Acórdão nº 07P3394 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Setembro de 2008

Magistrado ResponsávelRODRIGUES DA COSTA
Data da Resolução25 de Setembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. RELATÓRIO 1.

    O Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto veio interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que confirmou a decisão do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Penafiel, que absolveu o arguido AA da prática do crime de emissão de cheque sem provisão, previsto e punido pelo art. 11.º, nº 1, alínea b) do DL 454/91, de 28 de Dezembro, com fundamento em que: - não ocorreu prejuízo patrimonial e, para além disso, - que o cheque não foi pago por ter sido comunicado falsamente pelo arguido ao banco sacado que o mesmo se havia extraviado e que, "do elenco legal dos motivos concretos do não pagamento, conforme art. 11.º, n.º 1, alínea b) do DL 316/97, de 19/11 (levantamento de fundos, proibição à instituição sacada do pagamento do cheque, encerramento da conta sacada ou alteração das condições da sua movimentação) não consta o falso extravio (que não se encaixa com propriedade em nenhum dos sobreditos casos típicos), pelo que também com este fundamento inexistiria motivo para condenar o arguido pelo crime de emissão de cheque sem provisão. Alega o recorrente que este acórdão está em oposição com outro, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 10/12/98 sobre a mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação, concluindo: 1- Pelo acórdão recorrido proferido em 07/02/07 no processo n.º 2286705 da 1.ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto (em apenso), foi julgado que a conduta do arguido que falsamente comunica ao banco o extravio do cheque anteriormente emitido e entregue, proibindo dessa forma o seu pagamento, não integra o ilícito típico previsto no art. 11.º, n.º 1, alínea b) do DL n.º 316/97, de 19/11, não podendo o arguido ser punido pelo crime de emissão de cheque sem cobertura; 2- Pelo acórdão fundamento proferido em 10/12/98 pelo Supremo Tribunal de Justiça, no recurso julgado no processo comum colectivo n.º 13/98.0TBMDL, do Tribunal Judicial de Mirandela, foi considerado que a conduta do arguido que age dessa forma deve ser integrada nesse regime, devendo ser condenado pela prática do crime de emissão de cheque sem provisão.

    3- Entre os acórdãos verifica-se, pois, oposição relativamente à mesma questão de direito, tendo ambos sido proferidos no âmbito da mesma legislação, ou seja, na vigência do DL n.º 454/91, de 28/10, com a redacção introduzida pelo DL n.º 316/97, de 19/11; 4- A questão a resolver no presente recurso é a de saber se a conduta acima descrita integra a previsão da alínea b) do art. 11.º do DL 316/97, de 19/11.

    5- Do acórdão recorrido não é admissível recurso ordinário, tendo o mesmo transitado em julgado (art. 400.º, n.º 1, alínea e) e 411.º do CPP).

    6- O presente recurso é o próprio (art. 437.º, n.º 2), é interposto tempestivamente (art. 438.º, n.º 1), tendo para ele o Ministério Publico legitimidade (art. 437.º, n.º 1, todos do CPP).

    7- Devendo, na sua procedência, ser fixada jurisprudência obrigatória.

    1. Foram juntas certidões dos acórdãos recorrido e fundamento, com nota do respectivo trânsito em julgado.

    2. Admitido o recurso, os autos subiram a este Supremo Tribunal, tendo o Ministério Público, na vista que teve dos autos (art. 440.º n.º 1 do CPP) emitido parecer no sentido de ocorrerem os pressupostos legais para o prosseguimento dos autos como recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.

    3. Proferido despacho liminar e colhidos os necessários vistos, teve lugar a conferência a que se refere o art. 441.º do CPP, na qual foi decidido, por acórdão de 28/10/2007, ocorrer oposição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento.

    4. Notificados os sujeitos processuais nos termos do art. 442.º n.º 1 do CPP, alegou apenas o M.º P.º .

      Começou por se debruçar sobre os pressupostos do recurso e, nomeadamente, sobre a oposição de acórdãos, que entendeu incidir fundamentalmente sobre a questão de saber se do não pagamento de cheque por motivo de falsa comunicação de extravio ao banco sacado, por parte do arguido, resultaria ou não o preenchimento do tipo legal de crime de cheque sem provisão, uma vez verificados os restantes elementos típicos, já que a questão de não ocorrência de prejuízo teve dois votos de vencido, o que significa que a única questão subsistente é a referida. Passou depois em revista as várias posições doutrinais e jurisprudenciais sobre a matéria, sopesando os argumentos de um lado e do outro e concluindo, por fim, com a seguinte proposta de decisão: Verificados que sejam todos os restantes elementos constitutivos do tipo de ilícito, integra o crime de cheque sem provisão previsto na alínea b) do n.º 1 do art. 11.º do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 316/97, de 19 de Novembro, a conduta do sacador de um cheque que, após emissão deste, falsamente comunica por escrito ao banco sacado que o cheque se extraviou, e assim determina o banco a recusar o seu pagamento com esse fundamento.

