Acórdão nº 07S4752 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Julho de 2008
Magistrado Responsável | SOUSA GRANDÃO |
Data da Resolução | 02 de Julho de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório: AA intentou a presente acção emergente de contrato de trabalho contra BB de Ovar, SA, peticionando que fosse reconhecido como ilícito e abusivo o seu despedimento e seja a R. condenada a pagar-lhe: - as retribuições vencidas desde os 30 dias anteriores à propositura da acção até à data da sentença, incluindo 10% de regalias, no montante mensal de 706,96 euros; - uma indemnização por despedimento, calculada pela fórmula proposta para outros quadros superiores ou, em alternativa, pela fórmula legal; e - uma indemnização por danos não patrimoniais, bem como o valor pago na aquisição da viatura e dispêndios de telemóvel; tudo acrescido de - juros à taxa legal com vencimento, nas prestações vincendas, a partir da data do vencimento de cada prestação e, nas indemnizações e restantes pedidos, desde a citação, computando o valor global do pedido em 625.774,16 euros.
Para tanto alegou, em síntese: que trabalhou para a Philips Portuguesa desde 01/09/1970 e até 31/10/2003, data em que foi despedido; que a Philips foi cindida em 5 sociedades, uma das quais a ora R., para quem o A. ficou a trabalhar no departamento POM; que o Sr CC da Philips Internacional promoveu a venda do departamento POM a outra empresa, pedindo ao A para encabeçar a operação; que foi indicada como interessada a IPTE, que vinha cumulando prejuízos; que em 03/07/03 o Sr. CC comunicou ao A que o seu contrato de trabalho seria transmitido para esta empresa; que o A. manifestou apreensão e que pretendia uma indemnização pela cessação do seu contrato; que os restantes trabalhadores subscreveram um abaixo-assinado manifestando a sua indisponibilidade para fazerem parte de outra sociedade sem antecipadamente lhes serem liquidados determinados créditos; que em 14/07/03, a R. suspendeu o A., alegando que lhe ia mover um processo disciplinar, como fez, sob o pretexto de que ele teria obstaculizado o negócio e insurgido contra a participação do Eng. EE, o que não correspondia à verdade; que também foi acusado de ter entregue um documento ao representante da IPTE, cujo conteúdo se recusou a revelar, mas que tal documento mais não era do que o currículo pessoal e apenas o não entregou à R. por ter sido proibido de entrar na empresa antes de expirar o prazo dado pelo Sr. CC para o fazer; que o despedimento foi assim abusivo, assistindo-lhe os direitos que contabiliza.
Realizada a audiência de partes, o A.
agravou do despacho proferido na respectiva acta, a indeferir a arguição da irregularidade do mandato conferido pela R. ao seu mandatário judicial.
Na contestação apresentada, a R. impugnou os factos alegados na petição inicial e invocou, em síntese: que o A. não podia, como fez, obstar aos negócios da empresa, revelar aspectos negociais que lhe foram transmitidos sigilosamente, incitar os outros trabalhadores contra a entidade patronal, insultar representantes desta e desobedecer a ordens de superiores hierárquicos; que, por tais violações culposas e graves de deveres laborais, designadamente os de lealdade, respeito e obediência, o A., que era uma chefia de topo, perdeu toda a confiança da administração e lesou interesse patrimoniais sérios da empresa que não podia mantê-lo ao seu serviço e também nada lhe deve.
Procedeu-se a julgamento, vindo o A. no seu decurso a requerer a rectificação do valor remuneratório alegado na petição inicial (de 8.837,15 para 9.720,87) e, consequentemente, a conclusão do seu pedido, rectificação que foi atendida (acta a fls. 1077) Interpôs ainda recurso de agravo do despacho proferido a fls. 764/765 que indeferiu o incidente de impugnação da testemunha da R. CC.
Realizada a audiência e fixada a matéria de facto (fls. 1079 e ss.), foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu a R. dos pedidos formulados pelo A.
Interposto recurso de apelação pelo A., o Tribunal da Relação do Porto não apreciou o primeiro agravo (relativo à irregularidade do mandato) uma vez que o recorrente revelou já não ter interesse na sua apreciação, vindo a julgar improcedentes, quer o agravo interposto no decurso da audiência (relativo à impugnação da testemunha), quer a referida apelação, confirmando a sentença recorrida.
