Acórdão nº 17/07.4TBCBR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Abril de 2010

Magistrado ResponsávelGARCIA CALEJO
Data da Resolução21 de Abril de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA A REVISTA Sumário : I - Para que ocorra a obrigação de indemnizar é condição essencial que ocorra um dano, que se traduz no prejuízo que o facto ilícito culposo causa ao lesado, podendo o dano ser patrimonial ou não patrimonial, consoante seja ou não susceptível de avaliação pecuniária, estabelecendo a lei (cf. art. 566.º, n.º 1, do CC) a primazia da reconstituição natural, funcionando a reparação através de indemnização monetária como sucedânea, quando a reparação específica se mostre materialmente inviável, não cubra a integridade dos danos e quando se revele demasiado gravosa para o devedor.

II - Em relação a um veículo automóvel acidentado, sendo a sua reparação integral possível, deve privilegiar-se a sua reconstituição natural, excepto se se revelar excessivamente onerosa, o que corresponde a que o encargo seja exagerado, desmedido, desajustado para o obrigado, transcendendo-se os limites de uma legítima indemnização.

III - Um veículo de valor comercial reduzido pode estar em excelentes condições e satisfazer plenamente as necessidades do dono. Nestas circunstâncias a quantia equivalente ao valor de mercado do veículo (muitas vezes ínfima) não conduzirá à satisfação dessas mesmas necessidades, o que equivale a dizer-se que não reconstituirá o lesado na situação que teria se não fosse o acidente, pelo que a situação inicial do lesado só será reintegrada com a reparação do veículo.

IV - A indagação sobre a restauração natural ou a indemnização equivalente, deve fazer-se casuisticamente, sem perder de vista que se deve atender à melhor forma de satisfazer o interesse do lesado, o qual deve prevalecer sobre o do lesante, sendo pouco relevante, para os fins em análise, que o valor da reparação do veículo seja superior ao seu valor comercial.

V - Demonstrando-se que a reparação do veículo, no caso concreto, era possível e sendo a diferença entre o valor da reparação e o valor venal da viatura de apenas 1 241,47 € (2 999,47 – 1 750), além da lesante ser uma companhia de seguros, a reparação pretendida não se revela excessivamente onerosa para ela, dado que o valor em si deve ser entendido como pouco relevante para uma seguradora, não sendo crível que possa ter reflexos significativos na sua situação patrimonial.

VI - A simples privação de um veículo sem a demonstração de qualquer dano, i.e., sem qualquer repercussão negativa no património do lesado, não é susceptível de fundar a obrigação de indemnizar, sendo necessário alegar-se e provar-se factos no sentido de que a imobilização possa significar danos para o seu proprietário.

VII - Provando-se circunstâncias que não consubstanciem simples incómodos ou transtornos (em relação aos quais a tutela do direito não se justifica – art. 496.º, n.º 1, do CC), mas sim elementos de alguma relevância que se repercutiram negativamente na qualidade de vida dos autores – v.g.

, utilização do veículo facilitava o acesso ao trabalho e contribuía para a fruição de momentos livres – é de considerar que a privação do uso do veículo lhes causou danos não patrimoniais.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- Relatório: 1-1- AA e mulher BB, residentes na Rua da ......., Beco ... nº ...Esq., 3035-359, Arzila, propõem a presente acção com processo ordinário contra ......, Companhia de Seguros, S.A.

, com sede na Avenida da .................,..,., Lisboa, pedindo que a R. seja condenada a pagar-lhes a quantia de € 16.130,42 a título de indemnização pelos danos sofridos num acidente de viação, acrescida de juros desde a da citação até efectivo e integral pagamento.

Fundamentam este pedido, em síntese, dizendo que a A. foi vítima de um acidente de viação causado por um condutor sobre o qual a R. tinha assumido, por contrato de seguro, a respectiva responsabilidade civil em relação ao veículo que conduzia. Do acidente resultou a inutilização do veículo, bem como ferimentos na A. e despesas com tratamentos, perdas de salários devido à incapacidade para trabalhar, despesas com aluguer de outro veículo, bem como danos de natureza não patrimonial resultantes das dores físicas padecidas e alteração do quotidiano resultante da indisponibilidade do meio de transporte que o veículos lhes proporcionava, que contabilizam em € 15,00 euros diários, prejuízos de que se querem ver ressarcidos.

