Acórdão nº 617/09.8YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: EXTRADIÇÂO Decisão: PROVIDO Sumário : I - O conceito de “processo equitativo”, consagrado pelo art. 6.º da CEDH, que foi igualmente acolhido pela CRP, no seu art. 20.º, n.º 4, designa um complexo de direitos de que as pessoas gozam, a começar pelo próprio direito à acção e direito a um tribunal independente, mas que abrange uma rede densa de direitos e faculdades atribuídos às partes processuais, em especial ao arguido em processo penal.

II - O princípio compreende, nomeadamente, e reportando-nos especificamente ao processo penal, o direito à publicidade, o direito ao contraditório, o direito à igualdade de armas, o direito de presença, e o direito ao julgamento da causa em prazo razoável.

III - A importância do direito ao julgamento num prazo razoável é de primeira grandeza, pois se considera que só quando decidida em tempo a decisão pode ser justa. A justiça da decisão é, pois, avaliada não só em função da qualidade intrínseca da mesma, como também do tempo em que é proferida. Por outras palavras, uma decisão intrinsecamente justa, segundo os critérios materiais e processuais, deverá ser considerada injusta (e não apenas ineficaz ou pouco credível) se for tardia.

IV - O elemento “razoabilidade” aponta, desde logo, para uma certa indeterminação, que deverá ser preenchida analisando as circunstâncias do caso, mas mediante o recurso a certos critérios gerais que importa determinar, para evitar o casuísmo puro, que pode conduzir a soluções intoleravelmente divergentes.

V - Assim, a razoabilidade da duração de um processo dependerá, antes de mais, da sua natureza, ou seja, de tratar-se ou não de um processo a que seja atribuída por lei a natureza urgente. Desta forma, todos aqueles processos que têm essa classificação legal não podem deixar de ter uma tramitação especialmente célere, para defesa dos interesses que o legislador pretendeu acautelar (interesses públicos ou de arguidos presos, menores, pessoas especialmente indefesas, etc.).

VI - Depois, há que aquilatar da complexidade do processo, avaliada segundo características da própria matéria investigada, dificuldade e morosidade inerente às diligências indispensáveis a realizar, número de arguidos, de testemunhas, questões de direito de especial complexidade, eventualmente a resolver em foro diverso.

VII - Também as próprias dificuldades, nomeadamente sobrecarga de serviço, dos tribunais e dos seus magistrados podem servir de parâmetro de avaliação da razoabilidade do prazo, mas só limitadamente. Na verdade, o Estado tem obrigação de organizar os seus serviços públicos, incluindo o de Justiça, de forma a corresponderem às necessidades e procura por parte dos cidadãos, garantindo-lhes com eficácia a salvaguarda dos seus direitos fundamentais. Daí que só uma ocasional e imprevista situação de acumulação de serviço possa ser legitimamente invocada como justificação para um atraso processual. Justificação que aliás deverá ser sempre concretamente fundamentada.

VIII - É claro que só os atrasos provocados pelas autoridades podem servir como fundamento para o excesso de prazo. Os actos dilatórios do arguido, provocando deliberadamente o prolongamento anormal do processo, não podem evidentemente ser contabilizados contra as autoridades judiciárias. Mas também é óbvio que nesses actos (dilatórios) não podem ser incluídos os actos praticados no uso legítimo e razoável (não abusivo, não anormal) de direitos que a lei lhe atribui (direito de recorrer, direito de requerer, direito de expor), desde que necessário, adequado e proporcional ao exercício da defesa.

IX - Para a “contagem” do prazo deve-se considerar o mesmo iniciado, em processo penal, com o conhecimento “oficial” que o arguido tem do processo, normalmente quando for constituído arguido, ou quando for ouvido pela primeira vez, pois é a partir daí que para ele, que é o “visado” no processo, nasce a expectativa (e o direito) de uma decisão em tempo razoável.

X - A extradição é um processo urgente, como é expressamente afirmado no art. 46.º, n.º 1, da LCJI (Lei de Cooperação Judiciária Internacional), e é confirmado pelos prazos especiais e reduzidos que são estabelecidos para a sua tramitação, quer na fase administrativa (arts. 48.º e 49.º da LCJI), quer na fase judicial (arts. 50.º a 61.º da LCJI).

XI - No caso dos autos, o processo esteve parado durante cerca de ano e meio na fase administrativa, e aproximadamente um ano e três meses na fase judicial, por motivos não só não imputáveis ao extraditando (pois a única “dilação” que provocou – arguição de nulidade da primeira decisão final – foi julgada procedente), como exclusivamente imputáveis às autoridades administrativas, num primeiro momento, e judiciárias, depois, não tendo estas últimas justificado ou sequer adiantado qualquer explicação para os atrasos.

