Acórdão nº 97/06.0JRLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelSANTOS MONTEIRO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: REJEITADO O RECURSO DO RECORRENTE DD. NEGADO PROVIMENTO DO RECORRENTE BB Sumário : I - O direito ao recurso inscreve-se no leque dos direitos fundamentais do arguido no art. 32.º, da CRP, e foi consagrado pela revisão constitucional de 1997, enquanto afirmação de um “due process of law”, já que o Estado não deve limitar-se a afirmar a sua superioridade sobre o condenado, detendo o poder punitivo, sem assegurar àquele o direito ao reexame da questão por um outro tribunal, situado num plano superior, que lhe ofereça garantias de defesa e imparcialidade .

II - A nossa jurisprudência e a doutrina são unânimes em reconhecer que a lei reguladora da admissibilidade do recurso é a vigente na data em que é proferida a decisão recorrida – lex temporis regit actum.

Importa, no entanto, distinguir, para efeitos de aplicação da lei processual no tempo entre regras que fixam as condições de admissibilidade do recurso e as que se limitam a regular as formalidades de preparação, instrução e julgamento do recurso, estas de imediata aplicação, em virtude de se estar perante interesses públicos que afectam ou podem afectar direitos fundamentais valiosos como o da liberdade humana.

III - Para efeitos de aplicação da lei no tempo é de ponderar se, com ela, resulta agravamento da posição substantiva do arguido, levando na hipótese afirmativa, a que se devam ponderar as expectativas justas do recorrente em termos de continuar a deparar-se-lhe a possibilidade de recurso nos moldes firmados na lei antiga.

IV - O art. 5.º, n.º 2, do CPP, nos termos em que se mostra redigido, dispondo que a lei processual nova é de aplicação imediata a todos os processos pendentes, quando assuma uma natureza exclusivamente disciplinadora da ritologia processual – e não já quando da sua aplicabilidade imediata derive o agravamento ainda sensível da sua posição processual, nomeadamente quando seja afectado o direito de defesa do arguido ou quebra da unidade do processo –, vinca a natureza mista da norma, a um tempo de natureza formal e substantiva.

V - No âmbito dos direitos inscritos do arguido inclui-se o direito de recorrer de todas as decisões que lhe sejam desfavoráveis, (art. 61.º, n.º 1, al. i), do CPP) mas o preceito não declara quando nasce o direito ao recurso em concreto. Todavia, porque o arguido, na dinâmica processual, pode deixar de o ser, pode ser absolvido ou ver extinto o procedimento criminal, aquele direito só desponta reunidos que surjam os indispensáveis pressupostos, concentrados na forma e momento de emissão de decisão desfavorável. Só nessa altura surgem a legitimidade e o interesse em agir.

VI - Por isso que a simples pendência do processo à data da entrada em vigor da lei nova, atentas as vicissitudes processuais a que está sujeito o estatuto do arguido, não assegura, sem mais, desligadamente da decisão, de forma automática, o direito ao recurso.

VII - No caso de o acórdão da 1.ª instância ter sido proferido em momento posterior ao da entrada em vigor daquela alteração, os pressupostos do nascimento do recurso hão-de ser os reinantes nessa data.

VIII - Se a condenação da Relação situar a pena em 8 anos cumpre-se, desde logo, um pressuposto de irrecorribilidade, nos termos do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, vindo a ser entendido pelo STJ que não deixa de haver confirmação nos casos em que in mellius, a Relação reduza a pena até esse ponto.

IX - Não é admissível recurso para o STJ de despacho judicial objecto de recurso intercalar para a Relação, como directamente ressalta do art. 400.º, n.º 1, al. c), do CPP, na versão introduzida pela Lei 48/07, de 29-08, na medida que por via dele se não conhece, a final, do objecto do processo, ou seja do mérito da causa, da questão de fundo, nem se põe termo à relação substantiva, material, punitiva, desencadeada pelo Estado.

X - O exame crítico das provas, acrescendo, como elemento de fundamentação da sentença, ao lado dos demais previstos no art. 374.º, n.º 2, do CPP, foi introduzido pela Lei 59/98, de 25-08, possuindo o significado de que sobre o julgador impende o dever de indicar, de sopesar a credibilidade de certas provas em detrimento das que não lhe merecerem aceitação, o porquê de certas provas serem elegíveis na formação da convicção probatória e outras não.

XI - O acto de julgar é um acto de opção, da melhor opção à luz da consciência do julgador e da lei positivada, numa perspectiva de descoberta da verdade material, que há-de impor-se em primeira linha, aos destinatários directos da decisão, e, depois, aos demais membros da colectividade, que exigem dos órgãos de administração da justiça, para inspiração de confiança neles, que estes prestem contas da sua missão de julgar.

