Acórdão nº 09S570 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Abril de 2010

Magistrado ResponsávelMÁRIO PEREIRA
Data da Resolução14 de Abril de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

N Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - Embora as expressões “trabalhar sob a direcção, orientação e fiscalização” ou “trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização” de alguém sejam utilizadas na linguagem comum para traduzir uma realidade fáctica e, nessa medida, possam, em certas circunstâncias, ser consideradas como matéria de facto, isso não sucede quando numa acção o thema decidendum consiste justamente em saber se determinado contrato reveste, ou não, natureza laboral, ou quando a solução jurídica depende de apurar a quem, em concreto, o trabalhador prestava a sua actividade, isto é, quem era a sua entidade empregadora.

II - Nestas hipóteses, as referidas expressões se valessem como verdadeira e própria matéria de facto, já encerrariam ou poderiam encerrar a resolução da concreta questão de direito que é objecto da acção, o que implica que tenham de se considerar não escritas as respectivas respostas, nessa parte, nos termos do n.º 4 do art. 646.º do Código de Processo Civil.

III - A arguição de nulidades do acórdão da Relação tem de ser feita, expressa e separadamente, no requerimento de interposição da revista, sob pena de ser inatendível.

IV - Resultando provado que, desde Outubro de 1997 e até 5 de Maio de 2005, os AA. sempre exerceram a sua actividade de acordo com as indicações dos gerentes da R., dentro do horário e no local que lhes eram destinados pela mesma e inseridos na sua estrutura organizativa e económica, é esta a sua entidade patronal, não assumindo, para esse efeito, qualquer relevância os contratos de trabalho firmados entre os AA. e outra sociedade, em 1 de Janeiro de 2005, quando está provado que a referida sociedade nunca desenvolveu qualquer actividade que não fosse a de servir de retaguarda a trabalhadores da R., tendo esses contratos como finalidade a satisfação dos interesses da R.

V - O art. 308.º, n.º 1 da Lei 35/2004, de 29 de Julho, que regulamenta o Código do Trabalho, consigna, expressamente, a possibilidade do trabalhador proceder à resolução do contrato de trabalho por falta de pagamento da retribuição após ter procedido à suspensão do mesmo, pois a expressão “independentemente” traduz que tal direito à resolução assiste ao trabalhador quer tenha, quer não, procedido, em data anterior, à suspensão do contrato, exactamente por causa da falta de pagamento da retribuição.

VI - A suspensão é, necessariamente, transitória e cessa com o retorno do trabalhador à actividade ou com a cessação do vínculo contratual, não se requerendo, em qualquer uma dessas situações, um comportamento culposo do empregador.

VII - Com a resolução do contrato, o trabalhador faz cessar, em definitivo, o vínculo que o unia ao empregador, extinguindo-se, dessa forma, todos os direitos e deveres que reciprocamente os vinculava.

VIII - Assim, a suspensão do contrato não prejudica a posterior resolução do mesmo, nem a resolução está dependente da verificação de qualquer prazo que haja de decorrer após a comunicação da suspensão.

IX - O não pagamento da retribuição a que o trabalhador tem direito constitui uma violação dos deveres contratuais a que o empregador está obrigado, sendo que esse incumprimento contratual não se consuma no momento em que o empregador entrou em mora, mas mantém-se enquanto a mora perdurar, agravando, desse modo e cada vez mais, a conduta do empregador e tornando a manutenção do vínculo laboral, por parte do trabalhador, cada vez mais insustentável.

X - Nas situações de resolução do contrato pelo trabalhador, no juízo de prognose acerca da inexigibilidade da manutenção do vínculo laboral, o grau de exigência tem de ser menor do que o utilizado na apreciação da justa causa em caso de despedimento uma vez que o trabalhador, quando lesado nos seus direitos, não tem formas de reacção alternativas à resolução, ao contrário do que acontece com o empregador que dispõe de sanções disciplinares de natureza conservatória para reagir a determinada infracção cometida pelo trabalhador.

XI - É de afirmar a existência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho quando está demonstrada a falta de pagamento das retribuições dos AA. referentes aos 4 meses anteriores à data da resolução dos respectivos contratos de trabalho e que a R. informou os mesmos que essa falta de pagamento se iria prolongar por mais tempo.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I.

Os autores AA e BB intentaram no Tribunal do Trabalho de Braga acções declarativas emergentes de contrato individual de trabalho, respectivamente com o nº 562/05.6 e 566/05.9 (posteriormente apensadas) contra as Ré “CC – Instituto de Desenvolvimento e Inovação Tecnológica …”; “DD –…, Lda” e EE, pedindo que fosse declarado que a rescisão dos contratos de trabalho pelos autores foi efectuada com justa causa e, em consequência, condenar-se a 1ª R. a pagar ao A. AA a quantia de € 33.502,02 e ao A. BB a quantia de € 32.692,16 a título de indemnização, além do pagamento de salários entre a data da rescisão e da decisão que a julgue válida, bem como dos demais créditos laborais, tudo acrescido dos juros legais desde a data da instauração da acção até efectivo pagamento.

