Acórdão nº 09S0470 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução10 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA Sumário : 1. A competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer de determinado litígio de natureza laboral afere-se, na falta de convenções de direito internacional ao caso aplicáveis, pelo disposto no Código de Processo do Trabalho.

  1. Para aferir dessa competência, atende-se aos termos em que a acção foi proposta.

  2. Não admite recurso para o Supremo o acórdão da Relação, na parte em que reapreciou a decisão da 1.ª instância que julgou improcedente as excepções dilatórias da ineptidão inicial e da ilegitimidade das rés.

  3. Não constitui nulidade processual o facto de o Juiz não ter emitido pronúncia sobre uma diligência probatória requerida pelas rés, no final da contestação, se a realização dessa diligência ainda puder vir a ser ordenada em tempo útil, devido à circunstância da audiência de discussão e julgamento também ainda não ter sido realizada.

  4. Para conhecer da caducidade do direito do autor/trabalhador à reintegração e da prescrição dos créditos laborais por ele peticionados, torna-se indispensável averiguar qual é o direito material aplicável à relação laboral em apreço.

  5. Discutindo-se na acção se a relação laboral de natureza internacional se processou ao abrigo de um único contrato ou de vários contratos de trabalho com entidades empregadoras diferentes, discutindo-se também o local em que o contrato ou contratos foram celebrados e executados e estando os factos alegados a esse respeito inseridos na base instrutória, as instâncias deviam ter relegado para a decisão final o conhecimento da prescrição dos créditos laborais peticionados pelo autor.

    Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório Em 23.2.2007, AA intentou, no Tribunal do Trabalho do Porto, a presente acção declarativa, emergente de contrato individual de trabalho, contra C... G... O... C... Limited, com sede na Av.ª ..., n.º ..., em Luanda, Angola, e contra C... O... P... Inc.

    (que, entretanto, foi rectificado para C... U.S.A., INC.

    ), com sede em 6001 - ... Road, San Tamon, Califórnia CA, 94583-0946 United States of América, pedindo que a 1.ª R. fosse condenada a reintegrá-lo ao seu serviço e que as duas rés fossem condenadas a restituir-lhe as quantias indevidamente deduzidas a título de “h... t...”, acrescidas de juros de mora e a pagar-lhe o diferencial, não pago, respeitante ao subsídio de férias do ano de 1986.

    Em resumo, o autor alegou o seguinte: - por contrato celebrado em Lisboa, foi admitido ao serviço da 1.ª ré, para, subordinada e remuneradamente, exercer as funções de contabilista, em Angola, funções essas que efectivamente iniciou em 13 de Março de 1968; - foi ilicitamente despedido em 21 de Junho de 1999; - a partir de Agosto de 1986 e até à cessação do contrato, “a R. passou a deduzir mensalmente à retribuição paga ao A., uma quantia por ela designada como sendo uma “H... T...

    ”e apresentada como o imposto que hipoteticamente o A. teria de pagar no País de origem pela remuneração auferida”; - as referidas quantias “jamais foram entregues pelas RR. a qualquer um dos Estados em cujo território o A. trabalhou efectivamente”, tendo, por conseguinte, “as RR. embolsado, pura e simplesmente, as quantias assim deduzidas à retribuição do A.”, apoderando-se indevidamente, desse modo, da quantia de 8.241,55 libras esterlinas (9.709.159 escudos) que deverá ser restituída ao A., acrescida dos juros de mora; - em 1985 e 1986 não gozou as férias a que tinha direito (52 dias), a que correspondia a retribuição de 6.915,29 USD, quantia que a ré somente lhe pagou em Maio de 1998, à qual deduziu, a título de H... t...

    , o montante de 1.006 USD, quando, aplicando a taxa de juro de 5% ao ano, o autor tinha direito a receber a importância de 13.365,81 USD, acrescida dos 1.006 USD indevidamente deduzidos.

    Na contestação conjunta que apresentaram, as rés excepcionaram a incompetência internacional do tribunal, a ineptidão parcial da petição inicial, a caducidade do direito à reintegração, a prescrição dos créditos peticionados e a ilegitimidade da 2.ª ré, e impugnaram o despedimento e o direito aos créditos reclamados.

    No despacho saneador, de fls. 763, o M.mo Juiz julgou improcedentes as referidas excepções, seleccionou a matéria de facto assente e elaborou a base instrutória que foi objecto de reclamação por parte das rés, reclamação essa que veio a ser substancialmente atendida no despacho proferido a fls. 1064.

    Inconformadas com o referido despacho, as rés interpuseram recurso de agravo, relativamente à parte em que nele se decidiu julgar improcedente a excepção da incompetência internacional, e também recurso de apelação, este referente à parte em que, naquele despacho, foram julgadas improcedentes as demais excepções.

    Fizeram-no, todavia, sem sucesso, já que o Tribunal da Relação do Porto julgou improcedentes os dois recursos.

