Acórdão nº 2990/06.0TBACB.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Maio de 2010
Magistrado Responsável | HELDER ROQUE |
Data da Resolução | 04 de Maio de 2010 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA Sumário : I - Enquanto a omissão de pronúncia é um vício da decisão que contende com o não conhecimento das questões que o tribunal deve apreciar, a falta de fundamentação tem a ver com a total omissão da motivação de facto ou de direito das questões que suportam a mesma decisão.
II - Na hipótese de o vendedor entregar ao comprador a coisa, realmente, devida, mas cujas qualidades não ingressaram no conteúdo do contrato celebrado, que sofria dos vícios ou defeitos elencados pelo art. 913.º do CC, existe uma venda de coisa defeituosa, que é uma situação tributária do erro, mas não, simultaneamente, um caso de cumprimento defeituoso do contrato.
III - O prazo de caducidade contemplado pelo art. 917.º do CC, deve aplicar-se, por interpretação extensiva, em homenagem ao princípio da unidade do sistema jurídico, quer à acção de anulação, quer às acções que visem o pagamento de indemnização por violação contratual.
IV - A caducidade da acção de compra e venda pode acontecer por ter findado o tempo para a denúncia, ou, em virtude daquela ter sido proposta, para além do prazo de seis meses, verificado após a denúncia ou da data do reconhecimento pelo vendedor do vício ou da falta de qualidades da coisa.
V - O negócio jurídico de compra e venda encontra-se cumprido quando a coisa tiver sido entregue e o preço houver sido pago, muito embora as partes tenham acordado, posteriormente, na substituição da coisa por outra, mediante a celebração de um novo contrato de compra e venda.
VI - A obrigação que recai sobre o vendedor de substituir ou reparar a coisa com defeito, deixa de existir se o vendedor desconhecia, sem culpa, o vício ou a falta de qualidades de que ela era portadora.
VII - Não sendo o vendedor de coisa defeituosa obrigado a indemnizar o comprador pelos danos contratuais negativos emergentes do contrato quando desconheça, sem culpa, o vício de que a coisa padece, não pode, porém, opor-se à anulação do contrato, com fundamento em simples erro sobre o objecto do negócio, se conhecia ou devia conhecer a essencialidade do erro do comprador.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA e mulher, BB, residentes em P…, propuseram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra «CC - Comércio de Automóveis, Ldª», com sede em P…, pedindo que, na sua procedência, se declare a resolução do contrato de compra e venda respeitante a um veículo automóvel, que celebraram com a ré [a], se condene a ré a pagar-lhes as quantias recebidas, em virtude de tal negócio, no valor de €10.474,76 [b], se condene a ré a pagar-lhes a quantia de €13.137,51, a título de indemnização por danos patrimoniais [c], e a quantia de €10.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais [d], ou, subsidiariamente, se condene a ré a entregar a viatura, objecto do contrato, aos autores [e], condenando-se a ré a pagar-lhes uma indemnização, por danos patrimoniais, no montante de €13137,51 [f], e uma indemnização pelo valor de desvalorização da viatura, durante os anos em que os autores a não usaram, a liquidar em execução de sentença [g] e a pagar-lhes uma indemnização, por danos não patrimoniais, no montante de €10000,00 [h], alegando, para tanto, em resumo, que adquiriram à ré uma viatura, de marca «Citroen Jumpy», pelo preço de €10.474,76, com recurso ao crédito, junto de uma instituição bancária, sendo certo que o veículo começou a apresentar uma série de problemas mecânicos, que foram sendo reparados pela ré, até que, numa dessas reparações, o autor marido veio a saber que, ao contrário do que lhe fora garantido pela ré, aquando da venda, o mesmo já havia sofrido um acidente, que foi a causa dos problemas de funcionamento sobrevindos, que se revelaram insuperáveis.
Quando confrontaram a ré com tal facto, esta acordou em substituir o veículo por um outro, de marca «Renault Kangoo», mas tal nunca veio a suceder, não tendo a ré entregue o veículo novo, nem renegociado o preço do, anteriormente, comprado, ficando, em consequência, o autor impossibilitado de desenvolver a sua actividade profissional, o que levou ao incumprimento do contrato de crédito contraído, tendo o banco recorrido à via judicial para a sua cobrança.
Na contestação, a ré argui a caducidade da propositura da acção, dizendo que os autores a intentaram, após o decurso dos seis meses posteriores à denúncia dos defeitos, além de que o veículo não foi acidentado, tendo ficado, integralmente, reparado e os autores avisados da conclusão do conserto, sendo certo que o não chegaram a levantar, por sua própria inércia, muito embora lhes tenha sido cedido um outro durante o período da reparação.
Em sede de reconvenção, a ré alega que o veículo está reparado, nas suas instalações, desde 13 de Maio de 2002, pedindo a condenação dos autores no pagamento do valor de €3,50, por cada dia de ocupação, no total de €5.978,00.
