Acórdão nº 7/06.4TTAVR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução17 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1. O erro vício traduz-se numa ignorância ou falsa representação da realidade existente no momento da celebração do negócio e, por essa razão, só pode reportar-se a circunstâncias presentes ou passadas, pois, como é óbvio, não pode haver erro na formação da vontade negocial relativamente a circunstâncias que ainda não se verificaram.

  1. O “erro” relativamente a circunstâncias futuras é um erro de previsão e só é relevante se e na medida em que se verifiquem os requisitos do art.º 437.º.

  2. Tendo a autora acordado com a ré a cessação do seu contrato de trabalho, pelo facto de, em Assembleia-geral realizada em 6.10.2004, os associados da ré terem deliberado a sua dissolução e consequente extinção de todos os postos de trabalho, não é correcto afirmar-se que houve erro na formação da vontade por parte da autora, em razão da ré não ter sido efectivamente extinta, por meses mais tarde os seus associados terem deliberado revogar a deliberação anteriormente tomada.

  3. Também não há erro por dolo da ré, se a autora não logrou provar os factos que nesse sentido tinha alegado.

  4. O disposto no art.º 437.º do Código Civil só se aplica, em regra, aos contratos que não sejam de execução imediata, não sendo, por isso, aplicável ao acordo de cessação do contrato de trabalho em apreço nos autos, uma vez que a cessação do contrato teve efeitos imediatos e a ré já tinha pago à autora a indemnização acordada.

    Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça 1. Relatório AA propôs, no Tribunal do Trabalho de Aveiro, a presente acção contra a Associação BB, pedindo: - que se reconheça ter havido efectiva reintegração da autora no seu posto de trabalho, condenando-se a ré a reconhecer tal facto, nomeadamente pagando as retribuições vencidas e vincendas e colocando ao dispor da autora as condições para o normal exercício da sua actividade profissional; - ou, assim não se entendendo, que seja declarado nulo o acordo revogatório do contrato de trabalho outorgado entre a autora e a ré, face a reserva mental e abuso de direito; - ou, assim não se entendendo, que o aludido acordo revogatório seja anulado por erro ou seja considerado resolvido, em virtude da alteração anormal das circunstâncias; - que a ré seja condenada a reintegrá-la, sem prejuízo da sua categoria ou antiguidade, e a pagar-lhe as retribuições vencidas e vincendas, incluindo subsídio de férias e de Natal, desde a data do acordo revogatório até trânsito em julgado desta decisão; - que a ré também seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 5.000, a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial; - que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia a apurar em execução de sentença, pela actividade que exerceu por conta da ré, posteriormente ao acordo de cessação do vínculo laboral; -que a ré seja condenada a pagar-lhe os correspondentes juros de mora, à taxa legal sobre as quantias em causa, até à sua efectiva liquidação.