XII - Tendo, assim, passado quatro anos sobre o início do processo de extradição, a decisão proferida – que autorizou a extradição do recorrente para a República da Moldávia – não respeitou o “prazo razoável” a que se refere o art. 6.º da CEDH (e o art. 20.º, n.º 4, da CRP), pelo que o pedido de extradição deverá ser recusado, por força do art. 6.º, n.º 1, al. a), da LCJI.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. RELATÓRIO Por acórdão da Relação de Évora de 21.4.2009, foi autorizada a extradição para a República da Moldávia de AA, cidadão daquele país.

Interpôs o extraditando recurso para este Supremo Tribunal que, por acórdão de 18.6.2009, anulou aquela decisão, por ter sido omitida a notificação do extraditando para a apresentação de alegações, nos termos do art. 56º, nº 2 da Lei nº 144/99, de 31-8 (Lei de Cooperação Judiciária Internacional – LCJI).

Sanada a nulidade, a Relação proferiu novo acórdão, a 29.9.2009, julgando de novo procedente o pedido de autorização da extradição.

Desse acórdão recorreu novamente o extraditando, concluindo assim as suas alegações: 1ª O acórdão autorizativo da extradição, proferido em 29 de Setembro de 2009, baseia-se em prova produzida em 30 de Outubro de 2007, a qual é ineficaz.

  1. Ao decidir não ordenar a repetição da prova produzida, o Tribunal omitiu diligências essenciais à descoberta da verdade.

  2. A dilação temporal não é compatível com as garantias de defesa que a lei reconhece ao extraditando, porquanto a prova produzida não mantém actualidade.

  3. Se inquiridas no momento presente, o depoimento das testemunhas poderia ser diferente, já que na altura em que depuseram havia pouco tempo que estavam em Portugal e prestaram depoimento condicionado pelo receio de represálias da polícia Moldávia.

  4. Os artigos 56° e 57° da Lei de Cooperação Judiciária Internacional reflectem um princípio de concentração e de celeridade processuais e pretendem obviar a que sejam produzidas decisões que não correspondam à realidade no momento em que são proferidas.

  5. Os mesmos princípios emanam dos artigos 328° e 373° do CPC, direito subsidiariamente aplicável e é na lei subsidiariamente aplicável que se encontram as cominações para a violação desta regra de concentração processual.

  6. A cominação é, a nulidade, ao abrigo do disposto no artigo 120°, n.° 2, al. d), por terem sido omitidas diligências posteriores essenciais à descoberta da verdade material.

  7. A busca da verdade material exige que o julgador possa decidir habilitado por uma prova que tenha sido produzida em momento imediatamente anterior, estando ainda bem presente na sua memória.

  8. Não tendo acontecido assim, A DECISÃO RECORRIDA É NULA! 10ª Não é impeditivo de tal arguição de nulidade o facto de o Acórdão do STJ ter anulado apenas os actos posteriores à omissão de notificação para produção de declarações escritas.

  9. Independentemente disso, o que se invoca é que constitui nulidade o facto de o Tribunal decidir baseado em prova ineficaz.

  10. Viola o artigo 32° n.° 2 da CRP o entendimento da norma contida no artigo 56°, n.° 2 da Lei da Cooperação Judiciária no sentido de as alegações escritas nele previstas poderem ser prestadas independentemente do tempo que tenha já passado sobre a produção de prova, porquanto o extraditando tem direito a uma decisão célere.

  11. As alegações escritas têm de ser produzidas imediatamente a seguir à produção de prova, pois só nesse momento é que têm utilidade - fazer a súmula da prova que há-de servir de fundamento à decisão.

  12. A dilação que nestes autos teve lugar entre a data da produção de prova e a apresentação de alegações não é compatível com as garantias de defesa do extraditando.

  13. Mais é inconstitucional a interpretação do disposto no artigo 56°, n.° 2 da Lei da Cooperação Judiciária no sentido de que as alegações escritas podem ser apresentadas independentemente do tempo que tenha passado sobre a produção de prova, porquanto admite apresentação de alegações sobre prova ineficaz.

  14. Essa interpretação viola as garantias de defesa do arguido que o artigo 32°, n.° 1 da CRP consagra.

  15. As vicissitudes que este processo de extradição tem conhecido desde o seu início fazem com que o mesmo tenha deixado de ser justo e equitativo.

  16. E, por isso, não satisfaz as exigências da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, designadamente devido à morosidade processual (o extraditando tem conhecimento de este processo correr em Portugal contra si desde 10 de Novembro de 2005).

  17. Desde então vive em sofrimento e em sobressalto relativamente à decisão que venha a ser proferida, além de que se encontra sujeito a medidas de coacção (designadamente proibição de se ausentar para o estrangeiro e obrigação de apresentação periódica semanal) desde 27 de Setembro de 2009.

  18. O processo tornou-se uma tortura para o extraditando e, atendendo à dilação temporal, é o próprio processo que perdeu legitimidade para nele ser produzida uma decisão que autorize a extradição de AA.

  19. O extraditando não encontra justificação para a morosidade processual, sendo que a necessidade de tradução de documentos de língua moldava apenas terá tido lugar no...

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