Acórdão nº 07P3183 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelCARMONA DA MOTA
Data da Resolução24 de Abril de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. OS FACTOS O arguido casou com APSDC em 20 de Fevereiro de 1988 e separaram-se no mês de Setembro de 2001.

    A seguir à separação, AP foi viver para casa de sua mãe, na Rua da V..., Lote 61, V... de F.... AP mantinha desde há algum tempo um relacionamento amoroso com o assistente, facto de que o arguido desconfiava antes da separação mas de que depois teve conhecimento. Durante a vivência conjunta do casal, o arguido, chegou a ameaçar AP, dizendo, designadamente, que haveria de deitar fogo à casa e acabar com ela, tendo já sido julgado e condenado por tal facto. E depois da separação, por causa do conhecimento do relacionamento dela com o assistente e por despeito, o arguido, por várias vezes, dirigiu-se a AP e ao assistente com palavras provocatórias e ameaçadoras, quer pessoalmente quer pelo telefone, dizendo, designadamente, que lhes "haveria de tirar o casaco aos dois" e que "haveria de infernizar a vida de AP".

    No dia 19 de Janeiro de 2002, AP fazia anos e combinou jantar com o assistente e passar a noite com ele, tendo-se dirigido para o "Restaurante Figueiredo", em Vila Nova de Caparica. Quando chegavam a esse restaurante para jantar, fazendo-se transportar no automóvel do assistente, Opel Corsa B, ligeiro de passageiros, a gasóleo, com a matrícula ...-...-HD, ainda pararam e olharam lá para dentro, tendo visto o arguido sentado a uma mesa acompanhado de SM, com quem este tinha um relacionamento amoroso, das filhas desta e de um amigo, razão que os levou a desistir de jantar aí.

    Mas o arguido, que conhecia bem o automóvel do assistente, apercebeu-se da presença deles à porta do restaurante. Pouco depois de abandonarem o local, AP enviou uma mensagem SMS para o arguido, recriminando-o e criticando-o pelo facto de não querer pagar a pensão de alimentos mas andar a gastar dinheiro em restaurantes com mulheres. Depois de terem jantado, o assistente e AP foram para casa da mãe desta, onde iriam dormir, tendo aquele estacionado o automóvel no final da Rua dos C...

    , em P... do V..., C..., do lado esquerdo da faixa de rodagem, junto a um lote de terreno sem construção, tendo ao seu lado direito o prédio do lote 50, que faz fronteira com os prédios que se lhe seguem, já na Rua da V.... O automóvel ficou estacionado a cerca de 50 metros de distância da residência da mãe de AP. O local onde o automóvel ficou estacionado é uma zona de vivendas geminadas, com a faixa de rodagem estreita, e onde, em regra, existem veículos estacionados na rua. Entretanto o arguido acabou de jantar por volta das 22 horas, foi levar as filhas de SM a casa da avó, dirigindo-se depois, ele e SM, a casa do amigo com quem jantara, onde estiveram a conviver, após o que se dirigiram para Sesimbra, onde chegaram cerca das 23:30. Às 00:45, acompanhado de SM, o arguido foi ao Hotel Varandas da Falésia reservar quarto para essa noite.

    Depois disso, o arguido, sozinho ou acompanhado, dirigiu-se a V... de F...

    onde trocou de automóvel, para um Opel Corsa vermelho, que não lhe pertencia mas que teve na sua posse durante dois ou três meses, muniu-se de um recipiente com petróleo e dirigiu-se para a zona da residência da mãe de AP, onde suspeitava que encontraria estacionado o automóvel do assistente. Aí chegado, depois de localizar o automóvel do assistente, o arguido, cerca da 1:25 minutos, derramou o petróleo na zona do capot, junto à entrada de ar do motor, e na zona do tubo de combustível, situado junto ao tubo de escape, e ateou fogo ao petróleo, gerando-se logo uma intensa combustão, que quase de imediato pegou fogo ao automóvel. Fê-lo, sabendo que ao pegar fogo ao petróleo, iria incendiar e destruir o automóvel do assistente, resultado que quis atingir, não ignorando que o mesmo tinha um valor aproximado de € 7500. A mãe de AP, que estava acordada e foi a primeira pessoa a aperceber-se do fogo, alertou a filha e o assistente, que chamaram os bombeiros, exactamente à 1:34. Chegados ao local à 1:45, os bombeiros combateram as chamas e permaneceram aí até às 3:11. O automóvel do assistente valia cerca de € 7500 e ficou, por causa do fogo, inutilizado e sem qualquer valor, tendo sido entregue para sucata. O arguido actuou movido por raiva e despeito, de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida.