A R. contestou aceitando a culpa do seu segurado pelo acidente, mas não os danos e montantes peticionados. Quanto ao veículo alega que valia à data do acidente não mais que € 1.250,00 euros e que nessa data podia ser adquirido no mercado veículo semelhante ao mesmo preço. Como o preço da reparação do veículo se mostrou muito superior ao valor do automóvel, quase o triplo, a seguradora colocou à disposição dos AA. a quantidade € 1.250,00 euros, que eles não receberam porque não quiseram. Assumiu as despesas do veículo de aluguer desde a data em que foi pedida a peritagem até à sua realização e entre esta e a divulgação do seu resultado pela oficina reparadora, mas não o tempo que decorreu até ao pedido e os dias que decorreram entre a primeira visita do perito contratado pela R. à oficina e a segunda visita, resultante do facto de na primeira visita a oficina não ter disponibilizado todos os elementos para concluir a peritagem. Alega que há abuso de direito na pretensão dos AA. ao terem preferido suportar um prejuízo de € 4.410,00 euros, resultante da indisponibilidade do veículo, quando o podiam ter mandado reparar ou ter substituído por outro.

Concluiu pela improcedência do pedido.

O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou-se a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.

Nesta julgou-se a acção parcialmente procedente por provada tendo-se condenado a R. a pagar ao A., as quantias de € 2.991,47 (valor necessário à reparação do veículo), de € 574,22 (despesas com aluguer de veículo de substituição), de € 15,00 (perdas salariais originadas por faltas ao trabalho causadas pelo acidente), de € 27,70 (despesas com tratamentos médicos), de € 1.000,00 (danos não patrimoniais resultantes da privação de uso do veículo), de € 12 000,00 (danos não patrimoniais resultantes dos ferimentos e dores padecidos pela A. e desvalorização parcial permanente de que ficou portadora, acrescidas de juros de mora sobre estas quantias desde a citação até integral pagamento quanto aos danos patrimoniais e desde a data da fixação quanto aos danos não patrimoniais à taxa se 4% ao ano sem prejuízo de outra taxa que venha a ser publicada nos termos da lei.

No mais absolveu-se a R. do pedido.

Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a R. de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo-se aí, por acórdão de 6-10-2009, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

1-2- Irresignada com este acórdão, dele recorreu a R. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.

A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões: 1ª- Face à factualidade demonstrada, é manifesta a excessiva onerosidade da reconstituição natural no que toca aos danos sofridos pelo veículo dos AA, que importam uma perda total; 2ª- Caberá aos AA, por esse motivo, uma indemnização em dinheiro que deverá corresponder ao valor patrimonial do bem danificado; 3ª- Atendendo a que estamos perante uma perda total do veículo, que não se provou o período exacto da paralisação e que os danos não patrimoniais dos AA. não têm relevância bastante para justificar a tutela do direito, não é, salvo o devido respeito, devida a verba de 1.000 € atribuída aos demandantes pela paralisação do veículo.

  1. - E mesmo que se entendesse que os danos não patrimoniais sofridos merecem a tutela do direito, pelas mesmas razões deveria a indemnização ser equitativamente reduzida para a verba de 350€ 5ª- Os danos não patrimoniais da A. mulher decorrentes das dores e da IPG de que ficou portadora não devem, em equidade, fixar-se em quantia superior à de 4.000€.

  2. - O douto acórdão sob censura violou as normas dos artigos 496º e 566° do Código Civil.

Os recorridos contra-alegaram, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: II- Fundamentação: 2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil).

Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir: -Onerosidade pela reparação do veículo.

- Indemnização pela privação do uso do veículo.

-Valor da indemnização relativa aos danos não patrimoniais sofridos pela A.

2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto: 1- No dia 01 de Fevereiro de 2006, cerca das 08,55 horas, ocorreu um embate entre os veículos automóveis com as matrículas ..-..-.. e ..-..-, na E.N. n.º 341, ao km 40,030, em Ameal, no Concelho e Comarca de Coimbra.

2- O LR pertencia a CC e era conduzido por DD.

3- O EL pertencia ao...

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