Na réplica, os autores defendem a improcedência da excepção de caducidade arguida pela ré e impugnam o pedido reconvencional, afirmando que, a partir do momento em que a ré acordou em entregar-lhes outra viatura, já não são responsáveis pelo valor do parqueamento da anterior, e que, além do mais, sempre a ré lhes foi entregar a viatura reparada, a casa, pelo que nunca lhes caberia proceder ao seu levantamento.
No despacho saneador, foi relegado, para final, o conhecimento da excepção da caducidade, invocada pela ré.
A sentença julgou procedente a excepção da caducidade, absolvendo a ré dos pedidos contra si deduzidos pelos autores, e a reconvenção, totalmente, procedente, por provada, condenando os autores a pagarem à ré a quantia de €5.978,00 e, totalmente, improcedente o pedido de condenação dos autores como litigantes de má-fé.
Desta sentença, os autores interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado, parcialmente, procedente a respectiva apelação, revogando a decisão impugnada, no segmento que julgou procedente o pedido reconvencional, do qual absolveu os autores, confirmando, em tudo o mais, a sentença recorrida.
Do acórdão da Relação de Coimbra, os mesmos autores interpuseram recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, por o mesmo ser nulo, ou, caso assim se não entenda, da sua substituição por outro que considere não verificada a excepção da caducidade, ou, não se atendendo este, que julgue procedentes os pedidos subsidiários, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1ª – Os recorrentes recorrem da sentença proferida em 1a instância também, porque foram julgados improcedentes os pedidos subsidiários.
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- Porém o douto acórdão que ora se recorre não se pronunciou quanto a esta matéria.
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- Pelo que padece de nulidade nos termos do preceituado no art° 668°, n° 1 al. d) do CPC.
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- Devem os autos ser remetidos para o Tribunal da Relação para apurar se, com base nessa apreciação, a decisão da matéria.
Por mera cautela e sem conceder, 5ª - Quanto à decisão que o direito dos autores à data da propositura da acção se mostra caduco somos da opinião que no caso sub judice não se aplica o prazo de caducidade de seis meses após a denúncia para interpor a acção de anulação, consagrado no art° 917° do CC. Pois, 6ª - O negócio celebrado entre autores e ré para a aquisição de uma viatura para o autor marido desenvolver a sua actividade profissional, não se encontrava cumprido.
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- Pese embora, tenha havida uma primeira entrega do veículo de marca citrõen, modelo Jumppy e o pagamento deste, 8ª - No seguimento das anomalias apresentadas por este veículo, ainda dentro do prazo de garantia, o autor marido manifestou o seu desagrado quanto ao veículo, e a ré aceitou que fosse feita a troca deste veículo por outro.
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– Assim, autores e ré acordaram que a ré ficaria com o carro de marca Citroën, modelo Jumpy e em sua substituição entregaria outro aos autores de marca Renault, modelo Kangoo.
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- Segundo a ré o veículo Kangoo teria de ser submetido a uma revisão, e só poderia ser entregue aos autores a posteriori, o que nunca se verificou.
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- Não tendo a ré interpelado ao autores no sentido de que o veículo Kangoo estava à disposição destes, sequer que já não estava interessada na troca. Nada mais disse.
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- Sendo que, os autores após terem acordado a substituição do veículo com a ré diligenciaram junto do Banco ..., entidade que havia financiado a aquisição da 1a viatura, para saber quais as condições e os custos para a troca do referido crédito para o outro veículo.
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- Pelo que o negócio não se pode considerar como concluído, já que, por consenso das partes, foi modificado não se tendo concretizado tal modificação já que a ré nunca entregou ou pôs á disposição dos autores o veículo objecto da troca.
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- Por conseguinte aplica-se no caso sub judice o prazo de caducidade estipulado no art° 287°, n° 2 do CC e, consequentemente considerar-se que a acção foi interposta em tempo e apreciar o pedido dos autores.
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- Sem conceder, e na hipótese de se entender que o pedido principal não deve ser julgado procedente, sempre assiste aos autores os direitos peticionados subsidiariamente.
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- Deste modo, sempre se impunha como impõe, a procedência da condenação da ré no pagamento dos danos patrimoniais e não patrimoniais e desvalorização do veículo, pedidos estes subsidiariamente formulados pelos autores já que o prazo de caducidade destes é o preceituado no art° 309° do CC, ou seja 20 anos.
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- O facto de os autores não procederam ao levantamento do veículo de marca Citroen, deveu-se única e exclusivamente à actuação da ré, que acordou com estes que ficaria com este veículo, por isso ele continuou nas instalações da ré, e em sua substituição lhe entregaria outro de marca Renault, modelo Kangoo após o sujeitar a uma revisão.
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- Imediatamente os...
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