Acórdão nº 08B2642 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução25 de Março de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I Requerida a falência de T...- I... de B..., SA no dia 11 de Fevereiro de 2004, foi a mesma declarada por sentença de 25 de Junho de 2004 e fixado o prazo de dez dias para a reclamação de créditos, e foram reclamados vários direitos de crédito, que não foram impugnados.

Por sentença proferida no dia 13 de Novembro de 2006, foram declarados reconhecidos os créditos não impugnados, alguns pelo valor inferior sugerido pelo liquidatário judicial, e graduados, os garantidos por hipoteca sobre o imóvel depois dos garantidos pelo privilégio imobiliário da titularidade dos trabalhadores, e os incidentes sobre bens móveis, em primeiro lugar os dos trabalhadores garantidos por privilégio mobiliário geral e em segundo lugar os direitos de crédito garantidos por penhor mercantil.

Da referida sentença apelaram a Caixa Geral de Depósitos, SA e o Banco BPI, SA, e a Relação, por acórdão proferido no dia 13 de Março de 2008, revogou-a na parte em que graduou os créditos dos trabalhadores antes dos créditos dos recorrentes garantidos por hipoteca e por penhor mercantil, respectivamente.

AA, BB, CC, por um lado, e DD, EE, FF, GG e HH, por outro, e ainda, finalmente, II, JJ, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, XX, ZZ, AAA, BBB, CCC, DDD, herdeiras de EEE, FFF, GGG, HHH, III, JJJ, LLL, MMM, NNN, OOO, PPP, QQQ, RRR, SSS, TTT, UUU, VVV, XXX, ZZZ, AAAA, BBBB, CCCC e DDDD, interpuseram recurso de revista.

Os primeiros e os segundos formularam, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - os seus créditos emergem da violação e cessação de contratos de trabalho, foram reconhecidos judicialmente até 21 de Dezembro de 2001, antes da vigência da alteração dos artigos 735°, n° 3 e 751° do Código Civil pelo Decreto-Lei n° 38/2003, de 8 de Março; - é aplicável o disposto no artigo 12°, n° 1, da Lei n° 17/86, pelo que gozam de privilégios mobiliário e imobiliário gerais.

- como o Código Civil só prevê o privilégio imobiliário especial e as Leis nºs 17/86 e 96/2001 não clarificam o regime de graduação de créditos, deve a questão solucionar-se por via da analogia prevista no artigo 10º do primeiro dos referidos diplomas; - a solução mais consentânea com os interesses em presença e a natureza do objecto do privilégio creditório em causa, com a relação de proximidade existente entre os créditos laborais em questão e a específica natureza daquela parte do património da falida e com o próprio espírito do sistema, deve ser considerada a aplicação por analogia do regime constante do artigo 751° do Código Civil; - face ao disposto no aludido artigo 751° do Código Civil os referidos créditos prevalecem, em termos de graduação, sobre os créditos das entidades bancárias recorridas garantidos por hipoteca; - ademais, o n° 4, alínea b) do artigo 4° da Lei n.° 96/2001 determina a graduação dos créditos laborais neles indicados antes dos créditos que gozam de privilégio imobiliário especial constantes do artigo 748° do Código Civil; - como nos termos do artigo 751°, os créditos garantidos por privilégio imobiliário especial constantes do artigo 748°, ambos do Código Civil preferem aos créditos garantidos por hipoteca, os créditos laborais dos recorridos são hierarquicamente superiores àqueles por força do já referido n.° 4 alínea b) do artigo 4° da Lei n.° 96/2001, tais créditos têm também necessariamente de preferir aos garantidos por hipoteca, sob pena de se subverter a ordem natural das coisas e o espírito e racionalidade do sistema, sendo a única interpretação possível dos referidos normativos antes da alteração da redacção do artigo 751° do Código Civil operada pelo Decreto-Lei n.° 38/2003, de 8 de Março; - mesmo que assim não se entenda e se considere também que, pese embora os créditos dos recorrentes terem sido judicialmente reconhecidos em data anterior as alterações aos sobreditos artigos do Código Civil, introduzidas pelo Decreto-Lei n° 38/2003, são passíveis de se aplicar ao caso dos autos e impedem em absoluto aquela interpretação, certo é que em 1 de Dezembro de 2003 entrou em vigor o Código do Trabalho aprovado pela Lei n° 99/2003, de 27 de Agosto; - por força do disposto na alínea e) do n° 2 do artigo 21° daquele diploma, a Lei n° 17/86 foi revogada, e os créditos dos trabalhadores emergentes de contrato de trabalho e da sua violação ou cessação passaram a ser garantidos nos termos do artigo 377° daquele Código, por força do artigo 12° n° 2, parte, do Código Civil, o disposto no artigo 377° do Código do Trabalho aplica-se a todos os créditos dos trabalhadores emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, mesmo quando constituídos anteriormente à entrada em vigor do dito Código; - o regime previsto no Código do Trabalho relativamente aos privilégios creditórios atribuídos aos créditos emergentes de contrato de trabalho e da sua violação ou cessação aplicar-se-á ao caso dos autos, tanto mais que a instauração do processo de falência, a prolação da sentença e a apresentação das próprias reclamações de créditos dos ora recorrentes são posteriores à data da entrada em vigor do Código do Trabalho; - os créditos dos recorrentes gozam de privilégio imobiliário especial sobre o único imóvel apreendido para a massa falida por nele funcionar o estabelecimento industrial pertencente à falida, pelo que, atento o disposto no artigo 751° do Código Civil, aquele privilégio tem prioridade sobre as hipotecas invocadas pelos recorrentes; - os créditos dos recorrentes, reconhecidos na sentença da 1ª instância, devem continuar graduados no lugar que nela foi determinado e, como tal, à frente dos créditos das entidades bancárias recorridas que estão garantidos pelas invocadas hipotecas.

