Acórdão nº 08S1156 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelBRAVO SERRA
Data da Resolução18 de Junho de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I 1.

Pelo Tribunal do Trabalho da Figueira da Foz instaurou AA contra a Associação Naval 1º de Maio, acção de processo comum, solicitando que fosse declarada a ilicitude do despedimento do autor levada a efeito pela ré e a condenação desta a pagar-lhe € 6.232,91, a título de indemnização por esse despedimento, € 3.800, a título de férias não gozadas, € 10.000, a título de prémio de «subida» de divisão, € 10.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais, além de juros.

Para tanto, invocou, em síntese, que: - - o autor, em 23 de Agosto de 2004, foi contratado pela ré - que é uma colectividade desportiva que disputa o campeonato nacional de futebol da Liga de Honra - para, sob autoridade e direcção desta, prestar a actividade de futebolista mediante a retribuição líquida de € 34.200, paga em nove prestações, com início em 1 de Setembro de 2004 e termo em 31 de Maio de 2005, a que acresciam € 300 mensais, a título de comparticipação na renda de casa, tendo ainda direito a € 10.000 caso a ré, durante a vigência do contrato, «subisse» à Super Liga; - na sequência de um incidente durante um treino com um colega de equipa, a ré instaurou ao autor um processo disciplinar, suspendendo-o do exercício de funções, processo esse que culminou com a decisão de despedimento com invocação de justa causa; - porém, não só os factos invocados na «nota de culpa» não correspondem à verdade, como ainda a decisão de despedimento carece de fundamentação, pois que se limita a invocar que houve, de parte do autor, grave violação dos deveres do trabalhador, além de a sanção aplicada se não coadunar com a prática disciplinar da ré em casos similares; - a ré não pagou ao autor a totalidade da retribuição relativa ao mês de Abril de 2005, porquanto somente lhe pagou € 1,967,09; - tem ainda o autor direito às retribuições que deveria ter auferido até final do contrato, no montante de € 6.232,91, o quantitativo correspondente a férias não gozadas, de € 3.800, e a quantia de € 10.000, como prémio de «subida» da ré à Super Liga; - o autor, em consequência da suspensão de funções e do despedimento de que foi alvo, viu-se impossibilitado de treinar desde 5 de Maio de 2005, perdendo a boa forma física que detinha, ficando impossibilitado de jogar e ficando confrontado com o anátema do despedimento, o que o impediu de outorgar contrato de trabalho com outro clube compatível com as suas qualidades, para além de ter ficado impedido de celebrar com outros colegas, equipa técnica e direcção, o momento da «subida» de divisão, razão pela qual sofreu danos não patrimoniais que computa em € 10.000.

Após contestação da ré, que impugnou grande parte dos factos articulados pelo autor, veio, em 4 de Janeiro de 2007, a ser proferida sentença que declarou a ilicitude do despedimento do autor, dada a inexistência de justa causa para tanto, e condenou a ré a pagar-lhe € 19.441,80.

Inconformada, apelou a ré para o Tribunal da Relação de Coimbra.

Sem sucesso, porém, já que este Tribunal de 2ª instância, por acórdão de 22 de Novembro de 2007, negou provimento à apelação.

  1. Mantendo o seu inconformismo, vem a ré pedir revista, rematando a alegação adrede produzida com o seguinte núcleo conclusivo: - "1º - No caso em apreço estamos perante um contrato de trabalho desportivo da Lei nº 28/98 de 26/06 a que se aplica subsidiariamente o CCT celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, publicado no B.T.E. nº 33 de 8/9/1999 e, genericamente, o Código do Trabalho.

    1. - No caso, o jogador Recorrido celebrou com a Recorrente um contrato de trabalho desportivo enquanto praticante desportivo profissional, nos termos do disposto no artº. 2º b), daquela Lei nº 28/98, sendo que o comportamento que lhe é imputado ocorreu no período normal de trabalho, não obstante ter acontecido numa sessão de treino, que não em competição (artº. 15º da Lei nº 28/98 e 158º do Código de Trabalho).

    2. - No quadro específico dos deveres do praticante desportivo, releva o dever conformar-se com as regras próprias da disciplina e da ética desportiva (artº. 13º e) da Lei nº 28/98 e artº. 13º e) do CCT para o sector).

    3. - O jogador Recorrido no decorrer de uma jogada integrada num exercício de treino da equipa de futebol profissional da Recorrente agrediu um seu companheiro, o jogador BB, com um pontapé (factos 12, 13 e 14) violando assim os deveres do artº. 13 e), da Lei nº 28/98, 121 nº 1 do Código de Trabalho e 13 e) do CCT.

    4. - Dispõe o artº, 396º, do Código do Trabalho, que para apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e as demais circunstâncias relevantes.

    5. - O primeiro aspecto enquadrador e a especial, especialíssima, especificidade da relação laboral do praticante desportivo profissional face à relação jus laboral normal.

      1. Nesta especifica relação laboral o resultado do ‘trabalho' de uma equipa de futebol é a vitória no jogo, é, em suma, a vitória numa competição.

