Acórdão nº 506.06.8TTGRD.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Abril de 2010

Magistrado ResponsávelMÁRIO PEREIRA
Data da Resolução22 de Abril de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - A transmissão do contrato de trabalho para a entidade para quem é operada a reversão da exploração do estabelecimento pressupõe que já houvesse esse vínculo laboral com a empresa que operou a reversão.

II - Os elementos essencialmente constitutivos do contrato de trabalho são a subordinação económica – traduzida na existência de remuneração suportada pelo empregador – e a subordinação jurídica do trabalhador ao empregador, traduzida na sujeição daquele, na prestação da sua actividade, às ordens, direcção e fiscalização deste.

III - Para determinar a natureza laboral do vínculo, permitindo também distingui-lo do contrato de prestação de serviço, recorre-se geralmente aos denominados indícios ou índices de subordinação jurídica, a avaliar num juízo global, como sejam: a vinculação a horário de trabalho estabelecido pela pessoa a quem se presta a actividade; a execução da prestação de trabalho em local definido pelo empregador; o modo de prestação da actividade; a obediência a ordens e a sujeição à disciplina imposta pelo empregador; a remuneração em função do tempo de trabalho; a integração do prestador da actividade na organização da empresa.

IV - As particularidades que se podem verificar no âmbito das sociedades por quotas onde realidades práticas podem reclamar a admissibilidade da acumulação de funções de sócio gerente e de trabalhador, afastam a aplicação do disposto no art. 398.º do Código Comercial que, reportado às sociedades anónimas, proíbe a cumulação de funções de administrador e de trabalhador subordinado, admitindo-se, assim, a possibilidade de um sócio gerente de uma sociedade por quotas ser simultaneamente seu trabalhador, desde que, no caso concreto, se verifique a existência de subordinação jurídica.

V - Resultando provado que a A. e o marido eram os dois únicos sócios, e gerentes, da sociedade que explorou, durante mais de 10 anos, um restaurante, que aquela ali exerceu as funções de cozinheira e que efectuou, até Janeiro de 2004, as contribuições para a Segurança Social, a título de “membro órgão estatutário”, e, de Fevereiro de 2004 a Julho de 2006, a título de “trabalhador por conta de outrem” da mesma sociedade, por insuficientes que são como índices de subordinação jurídica, não permitem concluir que, no período de Junho de 1995 a 30 de Janeiro de 2004, a A. tenha exercido simultaneamente as funções de sócia gerente da referida sociedade e as de trabalhadora subordinada da mesma e que, no período posterior, tivesse passado a exercer tão-só estas últimas funções.

VI - Nada estando apurado sobre o modo de execução, por parte da A., da actividade de cozinheira no âmbito da referida sociedade, nomeadamente se enquanto sócia gerente da mesma estava na dependência hierárquica e funcional do outro sócio gerente – cumprindo um determinado horário de trabalho e cumprindo ordens e instruções da sociedade – e não assumindo particular relevância qualificativa o local da prestação, uma vez que a A., necessariamente, tinha de desenvolver as suas funções no restaurante, é de concluir que a A. não logrou provar, como lhe cabia, que, estivesse vinculada à referida sociedade por contrato de trabalho.

VII - Não estando afirmada a existência de um contrato de trabalho com a referida sociedade, não há lugar à aplicação do regime estabelecido no n.º 3 do art. 318.º do Código do Trabalho de 2003.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I – A autora AA instaurou, em 15.10.2006, a presente acção de processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra os réus BB, CC, DD e EE, alegando, em síntese: Trabalhou por conta, sob a direcção, fiscalização e autoridade dos réus, desde 1 de Junho de 1994 até 15 de Setembro de 2006, auferindo o salário mensal ilíquido de € 1.050,00.

Nesta última data, os RR. procederam ao despedimento da A., mediante carta em que declararam não a reconhecerem como sua funcionária.

Como foi efectuado sem justa causa, tal despedimento é nulo.

Além disso, os réus não lhe pagaram os salários de Agosto e Setembro de 2006, nem as importâncias vencidas com a cessação do contrato de trabalho.

Em consequência, pede a autora a declaração da ilicitude do despedimento, e a condenação dos réus a pagar-lhe as seguintes quantias: - € 13.347,95, a título de indemnização; - € 1.575, a título de retribuição dos meses de Agosto e Setembro de 2006; - € 1.478,63, referente aos proporcionais de férias e subsídio de férias relativos ao trabalho prestado no ano de 2006; - € 739,32, referente aos proporcionais de subsídio de Natal relativos ao trabalho prestado no ano de 2006.

Peticiona ainda a autora a condenação dos réus no pagamento das importâncias que deixou de auferir desde um mês antes da propositura da acção e até à sentença, estando já vencido o montante de € 1.050,00.

Por fim, pede ainda a autora juros à taxa legal sobre todas as importâncias reclamadas, estando já vencido o valor de € 63,41.

Os RR. contestaram, impugnando a factualidade alegada na petição inicial, afirmando que a A. nunca foi sua empregada, sendo antes gerente da antiga cessionária do estabelecimento, a sociedade “T....C....– Investimentos Turísticos, Lda.”. Daí que também não a tenham despedido.

Concluem pela improcedência da acção e pela condenação da autora, como litigante de má fé, em indemnização a seu favor.

A A. respondeu, pedindo a condenação dos réus, como litigantes de má fé, em multa e indemnização a seu favor, no valor de € 6.000, e concluindo como na petição.

Saneada, instruída e julgada a causa, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os RR. do pedido.

Dela apelou a A., tendo a Relação de Coimbra julgado improcedente a apelação e confirmado a sentença.

II – Novamente inconformada, a A. interpôs a presente revista, em que formulou as seguintes conclusões: 1ª. Tendo a autora provado ter tido um contrato de trabalho com a firma que explorou o restaurante antes de este ser entregue aos réus, foi esse contrato de trabalho automaticamente transmitido aos réus com a reversão do estabelecimento para si.

  1. É irrelevante, para efeitos de aplicação do art° 318° do Código do Trabalho, quem contratou os trabalhadores integrantes do quadro de pessoal do estabelecimento, devendo o transmissário deste recebê-lo com esses contratos.

  2. Não podiam, por isso, os réus recusar trabalho à autora, ou deixar de a considerar sua trabalhadora, sendo a sua atitude equiparável a um despedimento sem justa causa.

  3. Os recorridos teriam sempre que contar que o restaurante tinha um cozinheiro ou uma cozinheira e que a reversão do estabelecimento seria acompanhada desse posto de trabalho.

  4. O facto de a recorrente ser simultaneamente sócia da cessionária à data da reversão, embora não sua gerente, não é impeditivo da existência de um contrato de trabalho válido.

  5. Violou a douta decisão recorrida os artigos 318° a 320° do Código do Trabalho.

Pede que a decisão recorrida seja revogada e substituída por outra que condene os réus/recorridos no pedido.

Os recorridos contra-alegaram, defendendo a confirmação do julgado.

No seu douto parecer, não objecto de resposta das partes, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo pronunciou-se no sentido de ser negada a revista.

III – Colhidos os vistos, cumpre decidir.

As instâncias deram como provados os seguintes factos, que aqui se mantêm, por não haver fundamento legal para os alterar: 1. A autora, AA, prestou a actividade de cozinheira, e responsável pela cozinha, no restaurante “A .....a”, pertencente aos réus BB, CC, DD e EE, desde o dia 1 de Junho de 1994 até ao dia 31 de Julho de 2006; 2. Na escritura pública cuja...

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