Acórdão nº 08A3991 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelPAULO SÁ
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

AA, intentou na 1.ª Vara da Comarca de Setúbal acção declarativa de condenação, sob a forma comum, com processo ordinário (n.º 87/97) contra BB e mulher, CC, e DD, pedindo que os mesmos sejam condenados a pagar solidariamente à sociedade EE a quantia de 215.000.000$00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar desde a citação.

Para tanto alegou, em síntese: A EE - Combustíveis de Setúbal, L.da foi fundada em 1948 por GG, pai dos RR. CC e DD; Uma das quotas da EE, no valor de 100.000$00 está em nome de JFF, já falecido e pai do autor e, outra, de igual valor, em nome de herdeiros do fundador GG, um deles, o dito FF; Os herdeiros deste nomearam o autor para o exercício da função de representante comum da quota do de cujus; O 1.º R. BB e o 2.º R. DD são gerentes da EE; A dita sociedade era dona de certo prédio, sendo que os sócios da EE decidiram aliená-lo pelo melhor preço possível, tendo encarregado os gerentes ora RR. de tal tarefa; Os RR. venderam esse prédio pelo preço de 20.000.000$00 a uma sociedade com sede em Gibraltar e que a eles está ligada; Posteriormente, essa sociedade revendeu o mesmo prédio por 160.000.000$00; Antes da venda, os RR. fizeram diligências no sentido da urbanização da parcela, sendo do seu conhecimento a possibilidade de urbanizar o dito terreno e que o preço da primeira transacção era muito inferior ao seu valor real; Causaram assim um prejuízo à EE no valor de 140.000.000$00; Acresce ainda que a referida sociedade tem por objecto principal o comércio de combustíveis e lubrificantes e foi concessionária da área de serviço de Palmela; Durante anos esteve envolvida num conflito judicial com a Petrogal, conflito que veio a terminar em 1995, com um acordo entre as partes, tendo a Petrogal pago à EE a quantia de, pelo menos, 100.000.000$00, da qual apenas entrou nos cofres o valor de 25.000.000$00.

As quantias assim obtidas pelo 1.º R. foram utilizadas em proveito comum do casal.

Regularmente citados contestaram os Réus, excepcionando a ilegitimidade do A. e impugnando os factos invocados na petição inicial.

Houve réplica.

Na audiência preliminar, decidiu-se, além do mais, interpretar a petição inicial no sentido de a acção estar instaurada pela Herança de FF, pai de quem figura como autor e relegando para momento posterior o conhecimento da questão de saber se a herança estava ou não devidamente representada.

Dessa decisão foi interposto pelos RR. recurso de agravo, com subida diferida.

Foi também interposto recurso de agravo, com subida diferida, relativamente à decisão aí proferida que considerou ter a herança legitimidade activa.

Objecto de recurso de apelação foi o decidido quanto à excepção peremptória invocada na contestação.

Foi seleccionada a matéria assente e organizou-se a base instrutória.

No decurso da audiência preliminar foi ainda determinada a apensação da acção com processo ordinário n.º 127/98, que o A. havia proposto contra os 1.ºs RR. e ainda contra JJ, passando a tramitação das mesmas a ser processada em conjunto.

Instruído o processo com a prova requerida pelas partes, procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal.

Após o que foi proferida sentença, em 25.10.2002, decidindo julgar o A, parte ilegítima na presente acção, absolvendo os RR. da instância, enquanto que na acção n.º 127/98, se decidiu julgar o respectivo pedido improcedente, com absolvição do mesmo.

Da referida sentença, interpôs a A. recurso de apelação. Porém, não produziu as respectivas alegações e desistiu do mesmo, o que foi admitido.

Mas requereu, nos termos do art. 269.º do CPCivil, a intervenção principal provocada, como associada da A., de EE - Combustíveis de Setúbal, L.da.

O referido pedido foi inicialmente indeferido, mas por Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23.10.2003, foi decidido que o mesmo era tempestivo e ordenada a substituição do despacho por outro que se pronunciasse sobre a sua admissão, tendo sido deferida a requerida intervenção principal provocada, mas nomeando representante especial à sociedade, visto que o 1.º R. é o único gerente da EE. Desse despacho agravaram os RR., recurso que foi admitido com efeito não suspensivo.

Citada a EE, esta nada disse.

A final veio a ser proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente, condenando os RR. BB e DD, a pagarem, solidariamente, à sociedade EE - Combustíveis de Setúbal, Lda., a quantia de 185.000.000$00 = € 922.776,11, acrescida de juros de mora, às sucessivas taxas a que se refere o art. 559.º n.º 1 do CCivil, desde a citação e até integral pagamento e absolvendo a Ré CC, do pedido.

Inconformados, com esta sentença, apelaram os RR. condenados, recurso que foi admitido.