    5. Como se decidiu no acórdão interlocutório e resulta nítido do ponto 1.

      do antecedente relatório, é patente a oposição dos acórdãos que polarizam o conflito de jurisprudência aqui sub judicio.

      Os acórdãos em oposição transitaram em julgado e foram proferidos no âmbito da mesma legislação.

      Assim, nada obsta ao prosseguimento deste recurso, com vista à solução do referido conflito de jurisprudência.

  2. FUNDAMENTAÇÃO 8. A questão 8.1.

    A questão diz respeito a saber se, verificados os restantes elementos constitutivos do tipo de ilícito, a recusa de pagamento de um cheque por motivo de falsa comunicação de extravio, por escrito dirigido ao banco sacado pelo arguido/sacador e já depois de este ter emitido e entregue o título, preenche ou não o tipo legal de crime de cheque sem provisão, previsto no art. 11.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei n.º 316/97, de 19 de Novembro.

    Na verdade, esta é a única questão sobre que verdadeiramente incide o conflito jurisprudencial, já que a questão de não ocorrência de prejuízo, que também serviu de fundamento à confirmação da decisão de absolver o arguido, afinal só teve o voto favorável do Desembargador-Relator, tendo os dois Desembargadores-Adjuntos votado contra, o que significa que a parte da decisão que fez vencimento por maioria foi a que se conexiona com a confirmação da absolvição por se ter considerado que a recusa do pagamento do cheque pelo banco sacado, por força da comunicação escrita que lhe foi feita pelo arguido/sacador do seu extravio, que se verificou ser falso, não se integra no elenco dos motivos concretos do não pagamento constantes do art. 11.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 454/91, na redacção do Decreto-Lei n.º 316/97 (levantamento de fundos, proibição à instituição sacada do pagamento do cheque, encerramento da conta sacada ou alteração das condições da sua movimentação). 8.1.

    No acórdão recorrido estava em causa a seguinte matéria de facto: No dia 19 de Setembro de 2003, o arguido voluntariamente preencheu, assinou e entregou à sociedade "J..., Lda" o cheque junto a fls.3, com o n,° 70000000, sacado sobre a agência do BNC - Banco Nacional de Crédito Imobiliário, da Antas, Porto, no montante de €16.837; Tal cheque foi entregue pelo arguido e destinava-se ao pagamento de material e serviços de serralharia que a ofendida prestou à sociedade "JA.... - Construções, Lda", da qual o arguido era sócio gerente, serviços esses que deveriam ter sido pagos em Maio de 2002. Apresentado a pagamento na agência de Penafiel do "Banco Comercial Português, SA", foi o mesmo devolvido em 23 de Setembro de 2002 com a inscrição no verso de "chq. Ver. Extravio", no local do motivo da devolução; Na verdade; por declaração datada de 5 de Setembro de 2003, o arguido comunicou ao banco o extravio do referido cheque, apesar de tal comunicação não corresponder à realidade e, apesar disso, emitiu o cheque em causa.

    Conforme consta da declaração cuja cópia se encontra a fls. 71, o arguido formulou, na referida data, um pedido ao banco nos seguintes termos:"solicito a anulação dos cheques com os seguintes números 500000 e 5000000 por motivo de extravio.

    O arguido actuou de forma livre e consciente, com intenção de impedir o pagamento do cheque dos autos, sabendo que, em consequência da emissão da referida declaração, ao emitir o cheque ia dar azo a que a ofendida não recebesse o montante de, pelo menos, €16.837, o que aconteceu, ao que foi indiferente.

    Sabia que a sua conduta era proibida por lei.

    (...) 8.1.1.

    Perante esta matéria de facto, já vimos como a questão foi decidida. A solução está escassamente fundamentada, limitando-se praticamente ao enunciado já exposto de que o comportamento do arguido sacador, comunicando falsamente ao banco sacado o extravio do cheque apresentado a pagamento e motivando com isso a recusa do seu pagamento por parte do banco "não cabe no elenco legal dos motivos concretos do não pagamento indicados no art. 11.º, n.º 1, alínea b) do DL 316/97, de 19/11".

    Por conseguinte, considerou-se que tal comportamento do arguido não preenchia nenhuma das condutas típicas referenciadas no tipo legal, particularmente no que diz respeito às que aparecem descritas naquela alínea b) do n.º 1 do art. 11.º.

    Esta posição não é isolada, embora seja escassa a jurisprudência que a corrobora, como iremos ver mais adiante (infra, 11.1.

    ).

    8.2.

    No acórdão-fundamento, partiu-se da seguinte matéria de facto: Os arguidos, na qualidade de legais representantes da sociedade "A.. & R... Lda, com sede em Mirandela, agindo previamente combinados e em conjugação de esforços, com datas de 15/12/95, 15/01, 15/02, 15/03, 15/05 e 15/06 de 1996, preencheram, assinaram e entregaram à legal representante da "A...C... & Filhos Lda", T...C..., os cheques n°s 84000000, 750000000, 6600000000, 1400000005, 9300000000, cada um deles no montante de 938.000$00, e n° 200000000 no montante de 888.000$00, todos sacados sobre o Finibanco...

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