Acórdão nº 08P2504 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Novembro de 2008
Magistrado Responsável | MAIA COSTA |
Data da Resolução | 05 de Novembro de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. RELATÓRIO AA Procurador da República, foi julgado no Tribunal da Relação de Lisboa e condenado como autor dos seguintes crimes: - um crime de dano, do art. 212°, n° l do Código Penal (CP), na pena de 200 dias de multa à taxa diária de 10 €; - um crime de coacção contra órgãos constitucionais, do art. 333°, n° l do CP, na pena de 2 anos de prisão; - um crime de maus tratos, do art. 152°, n° 2 do CP, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão.
Em cúmulo das penas de prisão, foi o arguido condenado na pena única de 3 anos e 10 meses de prisão, que foi suspensa pelo mesmo período.
Deste acórdão o arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça (STJ), concluindo a sua motivação desta forma: 1. O Tribunal da Relação de Lisboa condenou o ora recorrente como autor material de um crime de dano p. e p. pelo art. 212º, nº 1, na pena de multa de 200 dias à razão diária de 10€; como autor material um crime de coacção contra órgãos constitucionais p. e p. pelo art. 333º, nº 1 do C.P. na pena de 2 anos de prisão; e como autor material de um crime de maus tratos p. e p. pelo art. 152°, nº 2 do C.P. na pena de 2 anos e 9 meses, em virtude da alteração não substancial dos factos operada na audiência de discussão e julgamento de dia 27 de Fevereiro de 2008.
-
Operando o cúmulo jurídico foi o ora recorrente condenado na pena única de 3 anos e 10 meses suspensa por igual período ao abrigo no disposto no art. 50° do C.P.
-
Sucede, porém, que a prova produzida em audiência não permitia que se tivesse dado como provados determinados factos os quais inquinam de forma indelével a solução jurídica a que chegou o tribunal "a quo": 4. O tribunal "a quo" nos termos do art, 412°, nº 3, alínea a) do CPP julgou incorrectamente provados os seguintes factos que se identificam a negro e em sublinhado segundo a numeração seguida no acórdão condenatório: 6. O relacionamento entre o Arguido e a Dra. BB foi reatado na noite do dia 5 para 6 de Março de 2006, data em que retomaram a vida em comum.
-
No dia 6 de Março de 2006, segunda-feira, às 10.57h, de uma cabine telefónica com o número ............, situada na R. Gomes Freire, o Arguido ligou para o Tribunal da Boa-Hora, através do número ...........
-
Esta chamada telefónica foi atendida por DD, telefonista no Tribunal da Boa-Hora, a quem o Arguido, que não se identificou, pediu para passar a chamada para a 5ª Vara, 3a Secção, utilizando a expressão: "ligue-me para a quinta terceira".
-
Feita a transferência da chamada, e sendo a mesma atendida por CC, funcionária judicial, o Arguido, sempre sem se identificar, utilizando um tom de voz muito alto e falando de forma muito rápida, disse: "Diga ao colectivo da 5ª Vara que está aí uma bomba na sala".
-
O Arguido agiu da forma descrita bem sabendo que impedia o normal funcionamento do julgamento que decorria na 5ª Vara, e de todos os outros julgamentos ou diligências que se estivessem a realizar naquele edifício, durante aquele lapso de tempo.
-
Ainda nesse dia, às 13.10h, duma cabine telefónica com o número ........., situada nos Armazéns do Chiado, o Arguido telefonou para o telefone fixo número ..............., instalado no Restaurante "Central da Baixa", onde as senhoras Juízas, que constituíam o Colectivo da 5ª Vara, se encontravam a almoçar, dizendo, para o empregado do estabelecimento que atendeu a chamada, que se encontrava uma bomba no local.
-
O Arguido agiu como descrito de molde a criar à Dra. BB uma situação de perturbação e intranquilidade que facilitasse a reaproximação e o reatar da relação, o que conseguiu.
-
Esta factualidade considerada assente no acórdão não tem suporte na prova produzida em audiência que o tribunal "a quo" - na fundamentação daquela decisão - reputou determinante para a formação da sua convicção.
