Acórdão nº 631/03.7GDLLE.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Abril de 2010

Magistrado ResponsávelARMÉNIO SOTTOMAYOR
Data da Resolução15 de Abril de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO EM PARTE Sumário : I - Nas situações de dupla conforme, in mellius, uma corrente maioritária deste Supremo Tribunal tem entendido que o recurso não é admissível por existir uma dupla condenação até ao limite da condenação imposta pela Relação, a qual só deixa de se verificar em relação ao quantum da pena que foi eliminado na 2.ª instância e de que o recorrente beneficiou.

II - Contra esta corrente invoca-se que, sempre que o tribunal de recurso não confirmar integralmente a decisão, se abre ao MP a possibilidade de recorrer com vista à manutenção do primitivamente decidido; deste modo, a decisão da Relação passaria a ser recorrível, ou não recorrível, conforme o recurso fosse da iniciativa do MP ou do arguido.

III - Tal reserva não colhe fundamento: se se olhar a questão à luz do interesse em agir, o arguido, que se vê ainda condenado, mantém o interesse em agir com vista à sua absolvição ou a uma maior atenuação da pena, mas esse recurso está fora de causa por a lei não o admitir face à existência de uma decisão condenatória confirmativa; mas, na parte alterada, falece ao arguido o interesse em agir, porque nessa parte foi vencedor. O MP, que se conformou com a decisão inicial, que viu em parte confirmada, só tem interesse em agir para recorrer da parte em que a decisão de 1.ª instância foi alterada (não confirmada) pelo tribunal superior, pois doutro modo criaria uma situação de venire contra factum proprium.

IV - O art. 21.º do DL 15/93 contém, no n.º 1, a descrição fundamental – o tipo essencial – relativa à previsão e ao tratamento penal das actividades de tráfico de estupefacientes, construindo um tipo de crime que assume, na dogmática das qualificações penais, a natureza de crime de perigo e cuja tipicidade, de largo espectro, abrange qualquer contacto com produto estupefaciente de modo a compreender todos os momentos relevantes do ciclo da droga. Nos artigos seguintes estão legalmente previstas situações de privilegiamento e de agravamento.

V - A construção e a estrutura dos crimes ditos de tráfico de estupefacientes como crimes de perigo, de protecção (total) recuada a momentos anteriores a qualquer manifestação de consequências danosas, e com a descrição típica alargada, pressupõe a graduação em escalas diversas dos diferentes padrões de ilicitude em que se manifeste a intensidade (a potencialidade) do perigo (um perigo que é abstracto-concreto) para os bens jurídicos protegidos.

VI - Como resulta da amplitude da moldura penal abstracta, que parte dum mínimo bastante elevado, o crime-base do art. 21.º encontra-se já por si projectado para a punição dos casos de tráfico de média e grande dimensão.

VII - A circunstância referida na al. b) do art. 24.º – “grande número de pessoas” – é um conceito indeterminado, utilizado pelo legislador na sua luta contra a disseminação da droga, que traduz um aumento da ilicitude da actividade delituosa, sendo, por isso, considerado agravante especial. O seu preenchimento está dependente da análise casuística a que o julgador tem de proceder, sendo distintos os casos em que a venda é feita ao toxicodependente-consumidor e aqueles outros em que a distribuição é feita pelo grande traficante ao revendedor; nestes, será de atender especialmente à quantidade de droga transaccionada, de sorte que, ainda que seja menor o número de compradores, o conceito acaba preenchido pelo destino final que as referidas quantidades proporcionam, enquanto que na venda levada a efeito pelo pequeno dealer se exige uma quantificação mais alargada, pois é através da repetição de pequenas quantidades distribuídas que se cumpre o objectivo visado pela agravante.

VIII - O tempo verbal utilizado “foram distribuídos” indica uma situação já verificada em que ocorreu uma disseminação efectiva do produto. Portanto, para que ocorra a agravação, é necessário que tenha havido uma distribuição efectiva e não a simples possibilidade ou potencialidade, ao nível do risco, de o produto ou substância vir a ser distribuído por grande número de pessoas.

IX - Diferentemente, a al. c) deste art. 24.º, quanto à “avultada compensação económica”, não exige que tal compensação tenha sido efectivamente obtida, bastando-se com a pretensão de a obter.

X - Sobre o julgador recai o dever de, a partir de factos objectivos, e não de meros juízos de valor, verificar se a compensação económica obtida pelo arguido, ou que ele pretendia obter, ultrapassa o mero negócio rentável, sendo certo que o legislador não pretendeu usar neste domínio conceitos como os de valor elevado ou consideravelmente elevado ou o de fazer do crime modo de vida.