XII - Por isso esse dever de fundamentação não dispensa, por um lado, uma reflexão sobre o acervo probatório, as provas – o exame – e, por outro, a crítica sobre a valia respectiva, que se exerce através de um juízo de censura, um juízo complexo onde se incluem a postura pessoal do declarante e testemunha, com toda a veste que exibe e onde a palavra falada nem sequer é o mais relevante, mas mais o tom de voz, os gestos, a sua postura corporal, interferindo ainda, factores individualizados como o modo de compreensão da realidade pelo julgador, a sua mundivivência, concepções de vida, sem perder de vista as regras da experiência e da vida, com tudo o que representam de critérios de orientação, de probabilidade forte do acontecimento, conducentes à enunciação de uma verdade intraprocessual, que não tem que coincidir com a certeza absoluta , nem sempre atingível no processo.

XIII - A fundamentação da enumeração das razões da convicção probatória não se basta com uma indicação “seca” e exígua, mas também se não confunde e nem esse é o espírito do legislador, com uma prática corrente, que transforma a predominância da oralidade em um quase sistema de processo escrito, na forma de enumeração exaustiva, longa, fastidiosa, pouco sintética, fonte de incertezas, reparos e contradições, logo desnecessária, do que os intervenientes processuais – arguidos, testemunhas, declarantes, peritos e partes civis –, trouxeram à audiência, antes de quedar-se na cedência a uma explicitação seleccionada, racionalizada e minimamente englobante do substracto lógico-racional, ou seja de um núcleo firme de sustentabilidade, que convença o iter probatório.

XIV - O exame crítico realiza uma função de assegurar que o tribunal apreciou todos os factos essenciais à decisão da causa e sobretudo, que não foram usados meios de obtenção prova ou provas proibidas, mas que sobre as legalmente consentidas se reflectiu.

XV - Após a revisão operada pela Lei 59/98, de 25-08, o STJ só é competente para discutir matérias exclusivamente de direito, o que resulta também do normativo contido no art. 432.º, n.º 1, al. c), do CPP, na redacção introduzida pela Lei 48/07, de 29-08.

XVI - Havendo dois recursos interpostos da decisão do tribunal colectivo, um dirigido à Relação e outro ao STJ, tendo um deles que ser apreciado pela Relação, por envolver a reapreciação da matéria de facto, sê-lo-á também o outro, pois a Relação detém competência para conhecer de facto e de direito.

Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça : Em processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo sob o n.º 97/06.0 JELSB, da 6ª Vara Criminal de Lisboa (antiga 3ª Secção), foram submetidos a julgamento , após pronúncia : 1. AA, 2. BB., 3. CC, 4. DD, 5. EE, 6. FF, 7. GG 8. HH, 9. II, e 10. II , vindo , a final , a ser condenados : -AA, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21° n° 1 , do Dec. Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-B, anexa àquele diploma legal, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão , bem como na pena acessória de expulsão do território nacional, a que alude o artigo 34° n° 1 do Dec. Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, pelo período de 10 (dez) anos, com a consequente interdição de entrada em território nacional pelo mesmo período de tempo; -BB , pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelos artigos 21° n° 1 , do Dec. Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-B , anexa àquele diploma legal, na pena de 9 (nove) anos de prisão, absolvendo-o crime agravado do artigo 24° c), do mesmo diploma legal, de que vinha acusado e pronunciado; e pela prática de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, previsto e punível, à data dos factos, pelo artigo 6° n° 1 da Lei n° 22/97, de 27 de Junho, na pena de 1 (um) ano de prisão. - Em cúmulo jurídico, foi o BB condenado na pena única de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão.

-CC, pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelos artigos 21° n° 1 do Dec. Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I- B anexa àquele diploma legal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão , absolvendo-o do crime agravado do artigo 24° c) , do mesmo diploma legal, de que vinha acusado e pronunciado. -DD, pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelos artigos 21° n° 1 do Dec. Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I-B e I-C anexas àquele diploma legal, na pena de 9 (nove) anos de prisão, absolvendo-o do crime agravado do artigo 24° c) do mesmo diploma legal, de que vinha acusado e pronunciado. -EE , pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punivel pelos artigos 21° n° 1, do Dec. Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela 1- B anexa àquele diploma legal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, absolvendo-o do crime agravado do artigo 24° c) do mesmo diploma legal, de que vinha acusado e pronunciado.

-FF , pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de e estupefacientes, previsto e punível pelos...

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