- o regime a aplicar aos privilégios imobiliários de que gozam os créditos dos trabalhadores emergentes dos respectivos contratos de trabalho e da sua violação ou cessação é o do artigo 749° do Código Civil; - não é inconstitucional o artigo 12°, n° 1, alínea b), da Lei n° 17/86, quando interpretado no sentido de que o privilégio creditório imobiliário nele previsto prevalece sobre a hipoteca nos termos do artigo 751° do Código Civil; - o acórdão recorrido não interpretou adequadamente o disposto nos artigos 12° n° 1 da Lei n° 17/86, 4º n° 4, alínea b) da Lei n° 96/2001, 10°, 12° n° 2, 2ª parte, 735° n° 3 e 751° do Código Civil na redacção anterior à actual, 377° do Código do Trabalho, 21° n° 2, alínea e) da Lei n° 99/2003, de 27 de Agosto, e 59°, n° 1, alínea a) da Constituição; - deve manter-se a sentença proferida no tribunal da primeira instância no que respeita à graduação dos créditos dos recorrentes, preferencialmente aos reconhecidos às entidades bancárias recorridas.

Os últimos formularam, por seu turno, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - o acórdão recorrido não cumpriu a lei, mesmo que se entenda que a Lei n.° 17/86 não regula o concurso do privilégio imobiliário geral para a garantia dos créditos laborais dos trabalhadores prevista na alínea b) do n.° 1 do artigo 12.° com outras garantias reais, designadamente, com a hipoteca, e que se impõe o recurso à norma aplicável a casos análogos nos termos do disposto no artigo 10.° do Código Civil; - o regime legal a aplicar ao privilégio creditório imobiliária concedido pelas Leis n.°s 17/86 e 96/01 aos créditos dos trabalhadores da sociedade falida deve ser, face ao Código Civil na redacção anterior à que entrou em vigor em 15 de Setembro de 2003, o disposto no artigo 751.° e não o disposto no artigo 749.°, ambos do Código Civil; - ao aplicar o disposto no artigo 751.° do Código Civil, os créditos dos trabalhadores prevalecerão sobre a hipoteca, já que se estipula naquele normativo que os privilégios imobiliários são oponíveis a terceiros e preferem à hipoteca, ainda que esta garantia seja anterior; - a natureza do objecto do privilégio creditório em questão, um imóvel, é a do privilégio previsto no aludido artigo 751° do Código Civil, pelo que se impõe a sua aplicação por analogia; - existe, por outro lado, uma relação de particular proximidade entre o imóvel em causa e os créditos dos recorrentes emergentes dos contratos de trabalho que mantiveram com a falida e que os levaram a prestar a respectiva actividade nas instalações fabris nele situadas; - o pensamento do legislador foi o de proteger um direito fundamental dos trabalhadores e que é o direito de receberam a retribuição pelo trabalho prestado e que lhes assegure uma sobrevivência condigna, conforme decorre do artigo 59.º, n.° 1, alínea a), da Constituição; - a intenção do legislador das Leis n.°s 17/86 e 96/2001 foi no sentido de considerar que o privilégio imobiliário geral concedido aos créditos emergentes de contrato de trabalho e da sua violação ou cessação estava coberto pelo regime do artigo 751.° do Código Civil e, dessa forma, prevalecendo sobre o garantido por hipoteca; - de acordo com o disposto na alínea b) do n.° 4 do artigo 4.° da Lei n.° 96/2001, devem graduar-se os créditos laborais nela indicados antes dos créditos que gozam de privilégio imobiliário especial constantes do artigo 748.° do Código Civil; - assim, tais créditos laborais têm necessariamente de preferir aos garantidos por hipoteca já que também os créditos garantidos por privilégio mobiliário especial constante de tal artigo 748.° do Código Civil preferem aos créditos garantidos por hipoteca; - por força do disposto na alínea e) do n.° 2 do artigo 21.° do Código do Trabalho, foi a Lei n.° 17/86 revogada, e os créditos dos trabalhadores emergentes de contrato de trabalho e da sua violação ou cessação passaram a ser garantidos nos termos constantes do artigo 377.° daquele Código; - por força do artigo 12.°, n.° 2, 2.ª parte do Código Civil, o disposto no artigo 377° do Código do Trabalho aplica-se a todos os créditos dos trabalhadores emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, mesmo quando constituídos anteriormente à entrada em vigor do dito Código; - o...

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