-
A prova produzida em audiência (ou a sua completa ausência) não permitia que o tribunal a quo desse como assente a factualidade supra exposta e que assume extrema relevância na decisão sub judice.
-
Acresce que, perante a prova produzida em audiência de julgamento, o tribunal a quo deveria ter dado como provados outros factos que se afiguram de importância fundamental para a boa solução e compreensão da causa e que foram alegados em sede de Contestação, mas que, ao invés, foram incorrectamente dados como não provados.
Tais factos são os seguintes, cujas passagens se identificam a sublinhado e negrito: 111.
A causa da conduta do Arguido residia na dualidade de sentimentos relativamente à Dra. BB.
-
O Arguido soubesse que uma investigacão policial sumária e incipiente permitiria imediatamente detectar a origem dos telefonemas a partir do momento em que a visada, Dra. BB, participasse o que se estava a passar à entidade policial competente e mesmo após saber que a Polícia Judiciária se achava a investigar a situacão por solicitacão da Dra. BB.
-
No exercício das suas funcões na Polícia Judiciária competia-lhe, entre outras coisas, despachar os pedidos de intercepcões telefónicas, acompanhando muitas vezes as mesmas, o que lhe deu um conhecimento muito especial de todos os mecanismos relacionados com as escutas telefónicas, nomeadamente o seu alcance e meios de deteccão e listagem retroactivos.
-
A Dra. BB era o objecto absoluto da paixão do Arguido, mas, simultaneamente, este via-a como a responsável pela ruína em que a sua vida se havia tornado.
-
No início de Março de 2006 o Arguido estava exausto, vivenciando um episódio psicótico, de intensidade e duração muito concentradas, no contexto de grande pressão e tensão emocional, o que lhe afectara as capacidades de avaliação e determinação.
-
No decurso daquele período de três semanas o Arguido viu-se mergulhado num quadro de dualidade, oscilando entre os actos afectivos e amorosos próprios de uma relacão que profundamente desejava e os actos de natureza oposta, agressivos e ameaçadores, visando estranhamente a pessoa amada, cujo desvalor bem conhecia e que não desejava mas que, ainda assim, se sentia impelido a concretizar e que não era capaz de controlar.
-
Deste modo, durante todo período a que respeitam os factos dos autos, o Arguido não definiu qualquer enredo ou estratégia pré-determinada antes actuou sempre ao sabor dos impulsos que a cada momento se manifestaram e que não foi capaz de controlar.
-
A relacão que manteve com a Dra. BB foi causadora de estados de depressão grave do Arguido, que determinou que este tivesse sido acometido de estados de prostração, os quais determinaram o recurso deste a ajuda psiquiátrica.
-
Os elementos de prova que nos termos do artigo 412º, nº 3, alínea b) e nº 4 do C.P.P. permitem considerar os factos dados como assentes incorrectamente julgados bem como o aditamento de outros são os seguintes: - Declarações do Arguido AA prestadas em audiência de julgamento nos dias 5-12-2007 e 12-03-2008, encontrando-se as mesmas gravadas na Cassete 1, Lado A e Lado B de rotações 1 a 603 e Cassete 1, Lado A rotações 1363 a 1930 respectivamente; - Depoimento da testemunha Dra. EE, prestado em audiência de julgamento nos dias 5-12-2007, encontrando-se o mesmo gravado na Cassete 1, Lado B de rotações 602 a 0 e Cassete 2, lado A, rotações 0 a 1349; - Depoimento da testemunha Dra. BB, prestado em audiência de julgamento nos dias 5-12-2007 e 12-03-2008, encontrando-se o mesmo gravado na Cassete 2, Lado A e Lado B de rotações 1411 a 677 e Cassete 1, lado A, rotações 100 a 1354, respectivamente; - Depoimento da testemunha DD, prestado em audiência de julgamento no dia 19-12-2007 encontrando-se o mesmo gravado na Cassete 4, Lado A rotações 148 a 150; - Depoimento da testemunha CC, prestado em audiência de julgamento no dia 19-12-2007 encontrando-se o mesmo