Acórdão nº 76/10.2YRLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelSANTOS CABRAL
Data da Resolução25 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO Sumário : I - Os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas, não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas sim a apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso. Despistam erros in judicando, ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados (quanto à questão de facto), ou com referência à regra de direito respeitante à prova, ou à questão controvertida (quanto à questão de direito) que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada. Assim, o julgamento do recurso não é o da causa, mas sim do concreto recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa. Não pode, pois, o Tribunal Superior conhecer de questões que não tenham sido colocadas ao Tribunal de que se recorre.

II - O MDE é uma decisão judiciária emitida por um Estado membro com vista à detenção e entrega por outro Estado membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativa de liberdade – art. 1.º da Lei 65/2003.

III - Nos autos essa pretensão concreta é deduzida em termos formalmente correctos e para conseguir uma finalidade que é a constante da Lei. Pretende o Estado Espanhol a entrega de uma cidadã sua nacional a fim de exercer o procedimento criminal por crimes por cuja prática está indiciada.

IV - Sendo patente essa convergência entre o pedido formulado e a norma estruturante do procedimento não compete ao Estado requerente entrar em consideração com factores exógenos que se inscrevem noutro contexto processual como é o facto de a requerente já estar detida à ordem dum processo que tem por objecto actividade criminosa ocorrida em Portugal. Para a validade do mandado apenas releva a sua adequação à finalidade pretendida e que é totalmente distinta da sua exequibilidade.

V - A situação de a requerente estar sujeita à medida de coacção mais gravosa do CPP num outro processo não conflitua com o percurso processual do próprio MDE, apenas implicando a consequência de não se tornar necessária a aplicação de uma medida de coacção nos termos do art. 18.º, n.º 3, da Lei 65/2003. Na verdade, se o cidadão objecto do MDE se encontra já sujeito a uma medida de coacção e esta se compagina com as finalidades do próprio MDE fica desprovido de qualquer sentido lógico a aplicação de uma nova medida de coacção agora no domínio do mesmo mandado.

VI - O MDE constitui a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualificou de “pedra angular” da cooperação judiciária. Pode afirmar-se que o mecanismo do MDE é baseado num elevado grau de confiança entre os Estados-Membros, substituindo, nas relações entre os Estados-Membros, todos os anteriores instrumentos em matéria de extradição.

VII - Directamente conexionada com os motivos de não execução obrigatória, a decisão quadro genética do MDE prescreveu motivos de não execução facultativa. Motivos que dotam a autoridade judiciária de execução de uma potestas decidendi livre, e de refúgio, face à quase automática vinculação de execução do MDE, tendo em conta ao controlo jurídico a que aquela estava, aparentemente, submetida. Os motivos de tal recusa não só equilibram os princípios da liberdade e da segurança, como servem de fiel da balança na procura da segurança da União e escudo protector de ofensa aos direitos e liberdades fundamentais.

VIII - Concedendo a Lei ao Estado requerido a faculdade de recusa, nomeadamente nos casos de pendência de processo «pelo mesmo facto», ela permite que aquele mesmo Estado, através das entidades competentes, nomeadamente o MP, ou do arguido, demonstrem ao tribunal a existência de possíveis vantagens e ou utilidade na concretização da recusa. O que não pode nem deve é tratar-se de um acto arbitrário, caprichoso ou meramente voluntarista, capaz de pôr em causa os sãos princípios de cooperação internacional a que a Lei quis dar corpo.

IX - O funcionamento das causas de recusa facultativa de cumprimento do MDE vêm ao encontro da necessidade de convocar mecanismos preventivos que permitam a decisão que evite futuros conflitos positivos de jurisdição ou uma invocação do princípio non bis in idem.

X - Tal leitura é particularmente impressiva no caso do motivo de recusa invocado nos presentes autos, ou seja, a circunstância de “estar pendente em Portugal procedimento penal contra a pessoa procurada pelo facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu” – art. 12.º, n.º 1, al. b).

XI - No caso vertente, em face da teleologia que anima a norma dispositiva da referida causa facultativa de recusa de cumprimento do mandado europeu não vislumbramos motivo para poder afirmar que, quer em sede de finalidade das penas, das necessidades de investigação ou da funcionalidade do próprio processo penal, deveria ter sido invocada a mesma recusa de cumprimento. A conjugação de tais circunstâncias aponta exactamente em sentido contrário, como, aliás, o aponta a própria decisão de delegação do Estado Espanhol na continuação do procedimento criminal em relação ao inquérito pendente em Portugal.

XII - Invoca, ainda, a requerente uma potencial situação de desrespeito dos seus direitos fundamentais a que será conduzida pela concretização do mandado emitido, assentando na ideia do desrespeito dos direitos fundamentais de quem está indiciado pelo facto de pertencer à organização terrorista denominada ETA. Face a tal imputação um primeiro escrutínio que se efectue deverá separar a constatação de uma repetida violação de direitos humanos que, assim, consubstanciará uma característica endógena do sistema, daquilo que são meros acontecimentos pontuais que, não revelando qualquer atitude prévia e premeditada da parte de quem detém o controle do poder do Estado, apenas devem ser valorizados em si mesmas, e sancionadas, e não como indicadores de um fenómeno genérico.

XIII - O que avulta aqui, e agora, é uma confiança mútua, e recíproca, que emerge da solidariedade e do sentir que a pertença a esta comunidade de Estados, que é a União, coloca todos os seus cidadãos num mesmo patamar de credor das garantias de um Estado de Direito Democrático. Nada fundamenta a afirmação de que, num desses países, que assumiu o compromisso de respeito dos direitos do homem, no caso falamos do Estado Espanhol, seja instituída uma prática que o desmereça.

XIV - Os relatórios de organizações não governamentais, como é o caso da Amnistia Internacional, merecem credibilidade, mas não é por isso que perdem a sua natureza segmentada, votada para a detecção de comportamentos patológicos que surgem à revelia, e contra o Estado, e não neste, ou por este.

XV - Assim, não se vislumbra razão para colocar em crise a decisão recorrida, que indeferiu as pretensões da requerente, de recusa de cumprimento do MDE contra si emitido.

Decisão Texto Integral: 22 Processo 76/02 Mandado de detenção europeu Relato nº320 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Nos presentes autos, mediante a emissão de mandado de detenção europeu pelo Juzgado Central de Instruccion Nº 3 de la Audiência Nacional para efeitos de procedimento criminal que ali corre termos como "Diligências Prévias 9/2010" foi solicitada a entrega da cidadã espanhola AA, nascida a 03.11.1981 em Vitória - Sasteiz, Espanha, titular do DFNI espanhol n.o …, filha de F… A… e de M… A…, residente - antes de detida e presa preventivamente em Portugal à ordem do NUIPC 40/10.1JAPRT na Calle C… de Q…, …, …, 1007 Vitória-Sasteiz.

Consta do mesmo mandado como fundamento em relação aos crimes e factos indiciados os seguintes: -Um crime de participação numa organização terrorista, previsto e punido pelos artigos 515.2) e 516. 2) do Código Penal, 12 anos de prisão; -Um crime de detenção e depósito de armas, previsto e punido pelos artigos 573 e 563 do C.P. 10 anos de prisão; -Um crime de detenção e depósito de substâncias ou elementos explosivos e incendiários destinados ao terrorismo, previsto e punido pelo artigo 573 e 563 e seg. do C.P., 10 anos de prisão; -Um crime de falsificação de documento oficial com fins terroristas, previsto e punido pelos artigos 574, 392 e 390 do C.P., 3 anos de prisão; -Um crime de conspiração para cometer diversos crimes de natureza terrorista, previsto e punido pelos artigos 571 e 55. do C. P., 15 anos de prisão.

Adianta-se como fundamento da emissão do mandado os seguintes factos: -Da instrução concluída no momento histórico processual, e num grau de muita probabilidade, resulta que ontem pelas 21:15 horas, ao suspeitarem duma furgonete da marca IVECO, com a chapa de matricula francesa número, 8718ZL25, elementos da Guarda Civil do Posto de Bermillo de Sayago (Zamora),: procederam a interceptar a mesma. Enquanto estavam a identificar o condutor do supracitado veículo, e tendo-lhe mandado abrir as portas traseiras para: inspeccionar a caixa da supracitada furgonete, o condutor dá mesma escapou no carro oficial da Guarda Civil resultando detido após uns momentos em território português. Foi possível verificar que a furgonete transportava um carregamento importante, composto pelo menos, de material explosivo, armas e material destinado á fabricação de chapas de matrículas falsas. O condutor da furgonete resultou ser o presumível membro da organização terrorista ETA, G… G… A… .

Ainda em Portugal, quando circulava no veículo Opel Astra, com a chapa de matrícula número AB524PP, foi também detida AA, presumível membro da organização terrorista ETA, a qual também se tinha dado à fuga atrás do carro da policia que nesse momento era conduzido por G… G… A… . Destaca-se que a supracitada realizava ai função de lançadeira...

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