Acórdão nº 4658/04.3TTLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Junho de 2010

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução09 de Junho de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Doutrina: -PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA , Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 1967, p. 228. - PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. II, Coimbra Editora, 1968, p. 2. -MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, pp. 231-234.

Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 349.º, 351.º, 762.º, N.º2 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 660.º, N.º 2, 713.º, N.º 2, 722.º, N.º 2, 726.º, 729.º DECRETO-LEI N.º 49.408 DE 24 DE NOVEMBRO DE 1969 (LCT): - ARTIGO 20.º. DECRETO-LEI Nº64-A/89, 27 DE FEVEREIRO (LCCT): -ARTIGOS 9.º A 15.º. DECRETO-LEI N.º 16/94, DE 22 DE JANEIRO, ALTERADO, POR RATIFICAÇÃO, PELA LEI N.º 37/94, DE 11 DE NOVEMBRO: - ARTIGOS 14.º, N.ºS 1 ALÍNEA B) E 2, E 27.º . Sumário : 1. Não cabe ao Supremo Tribunal de Justiça extrair ilações da matéria de facto assente, mas sim aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido.

  1. Obrigando-se a trabalhadora a não exercer funções docentes, no regime de tempo integral, em qualquer outro curso da instituição ou fora dela, o exercício dessas funções, em outras duas instituições, em regime de tempo parcial, não desrespeita o compromisso por si assumido.

  2. Provando-se que a trabalhadora não comunicou aquela acumulação de funções à sua empregadora, deve concluir-se que violou culposamente o dever de lealdade, previsto no artigo 20.º, n.º 1, alínea d), da LCT, conduta que não sendo grave nas suas consequências, já que não se demonstrou que, por causa dessa acumulação, a trabalhadora tenha negligenciado o exercício das suas funções ou diminuído a qualidade do ensino que ministrava, não é de molde a quebrar irremediavelmente a relação de confiança que a natureza da relação de trabalho pressupõe, não se configurando um comportamento integrador de justa causa de despedimento.

    Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

    Em 10 de Novembro de 2004, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, 5.º Juízo, AA instaurou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra BB- C... – C.... DE O... E D... DO ENSINO PARTICULAR, L.da, pedindo a condenação da ré a reintegrá-la no seu posto de trabalho, sem prejuízo da opção pela cessação do contrato de trabalho que vinculava as partes, e a pagar-lhe a quantia, já vencida, de € 3.907,25, acrescida da que se vencer até à decisão final, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação da ré e até integral pagamento.

    Sustentou, para tanto, que foi admitida ao serviço da ré, em 1 de Agosto de 2001, para exercer as funções de professora no estabelecimento desta denominado CC- I... N... P..., sendo despedida por decisão, transmitida à autora por carta de 14 de Novembro de 2003 e por esta recebida em 17 seguinte, com base na existência de justa causa, a qual não se configurava, já que os motivos invocados — ter a autora exercido funções docentes em regime de tempo parcial na DD- U...L... e no EE-I...S...L...A... e ter declarado à ré que não exercia quaisquer funções em acumulação, o que violava o dever de lealdade e, bem assim, o dever de zelo e diligência, previstos nas alíneas b) e d) do artigo 20.º do regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 — não cobravam justificação factual e legal.

    A ré contestou, impugnando parte do articulado pela autora e sustentando a justa causa do despedimento.

    Prosseguindo os autos seus termos, com dispensa de fixação da «matéria de facto assente» e de elaboração de «base instrutória», em 16 de Outubro de 2006, foi proferida sentença que condenou a ré a reintegrar a autora no seu posto de trabalho, sem prejuízo da categoria e antiguidade, e a pagar-lhe o valor das retribuições que deixou de auferir desde 10 de Outubro de 2004 até à data do trânsito em julgado da sentença, nelas se incluindo as retribuições de férias, subsídios de férias e de Natal, à razão de € 2.493,99, «deduzindo-se a estes montantes os rendimentos de trabalho e subsídios de desemprego que a A. auferiu no mesmo período de tempo», mais tendo condenado a ré a pagar à autora «juros de mora sobre tais importâncias, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação da R. até integral pagamento».

  3. Inconformada, a ré apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, mas sem sucesso, uma vez que aquele Tribunal de 2.ª instância, por acórdão de 4 de Fevereiro de 2009, confirmou «a sentença recorrida quanto à ilicitude do despedimento por inexistência de justa causa e demais condenações, com o esclarecimento de que os juros de mora quanto às retribuições vincendas são devidos desde a data dos respectivos vencimentos, até integral pagamento».

    Mantendo-se irresignada, a ré veio pedir revista, recurso que foi admitido após reclamação dirigida ao Presidente deste Supremo Tribunal de despacho de não admissão da Desembargadora Relatora, tendo formulado as seguintes conclusões: «1) A Recorrente não imputa à Recorrida a violação de uma qualquer obrigação legal que a impede de acumular funções de docência, antes que, ao acumular funções de docência em outros estabelecimentos de ensino, excedeu a carga horária semanal máxima legalmente permitida; 2) O Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo não contempla nenhuma previsão que regule a matéria respeitante [à] carga horária máxima em situações de acumulação de funções de docência; 3) Andou mal o Tribunal a quo ao considerar que o facto do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo anunciar um “diploma próprio” para o regime laboral aplicável aos docentes dos estabelecimentos de ensino particular, e este ainda não ter sido publicado, não poder aplicar-se a tais relações um outro regime; 4) Atentas as especificidades do exercício profissional da docência, a aplicação da Lei Geral do Trabalho à situação sub judice apresenta-se “contra natura”; 5) É aplicada à relação laboral dos autos o regime jurídico aplicado para a carreira docente do ensino superior público, atentas as numerosas referências que no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 16/94, que aprovou os Estatutos do Ensino Superior Particular ou Cooperativo, se efectuam ao regime do ensino superior público; 6) A Recorrida, ao acumular funções de docência em outros estabelecimentos de ensino, violou o disposto no Decreto-Lei n.º 378/86, de 10 de Novembro, pois excedeu o limite de 12 horas semanais fixado para efeitos de acumulação de funções; 7) Os diplomas legais relativos ao Estatuto da Carreira Docente Universitária, são aplicáveis ao caso dos autos, uma vez que, quer os Estatutos do CC- I...N...P..., quer o respectivo Regulamento remetem, expressamente, para o Estatuto da Carreira Docente Universitária (cfr. artigos 17.º, n.º 3.3, e 22.º n.º 3.3, respectivamente); 8) Daqui resulta, com meridiana clareza, que é aplicável à Recorrida o regime jurídico previsto nos diplomas legais relativos ao Estatuto da Carreira Docente Universitária; 9) A sentença considerou provado que «Em 27 de Setembro de 2002, a A. assinou e entregou à R. uma declaração anual, relativa ao ano lectivo 2002/2003, na qual declarou “aceitar exercer as funções em regime de tempo integral no FF- I...S...N...P..., no ano lectivo de 2002/2003, para ministrar a seguinte disciplina: Língua e Cultura Inglesa…num total de 8 horas semanais…O compromisso assumido na situação de tempo integral é feito em relação ao Curso Turismo e Assessoria, com exclusão de qualquer outro curso na instituição ou fora dela…», sublinhado[s] nosso[s]; 10) Não obstante, ficou provado que «A A. começou a leccionar na DD- U...L... de Humanidades e Tecnologias em 1 de Outubro de 2002 e no EE-I...S...L...A...L...em 23 de Outubro de 2003»; 11) A Recorrida, mediante a declaração que assinou em 27/09/02, não se limitou a assumir o mero compromisso de não aceitar prestar as suas funções de docência em regime de tempo integral em qualquer outro curso da instituição ou fora dela, como defende o Tribunal a quo; 12) A Recorrida assumiu o compromisso de que prestaria as suas funções de docência, em regime de tempo integral para o Curso de Turismo e Assessoria, excluindo-se a possibilidade de ministrar qualquer outro curso na instituição ou fora dela; 13) Se assim não fosse — o que não se aceita —, a Recorrida poderia exercer em diversos estabelecimentos de ensino as suas funções de docência em regime de tempo parcial, podendo, da soma da acumulação de funções prestadas a tempo parcial, ultrapassar a carga horária de 8 horas a tempo integral, sem nunca violar o compromisso que assumiu mediante a assinatura da referida declaração! 14) Fazendo apelo às presunções judicia[i]s (art.º 349.º do C.C.), demonstram as regras de experiência que, em 27/09/2002, a Recorrida já sabia que, em 01/10/2002 iria prestar funções de docência na DD- U...L... de Humanidades e Tecnologias; 15) Tanto basta para concluir que a Recorrida faltou à verdade quando preencheu e assinou a declaração de 27/09/2002; 16) Mesmo que se admita, sem conceder, que a Recorrida não sabia em 27/09/2002 que iria ser admitida na DD- U...L... e no EE- I...S...L...A...L estava obrigada a informar a Recorrente dessa situação de acumulação imediatamente a seguir a ter tomado conhecimento da sua admissão naqueles estabelecimentos de ensino, o que não sucedeu — artigo 27.º do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo; 17) A Recorrida não foi honesta nem leal quando emitiu a declaração de 27/09/2002 e sempre escondeu da Recorrente, deliberada e conscientemente, durante todo o ano lectivo de 2002/2003, que estava a trabalhar noutros estabelecimentos de ensino; 18) A Recorrida, ao acumular funções de docência em outros estabelecimentos de ensino, violou o disposto no Decreto-Lei n.º 378/86, de 10 de Novembro, pois exercia mais de 12 horas semanais; 19) A Recorrida não procedeu de boa fé...

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