    Em resumo, a autora alegou o seguinte: - a ré é uma associação sem fins lucrativos, com carácter cultural e pedagógico, tendo, no prosseguimento dos seus objectivos, criado um organismo artístico designado por “Orquestra Filarmonia …”, no âmbito do programa governamental para a criação de uma rede de orquestras regionais; - com a criação da referida Orquestra, a ré viu-se na contingência de se dotar de uma estrutura organizativa e de pessoal, para dar resposta às necessidades e exigências que o funcionamento dessa orquestra provocava; - nesse contexto, a autora foi admitida ao serviço da ré, mediante contrato de trabalho sem termo, em 1 de Março de 1999, para exercer as funções inerentes à categoria profissional de contabilista/gestora financeira, auferindo, ultimamente, € 1884,16 de retribuição mensal, acrescida de € 5,55 por dia efectivo de trabalho, a título de subsídio de alimentação; - em 6 de Outubro de 2004, os associados da ré, em Assembleia-Geral Extraordinária, deliberaram a dissolução da ré e a sua subsequente liquidação e consequente extinção, com fundamento em alegados problemas financeiros e laborais; - tal implicava a consequente extinção de todos os postos de trabalho, designadamente o da autora; - nesse seguimento, a ré propôs à autora, e esta aceitou, a celebração de um “acordo de cessação do contrato de trabalho, por extinção do posto de trabalho por caducidade”, nos termos do qual o contrato de trabalho cessou em 7 de Outubro de 2004, tendo a autora recebido da ré, a título de compensação global, a quantia de € 15.073,28; - naquele documento ficou expressamente consignado, no seu ponto 3, que “a cessação do contrato de trabalho é efectuada por MOTIVOS que a Segunda Outorgante reconhece como válidos, ou seja, a deliberação de dissolução e consequente extinção tomada pela Primeira Outorgante em 06.10.2004, e consequente extinção de todos os postos de trabalho existentes, designadamente o da Segunda Outorgante”; - a autora só subscreveu o referido acordo por acreditar que a Associação/ré iria ser extinta; - sucedeu, porém, que a ré acabou por não ser extinta, uma vez que, em Julho de 2005, os associados da ré, em Assembleia-Geral, deliberaram, formal e oficialmente, manter a Orquestra Filarmonia … em actividade, elegendo, então, os seus novos corpos sociais; - apercebendo-se de toda a referida factualidade, a autora desenvolveu vários esforços no sentido de retomar o seu posto de trabalho, sem obter qualquer êxito; - apesar do acordo de cessação do contrato, a autora continuou a exercer a sua actividade profissional a pedido da ré, nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2004 e Janeiro de 2005, actividade essa que nunca foi remunerada pela ré; - a autora exerceu igualmente a sua actividade, a pedido da ré, em momento posterior ao ressurgimento da ré e da sua Orquestra, apesar de não ter obtido qualquer resposta à sua pretensão de retomar o seu posto de trabalho, o que consubstancia um acto de reintegração efectiva da autora, devendo a ré ser condenada a reconhecê-lo; - quando propôs à autora a celebração do acordo que fazia cessar o contrato de trabalho, a ré emitiu uma declaração contrária à sua vontade real, com o objectivo de enganar a autora, pois bem sabia, ou no mínimo não desconhecia, que a deliberação da sua dissolução e consequente extinção servia outros interesse (demonstrar aos músicos descontentes o poder negocial da ré) que não os invocados (a efectiva extinção da ré), e que tal extinção não iria acontecer; - com tal expediente, a ré pretendeu pôr termo a uma série de delicados conflitos que a afligiam (entre eles os conflitos com o corpo de músicos), aproveitando-se posteriormente de tal argumento para se desfazer de determinados quadros laborais, como é exemplo o posto de trabalho da autora, a fim de futuramente se reestruturar a partir do zero, sem encargos herdados do passado; - termos em que se terá de reconhecer e declarar a nulidade do acordo que conduziu à extinção do posto de trabalho da autora; - ainda que assim não se entenda, a vontade da autora na celebração do acordo revogatório do seu contrato de trabalho fundou-se no pressuposto errado de que a ré e a sua Orquestra seriam extintas, o que na realidade não sucedeu, tendo as partes reconhecido por escrito que tal motivo foi essencial e determinante para a celebração do dito acordo, o que constitui causa de anulação do mesmo, sendo que a ré não ignora, como então não ignorava, a essencialidade para a A., do elemento sobre que incidiu o erro, na decisão de contratar, ou seja, a ré sabia que a A., apenas aceitou celebrar aquele acordo por acreditar que a ré iria efectivamente ser extinta, tendo sido, aliás, a ré quem, no mínimo, construiu o cenário que induziu a A. a celebrar o acordo de revogação do contrato de trabalho; - de qualquer modo, a não colher qualquer das anteriores factualidade e vias legais, sempre se dirá que as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar sofreram uma alteração anormal, uma alteração no mínimo imprevisível e contrária ao normal seguimento da deliberação de extinção da ré, o que confere à autora o direito de resolver o acordo celebrado, como efectivamente fez pelas cartas registadas referidas nos artigos 51.º e 52.º, o que agora se reitera; - a factualidade referida causou à autora profunda tristeza, elevada angústia, mal-estar físico e psicológico, fortes dores de cabeça e insónias, grandes preocupações, consternação e isolamento, irritação e dificuldade em perspectivar um rumo a seguir.

    Na contestação a ré excepcionou a prescrição, sustentou a validade do acordo de revogação do contrato celebrado com a autora e pediu que a autora fosse condenada como litigante de má fé.

    Na resposta, a autora defendeu a improcedência da prescrição e pediu que a ré fosse condenada por litigância de má fé.

    No despacho saneador, o M.mo Juiz dispensou a selecção dos factos assentes e dos factos controvertidos e relegou o conhecimento da prescrição para a decisão final.

    Realizado o julgamento e proferida a decisão sobre a matéria de facto, foi, posteriormente, lavrada sentença julgando a acção totalmente improcedente, dando por prejudicado o conhecimento da excepção da prescrição e declarando não haver motivo para condenar as partes como litigantes de má fé.

    A autora apelou da sentença, impugnando a decisão de mérito e a decisão proferida sobre a matéria de facto, mas o Tribunal da Relação de Coimbra manteve inalterada a matéria de facto e julgou improcedente o recurso, confirmando inteiramente a decisão da 1.ª instância.

    Mantendo o seu inconformismo, a autora interpôs recurso de revista, concluindo a respectiva alegação da seguinte forma: 1- Somente os factos dados por provados pelo tribunal a quo, no seu despacho que fixa a matéria de facto assente, poderão ser usados na sentença para fundamentar a mesma.

    2 - Quando o tribunal inclui, na matéria de facto provada constante da sentença, factos não...

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