    Depois disto, foi novamente para Sesimbra, onde acabou por passar a noite com SM, no quarto que reservara, tendo aí entrado cerca as 03:23. O assistente é chefe da P.S.P. e possui as qualidades inerentes a essas funções, sendo respeitado e estimado no seu meio sócio-profissional. Por causa da descrita actuação do arguido, ao ver o seu automóvel em sucata, o assistente ficou revoltado e desgostoso, tendo, nos dias seguintes, sofrido perturbação, pressão nervosa e stress, que determinou uma situação de doença com inactividade laboral por 8 dias. O arguido é motorista de pesados, auferindo o vencimento mensal de € 765, mas está de baixa médica desde Agosto, com subsídio de 60% do vencimento. Vive com uma companheira, que trabalha, mas não contribui para a economia comum. Reside em casa própria, pagando a amortização mensal de € 200. Tem duas filhas do casamento com AP, de 11 e 17 anos de idade, que vivem com a mãe, para cujo sustento contribui esporadicamente e em montante inferior ao fixado pelo Tribunal de Menores. Tem a 4ª classe. Foi condenado no processo comum ..., do 2.° Juízo Criminal de Almada, por decisão proferida em 25 de Fevereiro de 2005 e transitada em 15 de Março seguinte, por um crime de ofensa à integridade física e outro de ameaças, cometidos em 1 de Setembro de 2001, contra a então sua mulher AP (1) respectivamente, nas penas de 150 e 70 dias de multa e na pena única de 200 dias de multa.

  2. A CONDENAÇÃO Com base nestes factos, o tribunal colectivo do 1.º Juízo Criminal do Seixal (...), em 20Jul05, condenou FMC (-20Jan63), como autor de um crime de incêndio (art. 272.1.

    a CP) (2) , na pena de 3 anos e 6 meses de prisão (3) A determinação da medida concreta da pena deve considerar os fins de protecção de bens jurídicos com tutela penal e a reintegração social do agente e corresponder ao grau de culpa do agente, como limite máximo da reacção penal, e às exigências de reprovação e prevenção do facto, como patamar mínimo, sem deixar de atender às concretas circunstâncias agravantes e atenuantes previstas no art. 71.º do Código Penal. Vejamos os factores agravantes da responsabilidade. A actuação do arguido revela que ele não agiu acidentalmente ou por impulso mas com plena intenção de fazer o que fez. E mais, na sequência de ameaças que já tinha feito ao assistente, ele reflectiu sobre o comportamento e montou um plano para cometer o crime e para depois se ilibar dele. Já foi condenado depois deste crime por um outros cometidos anteriormente, de ofensa à integridade física e de ameaças, na pessoa da mulher. Não mostrou quaisquer sinais relevantes de arrependimento ou de auto-censura sobre os factos cometidos. Há, porém, factores que atenuam, também intensamente, a responsabilidade. O arguido agiu por raiva e despeito, a que não foi alheio, de certeza, o relacionamento da mulher com o assistente, durante o casamento, facto de que ele primeiro desconfiava e depois da separação teve a certeza. Depois, a visão a mulher com o assistente no restaurante onde ele estava a jantar e a mensagem que se lhe seguiu, mais ainda ajudaram a agravar os seus sentimentos de vingança. Estes sentimentos, determinantes para o cometimento do crime, não o desculpam, de todo em todo, mas ajudam, de algum modo, naquele contexto, a compreendê-lo e a relativizar, um pouco, a gravidade do mesmo.

    O arguido tem um quadro de vida pessoal e profissional situado dentro de padrões socialmente aceitáveis, embora, aqui, negativamente, se lhe possa apontar também o menor respeito pelas necessidades de sustento das filhas, para quem apenas esporadicamente contribui e em montante inferior ao fixado pelo tribunal. Razões estas, que ponderadas, levam a considerar adequada aos factos e à personalidade neles revelada a pena de 3 anos e 6 meses de prisão.

  3. O RECURSO PARA A RELAÇÃO 3.1. Inconformado, o arguido recorreu à Relação, em 20Set05, pedindo a absolvição ou a redução e suspensão da pena: O presente recurso é interposto da matéria de facto e de direito (...). Nos termos do disposto n.° 3 do art. 412.

    a considera, o recorrente, incorrectamente dados como provados os pontos 3., 5., 8., 9., 15., 16., 17., 21., e 22 da matéria de facto dada como provada no acórdão de que ora se recorre, porquanto tal factualidade dada como provada não encontra suporte na prova produzida em audiência de julgamento, não decorrendo da mesma a prova de qualquer acto, pelo ora recorrente, subsumível ao tipo de crime pelo qual foi condenado, nem a qualquer outro. Compulsada a prova produzida, entende o recorrente que a mesma impunha a sua absolvição, pois não existe prova nenhuma que permitisse ao tribunal "a quo" dar como provado que o recorrente teve qualquer intervenção nos factos pelos quais foi condenado. Da análise integral dos depoimentos prestados pelo assistente e pelas testemunhas AP e JM em audiência, não se compreende de que parte dos mesmos o tribunal "a quo" se socorreu para dar como provado que o recorrente incendiou o carro do assistente, uma vez que nenhum deles identificou o arguido nos factos que narraram, apenas falando em suspeitas, à excepção da testemunha JM, que disse ter a certeza que foi o arguido, mas não viu a cara da pessoa que ateou fogo ao automóvel. Podemos então afirmar com segurança que a convicção do tribunal, relativamente à matéria fáctica dada como provada, em tudo assentou no depoimento destas três pessoas, sendo que o depoimento dos dois primeiros se revelou impregnado de contradições, exageros e falsidades, o que colocou em causa a veracidade da totalidade dos seus depoimentos. O depoimento da testemunha JM, revelou-se contraditório, mas tentando convencer o tribunal de que viu o arguido, no entanto revelou que...

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