nas cláusulas convencionadas por mútuo acordo, na conformidade do disposto no nº 1 do art. 406º C.Civil.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório AA– MÓVEIS E ELECTRODOMÉSTICOS, S.A., intentou, a 1 de Agosto de 2005, a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra BB - GESTÃO DE CENTROS COMERCIAIS, S.A., sucessora de CC – Gestão de Centros Comerciais, S.A., extinta por fusão incorporação, pedindo que seja declarado nulo o contrato entre elas assinado relativamente à utilização de uma loja no Centro Comercial Colombo e, consequentemente, a ré condenada a restituir-lhe a quantia global de € 416.198,48.

    Para a hipótese do contrato não ser declarado nulo, pretende que, subsidiariamente: se declare que a ré incumpriu este contrato por desrespeito do tenant mix programado e que a ré seja condenada a indemnizá-la dos prejuízos decorrentes desse incumprimento, acrescida de juros desde a citação até integral pagamento.

    Alega, no essencial, ter celebrado com a ré um contrato para cedência do direito de utilização de uma loja no Centro Comercial Colombo, contrato e seu regulamento previamente elaborado pela ré, sem possibilidade de negociação das suas cláusulas.

    Para além disso, a ré, contrariamente ao estipulado, não manteve a exclusividade da venda dos artigos por si comercializados nessa loja.

    Gastou avultadas quantias na instalação da loja tendo agora que a deixar sem qualquer contrapartida, sendo ainda que a cláusula 14ª foi elaborada com o propósito claro da ré conseguir um controlo do estabelecimento e da própria sociedade autora.

    Considera absolutamente proibidas as cláusulas 10ª, 19ª e 26ª e relativamente proibidas as cláusulas 4ª, 16º, 18ª e 21ª.

    Contestou a ré para, em síntese, alegar que, devido às características dinâmicas do Centro Comercial e às especificidades do mercado, teria a ré que efectuar as reestruturações adequadas a manter o padrão de qualidade exigida.

    Foi facultado à autora a minuta do contrato de utilização para o examinar e efectuar as sugestões de alteração tidas por conveniente, sem que qualquer sugestão dessa natureza apresentasse, além de lhe ter sido explicado o conteúdo das cláusulas insertas no contrato.

    E o valor dos direitos de ingresso, sua forma e plano de pagamentos foi entre elas negociado.

    A quebra de vendas só aconteceu devido ao desinteresse da autora pela loja.

    Foi acordado livre e esclarecidamente que as benfeitorias efectuadas na loja ficariam a fazer parte integrante da mesma, não conferindo qualquer direito de indemnização e/ou direito de retenção, apesar da autora ter tirado da loja o que teve por conveniente, sem qualquer oposição sua.

    E sabia a autora que o contrato caducava impreterivelmente em Setembro de 2003.

    Saneado o processo e fixados os factos que se consideraram assentes e os controvertidos, prosseguiu o processo para julgamento.

    Na sentença, subsequentemente proferida, foi a acção julgada parcialmente procedente e declarada nula a cláusula 10ª, ponto 1, e improcedente quanto aos demais pedidos, com a consequente absolvição da ré.

    Inconformada quanto ao assim decidido apelou a autora, e subordinadamente a ré, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa declarado apenas a nulidade parcial das cláusulas 10ª, 19ª e 26ª do contrato, mantendo a absolvição da ré do demais peticionado.

    Ainda irresignadas recorrem novamente autora e ré, esta subordinadamente, agora de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, continuando aquela a pugnar pela nulidade do contrato celebrado com a ré e pela total procedência da acção e defendendo esta a validade dos nºs 4 a 8 da cláusula 10ª, bem como a validade das cláusulas 19ª e 26ª.

    Contra-alegou a ré em defesa da improcedência do recurso interposto pela autora.

    Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

    1. Âmbito do recurso A- De acordo com as conclusões, a rematar as alegações de recurso, o inconformismo das recorrentes, radica, em síntese, no seguinte: recurso principal 1- Em Agosto de 1997, a recorrente, na sequência do contrato de utilização da loja nº 0.186, gastou a quantia de € 233.040,49, para dotar esta loja dos acabamentos exigidos pelo projecto aprovado pela Gestora do Centro.