Subsidiariamente, caso improceda o pedido principal, peticionaram, por ordem decrescente, a mesma condenação acima descrita, mas para as duas primeiras rés solidariamente; para a 2ª R. isoladamente e para o 3º R. também isoladamente.

Alegaram, para tanto, e em síntese, que celebraram contratos de trabalho com a 1ª R.: o A. AA, em 21/10/1997 e o A. BB em 08/10/1997; que, em 04/05/2005, os AA. comunicaram, por escrito, às RR. a rescisão unilateral dos contratos existentes, alegando, no essencial, o não pagamento dos vencimentos, incluindo o subsídio de alimentação, que lhe eram devidos.

Os RR. contestaram.

A 1ª e o 3º RR. excepcionaram a sua ilegitimidade processual, alegando que os AA. eram apenas trabalhadores da 2ª R..

Excepcionaram também os RR. a caducidade do direito dos AA. resolverem o contrato de trabalho pelo decurso do prazo de 30 dias definido no art. 442º, nº 1 do CT.

Alegaram ainda o abuso de direito por parte dos AA., na invocação da justa causa de resolução.

Mais impugnaram factos alegados e os valores peticionados.

Concluíram pela improcedência das acções e pela sua absolvição da instância ou, caso assim não se entenda, do pedido.

Houve resposta dos AA., concluindo como na petição inicial.

No saneador, foi relegada para a decisão final a apreciação das excepções de ilegitimidade e de caducidade invocadas pelas RR e foi dispensada a selecção de factos assentes e a organização da base instrutória.

Procedeu-se a julgamento, com gravação da prova, após o que foi proferida sentença que, julgando as acções parcialmente procedentes, decidiu: - No que respeita à acção intentada pelo A. AA: 1. julgar procedente e provada a justa causa para resolução do contrato de trabalho por iniciativa do requerente AA; 2. condenar a R. "CC" a pagar ao A. AA a quantia de €22.403,40, acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde o vencimento de cada uma das respectivas quantias parciais supra calculadas, até integral pagamento; 3. absolver a 1ª R. do restante pedido; 4. absolver os restantes réus "DD, Lda." e Dr. EE da totalidade do pedido formulado.

- No que respeita à acção intentada pelo A. BB: 1. julgar procedente e provada a justa causa para resolução do contrato de trabalho por iniciativa do requerente BB; 2. condenar a R. "CC" a pagar ao A. BB a quantia de €21.535,40, acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde o vencimento de cada uma das respectivas quantias parciais supra calculadas, até integral pagamento; 3. absolver a 1ª R. do restante pedido; 4. absolver os restantes réus "DD, Lda." e Dr. EE da totalidade do pedido formulado.

Inconformada, a 1ª R. interpôs recurso destas decisões, incluindo da decisão sobre a matéria de facto fixada pela 1ª instância.

Por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, após apreciação do recurso relativamente à matéria de facto, foi determinado que se consideravam como não escritos os pontos 58º a 61º da matéria de facto, por conclusivos, e o demais que era objecto de apelação da R. foi julgado improcedente, tendo, em conformidade, sido confirmada a sentença proferida na 1ª instância.

II.

Novamente inconformada, a 1ª R. interpôs a presente revista, pelo requerimento de fls. 551, tendo apresentado alegações a fls. 560-584, em que, como questão prévia, arguiu a nulidade do acórdão recorrido, e em que formulou as seguintes conclusões: Questão Prévia: nulidade do acórdão: 1. O acórdão recorrido encontra-se, desde logo, maculado pela absoluta omissão de pronúncia sobre todas as questões suscitadas pela Recorrente no recurso de apelação, designadamente no que concerne à invocada questão da excepção da ilegitimidade da recorrente para a presente demanda, em consonância, aliás, com posição assumida na Primeira Instância.

  1. Nesta sede, a Recorrente invocou que, em Janeiro de 2005, e nos meses subsequentes, os Recorridos não se encontravam contratualmente vinculados à Recorrente, CC, mas antes à 2ª Ré, DD, Lda., com quem mantinham em vigor um contrato sem termo, celebrado em 13 de Maio de 2002, e pelo qual se obrigaram a exercer as funções de Engenheiro de Sistemas e Informática.

  2. Assim, a Recorrente, CC, é parte ilegítima na presente acção, não tendo à data da resolução do contrato de trabalho, operada pelos Recorridos, poder de fiscalização, direcção e autoridade sobre os mesmos.

  3. De igual modo, a retribuição do labor a pagar aos Recorridos não era da responsabilidade da Apelante, CC, em razão do que concluiu pela verificação da excepção da sua ilegitimidade e, consequente, absolvição da acção ou dos pedidos.

  4. No entanto, o Tribunal a quo, nem sequer em nota de marginália, se pronunciou sobre esta importante questão colocada à sua apreciação, o que, atenta a fulcral importância para a boa decisão da causa, segundo as várias questões plausíveis da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
3 temas prácticos
3 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT