Acórdão nº 76/69.5YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Janeiro de 2010

Magistrado ResponsávelARMINDO MONTEIRO
Data da Resolução13 de Janeiro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: NEGADO PROVIMENTO Sumário : I - O conceito de despacho de mero expediente está definido, actualmente, no art. 156.º, n.º 4, do CPC, que sucede, sem divergência de maior, ao art. 679.º do mesmo diploma, na sua redacção inicial, como sendo aquele cujo fim é prover ao andamento do processo, sem intervir no conflito de interesses entre as partes, sem tocar nos direitos ou deveres das partes, traduzindo, ao fim e ao cabo, o pensamento paradigmático do Prof. Alberto dos Reis, por isso que, em paralelo com os proferidos no exercício de um poder discricionário, fundados no prudente arbítrio do julgador, não admite recurso. São despachos que, de um ponto de vista formal ou substantivo, “são incapazes de provocar prejuízo jurídico a quem quer que seja”, pois visam unicamente a “realização do impulso processual”, sem acarretarem “ónus ou afectarem direitos”, não causando danos.

II - Afigura-se-nos que um despacho em que o juiz, no seguimento da apreensão dos saldos de duas contas de depósito bancário da titularidade do arguido abertas no banco executado, primitivamente alvo de apreensão judicial em inquérito e cuja restituição se reconhece à assistente e agora exequente, estando aqueles à guarda do banco executado, na qualidade de depositário judicial, ex vi dos arts. 178.º e 181.º do CPP, deferindo tal despacho ao pedido de pagamento das quantias respeitando aos saldos, face à recusa do executado em entregar-lhos voluntariamente, não é um despacho de catalogar de simples e mero expediente, sito no plano meramente procedimental, sem afectação de direitos, axiologicamente neutro.

III - Pelo contrário, apresentando uma linear feição bifronte: de um lado envolvendo o reconhecimento do direito da exequente aos espécimes monetários componentes dos saldos à guarda do banco executado; do outro, o correlativo dever imposto ao banco executado de restituir aquele produto, pouco importando, para efeitos da caracterização proclamada pelo banco executado, que tivesse sido eventualmente vítima de um estratagema por banda do arguido que o desapossou de tais saldos – foi-lhe em acusação pública imputado tal facto – fazendo remeter ao banco executado um ofício fazendo crer, falsamente, que provinha do tribunal da sua condenação, impondo este o desbloqueamento dos ditos saldos, o que se sabe não ser verdadeiro.

IV - É um despacho do qual derivam direitos e deveres para os seus destinatários, que não se identifica com a inocuidade própria dos despachos de mero expediente, pois o juiz disse em tal despacho, no processo principal, “tendo em conta o teor dos acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa e pela 1.ª instância e a não oposição do Ministério Público, defere-se ao requerido a fls. 2880”, ou seja, a requerida ordem de pagamento dos ditos saldos.

V - Os despachos, outras decisões ou actos da autoridade judicial, são equiparados às sentenças condenatórias, nos termos do art. 48.º, n.º 1, do CPC, sob o ponto de vista da força executiva, devendo entender-se que quando a lei fala em sentença de condenação quer, mais uma vez abranger nesta designação, e numa interpretação não restritiva, “todas as sentenças em que o juiz, expressa ou tacitamente, impõe a alguém determinada responsabilidade” – cf. Prof. Alberto dos Reis –, estando inequivocamente, em face de uma ordem judicial, impondo uma responsabilidade ao executado, uma obrigação com génese no estatuto de depositário judicial, em que ficou investido já na fase de inquérito e não na figura de depositário erigido à luz do nominado contrato de depósito.

VI - No processo executivo o depositário assume o papel de parte acessória em contraposição com o da parte principal reservado ao executado e exequente, por imposição judicial, ao abrigo de especial disposição de lei, sendo, quanto à obrigação de entrega dos bens atingido pela eficácia do julgado condenatório, apesar de não ser parte na acção que aquela determina, extrapolando aquela eficácia os simples limites subjectivos do caso julgado, por especiais razões.

VII - É que a obrigação ditada pelo tribunal de apresentação dos bens pelo depositário na forma apontada é o processo por que optou o legislador, por um lado, de assegurar o objectivo prático da execução, de pagamento forçado do credor à custa do património alheio, por outro, de fazer respeitar coactivamente as decisões dos tribunais às quais todos devem obediência – art. 205.º, n.º 2, da CRP –, podendo socorrer-se de terceiros para cumprimento daquela missão.

VIII - O despacho supra referido é um despacho com força executiva porque foi notificado ao executado, envolvendo a imposição do cumprimento de uma obrigação pelo banco executado, de restituição de saldos de depósitos, contra o qual não reagiu, ao ser-lhe notificada a ordem de pagamento dos saldos, e podia fazê-lo, transitando, por isso mesmo, em julgado, nos termos do art. 680.º, n.º 2, do CPC, porque não deixa o banco de ser directa e efectivamente prejudicado, impondo-se-lhe a restituição de uma soma em dinheiro, mesmo quando sustenta ser-lhe materialmente impossível a devolução.