      2- A ré exigiu à autora, a título de reserva de ingresso, a quantia de € 183.157.99 com a justificação, segundo o contrato, de que se destinava a fazer face aos dispendiosos e apurados estudos técnicos…em função dos quais teria sido possível seleccionar os lojistas inaugurais e respectivas actividades (tenant mix), como factor decisivo na valorização do Centro e de todas e cada uma das lojas e espaços nele integrados.

      3- Em Dezembro de 2000, a sociedade ré admitiu no Centro uma Grande superfície de origem espanhola, San José, que vendia os mesmos artigos da autora, a preços insuportáveis para qualquer lojista nacional.

      4- Por isso, solicitou a autora, em Janeiro de 2001, uma redução nas prestações mínimas, ou seja uma modificação do contrato por alteração das circunstâncias, tendo a sociedade ré, em Março de 2003, exigido o cumprimento integral do contrato.

      5- Quando a sociedade ré, unilateralmente pôs termo ao contrato, em 16 de Setembro de 2003, a autora apenas levou a mercadoria em exposição e um pequeno balcão amovível.

      6- Este contrato é nulo na sua totalidade por desrespeitar normas de ordem pública do Estado Português, da Constituição da República, normas imperativas do Código Civil e do Código das Sociedades Comerciais e ainda o art° 15°, considerando a concretização prevista nas duas alíneas do artº 16°, o art° 18°, alíneas e), i) g) e l), bem como o art° 19°, alíneas c), f) e h) do Dec-lei n° 446/85 de 25 de Outubro.

      7- Para além da cláusula 10ª, o acórdão recorrido também considerou parcialmente nula a cláusula 26ª mas não retira qualquer consequência dessa nulidade.

      8- E a cláusula 19ª deveria ser declarada totalmente nula.

      9- Também a cláusula 23ª deveria ser declarada nula por colidir com o n° 2 do art° 205º Constituição da República sobre os Tribunais e a obediência devida às suas decisões.

      10- O acórdão recorrido não se pronuncia sobre as sanções pecuniárias desmedidas, visto que elas são previstas em varias cláusulas e a propósito, designadamente as cláusulas 14ª, 15ª e 16ª, cláusulas essas nulas nos termos dos artigos 810º e 811° do Código Civil.

      11- O contrato dos autos limita desmedidamente a liberdade social da autora e até a liberdade dos seus sócios, violando o disposto no art° 61° Constituição, na medida em que a cláusula 14ª não permite a cedência a qualquer título do estabelecimento, nem permite a admissão de novos sócios, nem a possibilidade dos actuais poderem ceder as suas participações a não ser com o consentimento da sociedade ré.

      12- A limitação desta cedência afronta o nº 5 do art. 229º C.S.Comerciais, norma esta imperativa.

      13- Também a cláusula 15ª do Contrato estabelece um direito de preferência que nada tem a ver com direito de preferência, visto que a ré não tem de igualar o preço.

      14- Não se compreende nem se concorda com a condenação da autora nas custas da acção e dos dois recursos, na medida em a sociedade ré obteve, da mesma forma que a autora, provimento parcial no seu recurso subordinado.

      recurso subordinado 1- O contrato que subjaz aos presentes autos não é um contrato de adesão, não se lhe aplicando o disposto no DL 446/85 de 25 de Outubro, já que a estipulação do conteúdo de todas as cláusulas insertas no contrato é o resultado do exercício da autonomia privada das partes, do poder de auto-regulamentação dos seus interesses através do exercício da sua liberdade de fixação do conteúdo contratual, não sendo cláusulas contratuais gerais.

      2- Na sequência das negociações estabelecidas entre autora e ré, foi apresentado à autora minuta de contrato elaborado pelos serviços jurídicos da ré, minuta essa que ficou aberta às sugestões da autora, tendo, pois, as cláusulas insertas no contrato resultado das negociações entre elas estabelecidas, não se tratando de cláusulas impostas por qualquer uma das partes.

      3- Mas ainda que o fosse, as cláusulas do contrato julgadas parcialmente nulas não são violadoras de qualquer disposição legal.

      4- A partir do momento em que se julgou válida a parte...

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