gravado na Cassete 4, Lado A rotações 161 a 180; - Depoimento da testemunha FF, prestado em audiência de julgamento no dia 07-01-2008 encontrando-se o mesmo gravado na Cassete 5, Lado A rotações 2220 a Lado B rotações 1230; - Depoimento da testemunha GG, prestado em audiência de julgamento no dia 07-01-2008 encontrando-se o mesmo gravado na Cassete 6, Lado A rotações 1254 a 1765; - Depoimento do perito HH, prestado em audiência de julgamento no dia 17-01-2008 encontrando-se o mesmo gravado na Cassete 7, Lado A e B rotações 0 a 868; - Depoimento da perita II, prestado em audiência de julgamento no dia 17-01-2008 encontrando-se o mesmo gravado na Cassete 8, Lado A rotações 000 a 292; - Ofício da Portugal Telecom junto em audiência de julgamento de 28 de Janeiro de 2008 - vide acta de julgamento - onde se dá a conhecer a existência de mais de 20 postos de telefones públicos entre a casa do recorrente e o Tribunal da Boa-Hora; - Relato de diligência externa de fls. 250 dos autos; - Relatórios periciais juntos aos autos a fls. 681 a 734; 9. No que concerne à alegada retoma da vida em comum do casal que o tribunal recorrido dá como provado no facto 6, supra impugnado, a verdade é que tal facto se encontra incorrectamente julgado por não corresponder à prova produzida em julgamento, 10. Pois, quer do depoimento da Dra. BB prestado em audiência de julgamento no dia 12-03-2008 encontrando-se o mesmo gravado na Cassete 1, Lado A, rotações 100 a 1354, quer das declarações do recorrente, Dr. ....... prestadas em audiência de julgamento no dia 12-03-2008 encontrando-se as mesmas gravadas na Cassete 1, Lado A rotações 1363 a 1930, se retira que o relacionamento de ambos existiu até 25 de Janeiro de 2006, data em que deixaram de fazer vida em comum - cfr. decorre também do ponto 5 dos factos dados como provados.
-
A tentativa de reatamento da relação na noite do dia 5 para 6 de Março de 2006 não foi conseguida, pois não foi materializada em actos concretos que permitam afirmar o retorno da vida em comum.
-
Com o fim da relação da Dra. BB com o Dr. AA 25 de Janeiro de 2006, este conforme explicou ao tribunal recorrido levou da casa daquela todos os seus pertences pessoais que lá se encontravam, tendo arrendado uma casa para si.
-
Porque ambos os...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO-
Acórdão nº 505/15.9GAPTL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Setembro de 2017
...e da sua dignidade humana”, cfr. Taipa de Carvalho, ob. e loc. cit.. Na mesma linha vide Ac. STJ de 05.11.2008, in www.dgsi.pt, processo 08P2504 “o bem jurídico protegido nesta incriminação, tendo em conta até a sua inserção sistemática no Título I do CP (“Crimes contra as pessoas”), é a pe......
-
Acórdão nº 2/20.0GEBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Julho de 2021
...e da sua dignidade humana”, cfr. Taipa de Carvalho, ob. e loc. cit.. No mesmo sentido vide Ac. STJ de 05.11.2008, in www.dgsi.pt, processo 08P2504 “o bem jurídico protegido nesta incriminação, tendo em conta até a sua inserção sistemática no Título I do CP (“Crimes contra as pessoas”), é a ......
-
Acórdão nº 505/15.9GAPTL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Setembro de 2017
...e da sua dignidade humana”, cfr. Taipa de Carvalho, ob. e loc. cit.. Na mesma linha vide Ac. STJ de 05.11.2008, in www.dgsi.pt, processo 08P2504 “o bem jurídico protegido nesta incriminação, tendo em conta até a sua inserção sistemática no Título I do CP (“Crimes contra as pessoas”), é a pe......
-
Acórdão nº 2/20.0GEBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Julho de 2021
...e da sua dignidade humana”, cfr. Taipa de Carvalho, ob. e loc. cit.. No mesmo sentido vide Ac. STJ de 05.11.2008, in www.dgsi.pt, processo 08P2504 “o bem jurídico protegido nesta incriminação, tendo em conta até a sua inserção sistemática no Título I do CP (“Crimes contra as pessoas”), é a ......