    Mantendo a sua irresignação, as rés interpuseram recurso de revista, tendo concluído as respectivas alegações da seguinte forma: «1. À luz da lei angolana aplicável à relação material controvertida (cf. artigos 1.º e 3.º, n.º 1, do Decreto n.º 32/91, de 26 de Julho), o processo de despedimento levado a cabo pela 1.ª R. é qualificado como um processo de despedimento colectivo.

  6. O "programa especial de cessação do contrato de trabalho" promovido pela 1.ª Ré teve por objectivo executar a política de substituição da mão de obra estrangeira pela angolana ("angolanização"), prevista designadamente no Decreto n.º 20/82, de 17 de Fevereiro, aplicável à indústria petrolífera, dando assim cumprimento às obrigações legais de substituir os trabalhadores estrangeiros, onde se incluem os portugueses, por trabalhadores angolanos.

  7. Como se pode aferir pela carta enviada pela 1.ª Ré a todos os seus trabalhadores portugueses em 18 de Junho de 1999 (cf. documento n.º 5 junto com a petição inicial), aquela sociedade encetou um processo de despedimento colectivo, i. é, operou um trâmite inicial tendente à extinção da relação jurídico-laboral, de forma simultânea ou sucessiva e no espaço de três meses, abrangendo todos os seus trabalhadores portugueses.

  8. Tal facto afasta o critério da coincidência com as regras de competência interna territorial, previsto no artigo 10.º do CPT, uma vez que a norma aplicável a este caso para efeitos de aferição da competência internacional dos tribunais é a constante do n.º 1 do artigo 16.º do CPT, sendo que, como confirmado pelo A. nos artigos 31.º a 33.º da petição inicial, o local de trabalho do mesmo à data da cessação do contrato de trabalho era o estabelecimento da R. CABGOC, sito na Avenida Lenine, n.º 77, em Luanda, República de Angola.

  9. O elemento de conexão relevante de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 16.º CPT não tem qualquer relação com a ordem jurídica portuguesa, mas somente com a angolana, pelo que, os tribunais portugueses são internacional e absolutamente incompetentes para preparar e julgar a presente acção, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 10.º e 16.º do CPT e no artigo 101.º do CPC.

  10. A causa considerada pelo Tribunal em 1.ª instância como justificativa da atribuição da competência internacional aos tribunais portugueses – recepção das cartas em Portugal – não foi arguida por nenhuma das partes, o que representa uma flagrante violação do princípio do dispositivo, uma vez que se funda em factos que não integram a causa de pedir da presente acção ou fundamento da excepção dilatória em apreço, nos termos e para os efeitos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 264.º do CPC.

  11. Mesmo se o Tribunal de 1.ª instância considerasse a factualidade relativa à recepção de tais comunicações por parte do A. como relevante para conhecer da excepção dilatória em apreço, então, nos termos e para os efeitos dos artigos 264.º, n.º 3, e 510.º, n.º 4 do CPC e do artigo 72.º, n.º 1 do CPT, tal facto deveria ter sido considerado como controvertido, levado à base instrutória e, por consequência, o conhecimento da excepção em apreço relegado para a sentença final a 18 de Junho de 1999.

  12. Tendo o Tribunal recorrido confirmado a improcedência da excepção dilatória de incompetência absoluta, considerando o Tribunal de 1.ª instância competente em razão da matéria para preparar e julgar a presente acção, violou manifestamente o disposto no n.º 1 do artigo 16.º CPT, bem como nos artigos 101.º, 264.º, n.os 1 a 3, 493.º, n.º 2, 494.º, alínea a), e 510.º, n.º 4, todos do CPC e ainda os artigos 1.º e 3.º, n.º 1, do Decreto n.º 32/91, de 26 de Julho.

  13. O Tribunal recorrido confirmou a decisão da 1.ª instância que não conheceu do pedido formulado pelas RR., na conclusão da contestação, para que o tribunal se dignasse notificar o A. para juntar documento comprovativo da situação de reformado ou, em alternativa, se dignasse ordenar o Centro Regional de Segurança Social do Porto para vir juntar aos autos o referido documento com menção precisa da data de início da reforma por velhice do A.

  14. Acresce ainda que, o Tribunal de 1.ª instância devia ter conhecido da ilegitimidade das partes e levar essa questão em conta ao nível da apreciação da ineptidão da petição inicial, dada a contradição que desse modo se gera entre o pedido e os factos integrantes da causa de pedir, nos termos da alínea b) do número 2 do artigo 193.º do CPC.

  15. Tendo o Acórdão de que se recorre decidido pela improcedência das referidas questões relativas ao vício de omissão de pronúncia, foram por ele novamente violadas as disposições constantes nos artigos 668.º, n.º 1, alínea d), e 666.º, n.º 3, ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do CPC, na redacção aplicável aos presentes autos, devendo aquele Acórdão ser revogado e ordenada a baixa dos autos ao Tribunal de 1.ª instância a fim de se pronunciar expressamente sobre as questões suscitadas.

  16. As RR. só não provaram ainda o estado de reformado do A. na estrita medida em que o seu requerimento...

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