XI - Para o preenchimento do conceito legal "avultada compensação remuneratória", não é absolutamente necessário conhecer o valor mais ou menos exacto do montante pecuniário de tal compensação; como seus elementos concretizadores deverão considerar-se a quantidade e qualidade da droga e a relação entre ela e o agente – tudo em conexão com a notoriedade, com o conhecimento geral, do valor da droga no mercado, especialmente na venda a consumidores – para além, obviamente, da diferença entre o preço da compra e o da venda.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

No 2º Juízo Criminal de Loulé, e no âmbito do proc. nº 631/03.7GDLLE, foram julgados em tribunal colectivo AA, BB, CC, também conhecido por I… M… B…, DD, EE, FF, GG e HH, tendo sido condenados: AA como autora de um crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo art. 21º nº1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas e art. 4º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, na pena de 3 anos de prisão; BB, como autor, em concurso real, de um crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo art. 21º nº1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-C anexas, na pena de 5 anos de prisão e de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. p. pelos arts. 3º nº 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro e art. 21º do Código da Estrada na pena de 3 meses de prisão; e, feito o cúmulo, na pena única de 5 anos e 2 meses de prisão; CC, um crime de tráfico de estupefacientes agravado p.p. pelos arts. 21º nº1 e 24º als. b) e c) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas, na pena de 9 anos de prisão; DD, como autor de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, p. p. pelo art. 6º da Lei nº 22/97, de 27 de Junho, com referência ao art. 1º al. b) do mesmo diploma, na pena de 7 meses de prisão; e como co-autor de um crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelos arts. 21º nº1 e 24º als. b) e c) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas, na pena de 10 anos e 6 meses de prisão; de um crime de receptação, p. e p. pelo art. 231º nº 1 do Código Penal na pena de 18 meses de prisão; e de um crime de tráfico em lugares públicos, p. p, pelo art. 30º do Decreto-Lei n.º 15/93 na pena de 4 anos de prisão; feito o cúmulo, foi condenado na pena única de 14 anos de prisão; EE, como co-autora de um crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelos arts. 21º nº1 e 24º als. b) e c) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas, na pena de 10 anos e 6 meses de prisão; de um crime de receptação, p. e p. pelo art. 231º nº 1 do Código Penal na pena de 18 meses de prisão; e de um crime de tráfico em lugares públicos, p. p, pelo art. 30º do Decreto-Lei n.º 15/93 na pena de 4 anos de prisão; feito o cúmulo, foi condenada na pena única de 13 anos de prisão; GG, como co-autor de um crime de traficante-consumidor, p. p. pelo art. 26º nº 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, com referência às tabelas I-A e I-B anexas, na pena de 2 anos de prisão; FF, como co-autora de um crime de traficante-consumidor, p. p. pelo art. 26º nº 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, com referência às tabelas I-A e I-B anexas, na pena de 20 meses de prisão; HH, como autora, em concurso real, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. p. pelo art. 25º al. a) do Decreto-Lei n.º 15/93, com referência à Tabela I-A anexa, na pena de 18 meses de prisão; de um crime de receptação, p. e p. pelo art. 231º nº 1 do Código Penal na pena de 3 anos e 6 meses de prisão; e de um crime de tráfico em lugares públicos, p. p, pelo art. 30º do Decreto-Lei n.º 15/93 na pena de 4 anos de prisão; feito o cúmulo, foi condenada na pena única de 6 anos de prisão.

As penas aplicadas aos arguidos AA, FF, GG foram declaradas suspensas nas respectivas execuções por 3 anos, sob a condição.

Inconformados, recorreram para o Tribunal da Relação de Évora, os arguidos CC, EE e HH. No provimento do recurso do arguido CC, a Relação de Évora anulou a decisão para que o tribunal recorrido, que tinha dado por provado que este arguido, com o tráfico de estupefacientes, tinha um ganho diário não inferior a 80 Euros, fundamentasse tal facto.

O tribunal colectivo proferiu novo acórdão, onde manteve sem alteração as condenações dos diversos arguidos e as respectivas penas.

Inconformados, recorreram para a Relação de Évora, o arguido DD e as arguidas EE e HH.

Foi dado parcial provimento aos recursos, tendo a Relação, quanto aos arguidos DD e EE, mantido as diversas penas parcelares, com excepção da respeitante ao crime de tráfico de estupefacientes agravado, que alterou, condenando por esse crime o arguido DD em 9 anos de prisão e a arguida EE em 8 anos de prisão e, em consequência, fixando a pena única quanto ao primeiro em 10 anos e 6 meses de prisão e quanto à segunda em 9 anos e 6 meses de prisão. Relativamente à arguida HH, a Relação alterou todas as penas, tendo fixado a pena de tráfico de menor gravidade em 15 meses de prisão, a de receptação dolosa em 3 anos de prisão, a de tráfico em lugar público em 3 anos e 6 meses de prisão e a pena única em 4 anos e 6 meses de prisão efectiva, por entender que as razões de prevenção geral impedem a respectiva...

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