Deste acórdão da Relação o A. interpôs recurso de revista, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1.ª - O acórdão recorrido não apreciou o recurso sobre matéria de facto, sob o fundamento de que se pretendia um segundo julgamento de toda a matéria e de que, não havendo erros grosseiros apontados (só estes seriam passíveis de recurso), prevalecia o julgamento da 1.ª instância pela sua imediação e oralidade; 2.ª - Tais fundamentos não são verdadeiros (o primeiro) e juridicamente inaceitáveis (o segundo), 3.ª - Tanto assim que o recorrente destaca os pontos de facto com que não concorda e declara aceitar grande parte dos factos que representam a realidade com pequenas nuances (II e III das alegações da apelação); 4.ª - Uma interpretação limitativa do disposto na alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do art° 712° do CPC seria ferida de inconstitucionalidade orgânica, por se basear no preâmbulo do DL n° 39/95, de 15 de Fevereiro, que alterou esse artigo, sem uma expressão legal e feriria também o art° 20° da CR, numa interpretação restritiva do art° 655°, n.º 1, limitando o recurso sobre matéria de facto a erros grosseiros e por tomar inútil o recurso, fazendo uma interpretação desrazoável e desproporcionada do art° 690.º-A do CPC, em violação da garantia constitucional do art° 18°, n° 2, da CR; 5.ª - Os factos reclamados por omissão (rubricas III e VI das alegações da apelação) devem ser considerados provados; 6.ª - Os factos que representam a alegação da recorrida, identificados nessas alegações como sendo os dos n.ºs 1 a 45, com as ligeiras alterações e acrescentos suscitados, estão em oposição com os factos numerados de 46 a 130 e estes, além de em grande parte conclusivos, não merecem crédito por assentarem na prova (exclusiva) do Sr. De CC, representante da gestora da dona do capital social da R. e que se impõe a ela própria e contra documentos por ele elaborados; 7.ª - A justa causa invocada para o despedimento é, de todo o modo, insubsistente por falta de fundamentação e, tendo sido feito em consequência do exercício de oposição à transmissão do seu contrato de trabalho por venda do departamento em que trabalhava, o despedimento é abusivo, nos termos do art° 32, n.º 1, alínea d) e n° 2, da LCT com os efeitos dos art°s 13° da LCCT e 34°, alínea b), da LCT; 8.ª - Nem se diga (na versão da R., que não do A.) que injuriou o Eng. EEe desobedeceu a ordem, pois que se tratou (trataria) de uma atitude emotiva e impensada, tipo desabafo explodido, dentro do nervosismo e descontentamento da transmissão do seu contrato de trabalho contra a sua vontade e sem garantias patrimoniais e de continuidade no hipotético adquirente; 9.ª - Ao contrário do que o acórdão recorrido defende, as directivas comunitárias devem ser acatadas, pelo menos no que dispõem e consagram como orientação aos Estados Membros; l0.ª - Assiste ao A. o direito a receber as retribuições perdidas pelo despedimento e a competente indemnização pelo despedimento e o valor despendido com o telemóvel durante o período da suspensão preventiva e o valor acrescentado do automóvel devolvido.
Termos em que deve o recurso merecer provimento e ser revogado o acórdão recorrido, ordenando-se a apreciação da matéria de facto tal como requerido nas alegações do recurso de apelação ou condenar-se a R. no pedido. * A recorrida contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e invocando ainda que o recorrente não cumpriu o ónus de indicar as normas legais que considera desaplicadas com a decisão recorrida.
* A Exma. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer - a que o A. respondeu, em termos discordantes - no sentido de que a revista não merece provimento.
* Com respeito à censura da R., reportada à omissão alegatória do A. sobre as normas pretensamente violadas, afigura-se-nos desnecessário proceder ao convite a que alude o art. 690.º, n.º 4 do CPC: reconhecendo embora que o núcleo conclusivo não é absolutamente claro na vertente censurada, a verdade é que o recorrente não deixa de indicar as referidas normas - vide as conclusões 4.ª e 7.ª - sendo possível ao tribunal extrair dessas conclusões, conjugadas com o corpo alegatório propriamente dito os preceitos jurídicos que, na perspectiva do recorrente, se mostram infringidos.
Colhidos os "vistos" legais, cumpre decidir.
* * II. O Tribunal da Relação considerou provada a seguinte factualidade: 1) O A. foi admitido ao serviço da Philips Portuguesa, SA, em 1.9.1970, para lhe prestar serviço sob a sua autoridade e direcção.
2) No dia 20.3.2002, a Philips Portuguesa, SA, cindiu o seu património em cinco sociedades, entre elas a R., para ela se transferindo o estabelecimento industrial onde o A. prestava serviço e, em consequência, o seu contrato de trabalho.
3) O capital social da R. foi realizado com bens do activo social e está representado por duas mil acções ao portador e nominativas reciprocamente convertíveis.
4) A Philips Internacional (Koninklijke Philips Electronics, NV) é a detentora de todo o capital social da R. e é ela quem dirige o seu destino, nomeia a sua administração e lhe determina a actividade.
5) A Philips Internacional nomeou o seu vice-presidente Snr. e CC para a representar nas empresas cindidas.
6) O Snr. De CC, no uso de poderes de alienação, promoveu a venda do departamento POM (Philips Ovar Mechanization) da R. a outra empresa estranha ao Grupo Philips.
7) Por e-mail de 20.6.2003, enviado da Holanda, o Snr. De CC informou o A., pedindo--lhe confidencialidade, de que estava a tratar da alienação da POM à IPTE, que se mostrava interessada, e o demais que consta daquele e-mail, documentado a fls. 161, traduzido a fls. 430 e aqui dado por integralmente reproduzido.
8) O Departamento POM é gerido por um...
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