IX - Como princípio-regra, executado é quem figura no título, mas a susceptibilidade de a legitimidade passiva se estender a partes acessórias deriva dos arts. 56.º e 57.º do CPC, como desvio ao princípio geral, vertido no art. 55.º.

X - Sendo facultado ao exequente fazer prosseguir a execução contra o depositário incumpridor, entranhadamente no processo executivo, não se descortina razão válida para o não poder fazer em execução autónoma.

XI - Advoga o banco executado que à data em que os saldos das contas bancárias foram levantados através da apresentação de documentos falsos, a titularidade desses saldos não se havia transferido para a esfera jurídica da assistente, o que não corresponde ao que resulta do processo, posto que nessa data já havia transitado em julgado o acórdão condenatório; mas, ainda que assim não fosse, sempre se poderá dizer que tais saldos estavam apreendidos e que sobre o banco continuava a recair o dever de cuidado na entrega.

XII - E nem se diga que, por ter entregue o dinheiro representativo dos saldos mercê de um expediente fraudulento, a partir de um ofício não emergente do tribunal, ao arguido, o banco executado ficou liberto da sua obrigação para com a exequente, atendendo a que o fundamento de embargos, a que se reportará a oposição, se reconduzirá ao art. 813.º, al. g), do CPC, na modalidade de facto extintivo ou modificativo da obrigação, já que assemelhando-se a força executiva dos despachos às sentenças, não pode deixar de essa modalidade de oposição se lhe aplicar, se for caso disso.

XIII - Na verdade, a exequente nenhum acto ilícito praticou, em nada concorrendo para aquela entrega, não podendo ser lesada por acto ilícito de falsificação de documento, não tipicizando os levantamentos causa extintiva ou modificativa da obrigação de oposição.

XIV - O banco foi constituído depositário judicial, obrigado à guarda e entrega à beneficiária, de todo alheia ao processo fraudulento desencadeado, a discutir em sede e processo próprio endereçado ao autor daquela fraude; atitude oposta seria perigosa, desde logo ao cumprimento das ordens dos tribunais e até à segurança bancária, que arranca de os bancos serem cuidadosos, como regra, no giro dos seus depósitos, que são depósitos irregulares, no sentido de a entrega não se referir, como regra, a concretos espécimes monetários, caso de depósito típico, mas a outros de igual valor pecuniário, por terem, na definição do art. 1185.º do CC, por objecto coisas fungíveis (art. 207.º do CC), para guarda do depositário e a sua restituição quando exigida.

XV - O banco executado pagou mal; a prestação feita a terceiro, à margem do consentimento do seu legítimo titular, não libera a obrigação em que foi investido judicialmente, à luz do princípio geral de direito que emana do art. 770.º do CC, que regula a extinção da obrigação mediante a prestação de terceiro, muito particularmente a sua al. a), logo tem de repetir a entrega, prosseguindo a execução.

Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça : O Tribunal da Relação de Lisboa por seu acórdão de 16.10.2008 confirmando o proferido pela 1.ª Vara Criminal de Lisboa de 4.1.2008 , julgou improcedentes os embargos à execução n.º 355/99.8TDLSB-AE , que corre por apenso ao P.º comum com intervenção do Tribunal colectivo sob o número 355/99.8TDLSB em que é exequente AA , EP , sendo executado o BB Bank,.PLC. Do assim decidido , juntos dois pareceres de ilustres docentes universitários , interpôs recurso para este STJ , excepcionando a incompetência absoluta da Secção Criminal para dos embargos conhecer, no que foi , por acórdão deste STJ , aquele Banco desatendido , apresentando nas alegações de recurso as seguintes conclusões : I. Independentemente de os despachos de fls. 2858 e de fls. 2885 terem conteúdo idêntico, os mesmos são acompanhados de circunstâncias processuais distintas, as quais também constituem matéria de defesa, pelo que a substituição dos despachos, sem audição prévia da recorrente, constitui violação do principio do contraditório e ofensa aos direitos de defesa do executado, acarretando a nulidade prevista no art° 201° do CPC por consubstanciar a omissão de uma formalidade que a lei prescreve (art° 3º, n° 3 do CPC), com influência no exame e decisão da causa.

  1. A circunstância de o recorrente ter entendido o requerimento executivo apresentado pela exequente e fundado no despacho de 24-10-2005, a fls. 2858, em nada contribui para sanar o vício resultante da omissão na notificação à executada para se pronunciar sobre o prosseguimento de uma execução agora fundada noutro despacho, datado de 20-12-2005, a fls. 2885 dos autos.

  2. É ilegal interpretação do n° 3 do art° 3.º do CPC contida no acórdão recorrido, segundo a qual a omissão na notificação à executada para se pronunciar sobre a substituição...

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