        Sendo que a vitória no jogo supõe que todos os (11) onze jogadores ‘trabalhadores' da equipa ‘trabalhem' conjugadamente, no mesmo sentido e com aquele comum objectivo.

        E sendo que a vitória na competição supõe que todos os (25) vinte e cinco jogadores - ‘trabalhadores' da equipa ‘trabalham' nos treinos diários e nos jogos em que participam, por forma conjugada, para aquele objectivo.

      2. Razão porque, neste sector, se é vincadamente rigoroso na disciplina, seja a disciplina de jogo, a táctica e estratégica, seja, especialmente, a disciplina ‘stricto sensu'.

        Se um jogador põe em causa as regras do regulamento disciplinar do clube nos treinos, jogos, nas relações com colegas, no cumprimento das ordens de superiores hierárquicos (treinadores, p[or] exemplo) a repercussão é imediata no grupo, comprometendo (ou podendo comprometer, se não for imediatamente reprimida!) o resultado no jogo, o resultado na competição.

      3. Depois há que considerar ainda a circunstância de por regra - como era o contrato dos autos - este contrato de trabalho se[r] de curta duração, uma época desportiva apenas, ou seja, 10 meses! Daí o rigor disciplinar que é exigido neste sector de actividade, rigor disciplinar que é a argamassa do grupo e factor potenciador do resultado visado - ganhar! d) Repare-se que esta área é tão especial que o jogador - ‘trabalhador' com conduta disciplinar grave pode ser duplamente punido - punido internamente pela sua entidade patronal (multa, suspensão, despedimento) mas também pela entidade organizadora da competição (multa, suspensão)! 7º - O segundo aspecto será enquadrar a conduta do jogador no jogo de futebol que envolve contacto físico, confronto e emoção, ocorrendo com frequência lesões resultantes daquele confronto físico.

      4. A questão é que mesmo em competição, equipa contra equipa, com muitos e valiosos interesses em jogo, há regras que disciplinam, previnem e punem o contacto físico entre adversários.

        A violação de tais regras por um qualquer jogador envolve a expulsão do jogo, porventura a suspensão por vários jogos, multa pecuniária (sanções a aplicar pela instância organizadora da competição).

        Mas a estas punições disciplinares externas, podem acrescer, e quantas vezes acrescem, sanções disciplinares internas, aplicadas pela entidade patronal sobre o jogador/trabalhador prevaricador.

      5. Ao contrário da decisão da instância, sufragada pelo Acórdão da Relação de Coimbra ora recorrido, os factos provados não suportam a conclusão de ‘exaltação' ‘descontrolo psicológico' ‘alteração psicológica momentânea' do jogador recorrido.

      6. ‘Embora nada nos indique exactamente na matéria de facto que, como se refere na sentença, a conduta do autor foi assumida num quadro de descontrolo psicológico' - lê-se no Acórdão recorrido que assim confirma que não há factos que suportem a conclusão do descontrolo psicológico.

      7. A agressão dos autos ocorreu sobre um colega de equipa, num mero exercício de treino.

    6. - O terceiro aspecto enquadrador tem a ver com as consequências da conduta do jogador no seio da equipa de futebol profissional da Recorrente.

      1. Lê-se na sentença recorrida que ‘a equipa de futebol profissional da ré não sofreu qualquer consequência pelo facto do autor ter agredido o jogador BB em 5/3/2005' e em 27) que ‘no final da época de 2004/2005, a equipa profissional da ré ascendeu à Superliga'.

      2. Note-se que até no Acórdão ora recorrido se pode ler que ‘no que toca à avaliação dos danos à actividade desenvolvida pela ré, não é possível extrair totalmente da matéria de facto a certeza de que não houve danos para a empresa ré'.

      3. Mas tal só aconteceu, não porque a conduta do Recorrido fosse irrelevante e inócua para o grupo de trabalho da Recorrente, mas antes, e isso sim!, porque ‘O director desportivo da ré, o enfermeiro ao serviço da ré e o treinador adjunto da equipa de futebol da ré - que presenciaram a agressão (FACTO Nº 15) - lavraram e entregaram à direcção da ré a participação que consta de fls. 78 dos autos' (FACTO Nº 16) e porque de imediato ‘a ré suspendeu preventivamente o autor até à conclusão do procedimento disciplinar que lhe instaurou por ter considerado que a presença do autor no grupo de trabalho se mostrava inconveniente para o bom andamento do processo, que era essa a melhor forma de salvaguardar a disciplina no seio da sua equipa de futebol e de, assim, não deixar alastrar actos que poderiam colocar em causa o objectivo prosseguido pela ré - a subida à divisão principal (Superliga) da sua equipa de futebol' (FACTO Nº 18).

    7. - Um quarto aspecto a considerar tem a ver com a prática disciplinar da empresa (clube) à luz do disposto no artº. 396º, nº 2, do Código de Trabalho.

      Releva aqui o Facto nº 19, ou seja, no decurso da época desportiva de 2004/2005 por causa de um mero confronto...

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