Acórdão nº 905-U/2001.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Maio de 2010

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução06 de Maio de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1. No âmbito do CPEREF, a protecção dos interesses da generalidade dos credores do falido passa essencialmente pela aplicação da figura genérica da impugnação pauliana ( art. 157º, conjugado com as disposições comuns e gerais do CC), com as especialidades resultantes das previsões contidas nos dois artigos subsequentes: presunção de má fé nos casos elencados no art 158º, - em que se inclui (al. d) a celebração de negócios a título oneroso pelo falido, nos 2 anos anteriores ao início do processo que conduziu à falência, em que as obrigações por ele assumidas excederam manifestamente as da contraparte, - e reversão dos bens ou valores para a massa falida, no caso de procedência da impugnação pauliana.

  1. A proporcionalidade das prestações das partes num negócio com a configuração típica da dação em pagamento – envolvendo, de forma simultânea e recíproca, um efeito transmissivo de um bem para o património do credor e o efeito extintivo de um crédito ou conjunto de créditos de que este era titular no confronto do devedor – tem de ser aferida comparando o valor real do bem transmitido e o valor dos créditos extintos através da dação – não relevando para esta operação a eventual existência de outros créditos, surgidos no desenvolvimento das relações empresariais entre as partes, mas que não são minimamente afectados pela celebração do negócio.

  2. A presunção de má fé dos outorgantes no negócio de dação em pagamento – decorrente da desproporção objectiva das prestações - tem, porém, de se considerar ilidida quando, perante a matéria de facto fixada pelas instâncias, a parte interessada tenha demonstrado que, `a data do acto, não era cognoscível, para quem actuasse no comércio jurídico com os padrões de diligência exigíveis, a existência de uma situação iminente ou próxima de insolvabilidade da contraparte, precipitada pela alienação do bem como contrapartida da extinção de um crédito – não tendo, deste modo, actuado com a consciência de que causava um prejuízo à generalidade dos credores.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.A massa falida de AA – Empresa de Construções, S.A., representada pelo respectivo liquidatário judicial, intentou acção de condenação, na forma ordinária, contra BB e CC, na qualidade de administradores da AA, e DD – Equipamentos e construções Técnicas, S.A., visando obter, mediante impugnação pauliana de determinado negócio de dação em pagamento celebrado entre aquelas sociedades, alguns meses antes de a primeira se ter apresentado à falência, a declaração de ineficácia do acto, com a consequente reversão do imóvel dado em pagamento e constituindo-se o crédito, por essa forma extinto, como crédito comum sobre a massa falida.

    Como fundamento de tal pretensão, invoca a subavaliação do imóvel dado em pagamento, cujo valor real seria sensivelmente superior ao que lhe foi atribuído na dita dação em pagamento , no conhecimento, por parte da R., da situação de iminente insolvabilidade da sociedade entretanto falida, prejudicando com tal negócio a generalidade dos credores, existindo ainda relações de proximidade entre os administradores de ambas as sociedades, que conduziram a uma permissividade no avolumar da dívida da falida , - nunca tendo a 3ª R. tomado posse do imóvel dado em pagamento, já que o mesmo sempre se manteve na posse da massa falida.

    Os RR. contestaram, invocando a caducidade do direito à resolução do negócio pelo liquidatário, trazendo à colação todo o quadro negocial e comercial em que se inseriam as relações empresariais entre ambas as sociedades, como pano de fundo explicativo da celebração da questionada dação em pagamento, impugnando ainda a desproporção das prestações assumidas pelas partes na referida dação , negando qualquer situação configurável como integrando a figura da má fé de alienante e adquirente na respectiva celebração - e acentuando que o liquidatário ocupa o prédio por mera tolerância da R.

    A A. replicou, reiterando a sua posição , acentuando que a entretanto falida não dispunha das condições económicas indispensáveis à sua laboração, tanto assim que, poucos meses depois se apresentou à falência, que veio a ser decretada, e impugnando a matéria da excepção, já que o objecto a causa nada teria a ver com a resolução do negócio.

    Procedeu-se ao saneamento e condensação da matéria da causa, julgando-se improcedente a referida excepção de caducidade e organizando-se a base instrutória. E, após julgamento, foi proferida sentença a julgar a acção improcedente, por não provada.

    Inconformada com o decidido, apelou a A., começando por impugnar a decisão proferida sobe a matéria de facto e reiterando o seu entendimento de que existiria efectiva e manifesta desproporção entre as prestações das partes no negócio de dação em pagamento, o que deveria naturalmente fazer funcionar a presunção legal de má fé, prevista no art. 158º do CPEREF.

    A Relação considerou improcedente o recurso, mantendo o decidido quanto à matéria de facto pela 1ª instância e considerando que , por as prestações dos litigantes na referida dação em pagamento se não revelarem manifestamente desequilibradas, não haveria fundamento bastante para accionar a presunção de má fé do adquirente do imóvel.

  3. Novamente inconformada, a A. interpôs a presente revista, que encerra com as seguintes conclusões que, como é sabido, lhe definem o objecto: O Acórdão proferido de 17.11.2009 pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra ao interpretar e decidir da forma exposta o recurso formulado pela A./recorrente violou disposições substantivas aplicáveis, designadamente, o disposto no art.° 158.°, n.° 1, alínea d) do C.P.E.R.E.F.; Ao entender o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que o que deve relevar para a verificação do pressuposto presuntivo contido na norma dita violada é o concreto negócio que vinculava os contraentes - ou seja, o facto de a aqui recorrente ser devedora da DD de valor superior ao do imóvel dado em cumprimento independentemente de o valor real do mesmo ter sido dado enquanto provado ser muito superior ao declarado na escritura pública de dação - e não o facto de na escritura pública de dação em pagamento o preço estipulado pelas partes para o imóvel ter sido fixado em montante substancialmente inferior ao valor real do bem dado, ESQUECE AS IMPLICAÇÕES DERRAMADAS DE TAL ACTO PREJUDICIAL PARA A MASSA; O simples facto de as partes terem fixado um valor da dação em cumprimento a partir de um montante determinado entre ambas para um imóvel que veio a revelar-se de valor substancialmente superior implicou que a DD, S.A. tivesse mantido um nível de crédito remanescente sobre a AA, S.A./falida que veio a preponderar objective e positivamente na sua reclamação de créditos operada sobre a massa. Significando: o simples facto de ter sido atribuído ao imóvel em escritura pública um valor inferior ao valor real do bem dado permitiu à receptora da dação/credora assumir um benefício ilegítimo consubstanciado na manutenção de um nível creditício superior ao que lhe seria devido; A AA assumiu, na dação em pagamento, uma obrigação superior à da contraparte/DD ; Ao entender o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que, embora tratando-se de um acto oneroso realizado pela falida nos dois anos anteriores à data de abertura do processo conducente à falência, não se encontra demonstrado que a obrigação assumida pela falida (obrigação de entrega do imóvel), exceda manifestamente a da adquirente (obrigação do preço estipulado na dação em pagamento), atento o contrato entre ambas celebrado tal hermenêutica OBLITERA da consideração/interpretação jurídicas D......F..... com reflexo negativo directo na decisão recorrida, o facto de que ocorreu, de facto e na previsão da alínea d) do art.° 158.° do C.P.E.R.E.F. uma transmissão de património imobiliário...

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