Por acórdão da Relação de Lisboa foi decidido: "a) julgar improcedente a apelação quanto ao fundamento da falta de especificação de receitas; b) mandar baixar os autos ao tribunal da 1.ª instância para que seja suprida a irregularidade da fundamentação das respostas aos quesitos 16º a 19º, 21º, 22º e 24º a 39º, pelo mesmo juiz que proferiu a decisão recorrida, mediante a especificação dos documentos constantes das pastas acima referidas que foram decisivos para cada uma dessas respostas; c) não tomar, por ora, conhecimento das demais questões postas.

Com custas a final." Por ao tempo ainda não ter sido admitido o recurso de agravo interposto pela autora, o STJ por acórdão de fls. 1804 a 1807 v. decidiu: "a) revogar o acórdão na parte em que julgou improcedente a apelação quanto ao fundamento da falta de especificação das receitas; e b) determinar que na 1.ª instância se despache o requerimento de interposição do recurso de fls. 426, prosseguindo-se os posteriores termos legais." Voltando os autos à 1.ª instância, foi o dito recurso de agravo admitido, mas a Relação negou-lhe provimento, acórdão este que o STJ confirmou, como já aqui se referiu supra.

E, por o acórdão do STJ de fls. 1804 a 1807 v supra referido ter revogado a decisão recorrida, na parte em que julgou improcedente a apelação quanto ao fundamento da falta de especificação de receitas, decidiu que o processo baixasse à 1.ª instância para ser suprida a irregularidade da fundamentação das respostas a alguns quesitos, para depois o processo regressar à Relação para apreciar a apelação e pronunciar-se sobre as demais questões suscitadas, conforme foi decidido no supra referido acórdão da Relação.

Voltando de novo os autos à 1.ª instância, esta procedeu à fundamentação que consta do despacho de fls. 2032 a 2033 e, na sequência deste despacho, o processo regressou de novo à Relação, pelas razões supra expostas.

A Relação veio a julgar parcialmente procedente a apelação interposta pelos legais sucessores da autora habilitados, e, consequentemente, alterar a decisão sobre a matéria de facto quantos aos quesitos 42º, 43º e 48º, mas, no mais, confirmando a sentença recorrida.

Desta decisão recorre o R. s AA., de revista, para este STJ, recurso que foi admitido.

O R. conclui as suas alegações do seguinte modo: 1.ª A acção objecto do presente recurso é uma típica acção de responsabilização de gerentes como se prova pelo facto de a indemnização ter sido arbitrada a favor da sociedade EE de que o recorrente era, à data, gerente.

  1. Nessa acção AA sempre figurou como Autor até ao infeliz despacho de 12 de Janeiro, altura em que, por iniciativa do Ex.mo Juiz do processo, foi substituído pela herança indivisa por óbito de FF.

  2. Não é difícil de perceber que esta substituição teve unicamente em vista assegurar a legitimidade activa, uma vez que este tipo de acções só pode legalmente ser proposta por sócio que detenha, pelo menos, 5 % do capital social, condição que o AA nunca preencheu, mas que a herança indivisa satisfazia.

  3. Procurou o douto Acórdão recorrido justificar a substituição a coberto de mera interpretação da petição inicial, interpretação que, todavia, é claramente desmentida por todo o processado anterior, designadamente: requerimento de arresto prévio, despacho que decretou a providência, mandato judicial conferido ao Ex.mo mandatário do autor, pedido de apoio judiciário, referências feitas na petição inicial à família do autor (art.s 1º e 3º), situação de desemprego do autor, doenças e profissão do autor (art. 43º), apoios recebidos pelo autor da mãe e irmãos (art 44º), o que demonstra à saciedade, que o autor seria a pessoa singular concretamente definida no cabeçalho da petição inicial e não uma entidade abstracta como é o caso da herança indivisa.

    Assim, 5.ª Não só a substituição é legalmente inaceitável, por ofensiva do princípio da estabilidade da instância, como camuflou uma evidente ilegitimidade activa que não pode agora deixar de ser apreciada.

    Por outro lado, 6.ª A intervenção da EE foi admitida depois de ter sido notificada, e de ter transitado em julgado, a decisão final proferida em primeira instância, uma vez mais com o exclusivo propósito de impedir outra ilegitimidade activa, nas circunstâncias com manifesto prejuízo do princípio basilar em processo civil segundo o qual, salvo raras excepções que ao caso não interessam, o poder jurisdicional do juiz se esgota com a prolação da sentença.

  4. Encontra-se provado nos autos que a venda do "Casal ..." foi decidida em assembleia geral da EE, circunstância que impede, em qualquer caso, a responsabilização dos gerentes por prejuízos emergentes da venda como resulta do nº 4 do art. 72º do CSC, disposição que o douto Acórdão recorrido...

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