Acórdão nº 08S149 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução17 de Abril de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA propôs, no Tribunal do Trabalho de Évora, a presente acção emergente de contrato de trabalho contra a BB, L.da, pedindo que se reconhecesse que rescindiu com justa causa o contrato de trabalho que mantinha com a ré e que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 37.349,53 ou, subsidiariamente, a quantia de € 27.659,44 (a título de indemnização de antiguidade, de proporcionais de férias e de Natal referentes ao ano de cessação do contrato, de férias e subsídio das férias vencidas em 1.1.2003, de trabalho suplementar e descanso compensatório e de diferenças nos subsídios de férias e de Natal), acrescida da quantia de € 2.500,00, a título de danos não patrimoniais, e dos juros de mora, à taxa legal.

Em resumo, o autor alegou que, em 3.2.2003, rescindiu, com justa causa, o contrato de trabalho que mantinha com ré; que a ré não lhe pagou o trabalho suplementar nem os correspondentes descansos compensatórios, o mesmo acontecendo com a retribuição e o subsídio das férias vencidas em 1.1.2003 e com os proporcionais de férias, de subsídio de férias e de Natal referentes ao ano da cessação do contrato.

A ré contestou impugnando a justa causa e os créditos reclamados pelo autor, com excepção dos referentes a 3 dias de trabalho no mês de Fevereiro de 2003, às férias vencidas em 1.1.2003 e aos proporcionais, e pediu que o autor fosse condenado como litigante de má fé.

No articulado de resposta, o autor também pediu que a ré fosse condenada como litigante de má fé.

Saneada e instruída a causa, procedeu-se a julgamento e, dadas as respostas aos quesitos, foi proferida sentença, julgando a acção improcedente, excepto no que toca à retribuição e ao subsídio das férias vencidas em 1.1.2003 e aos proporcionais de férias, de subsídio de férias e de subsídio de Natal referentes ao ano da cessação do contrato, tendo a ré sido condenada a pagar ao autor, a esses títulos, a quantia global de € 1.462,50 e, no que concerne à litigância de má fé, a ré foi absolvida e o autor foi condenado em 10 UC de multa e a pagar à ré a indemnização correspondente às despesas por ela efectuadas, incluindo as referentes aos honorários do seu mandatário, em montante a liquidar posteriormente.

O autor apelou da sentença, impugnando a decisão proferida sobre a matéria de facto e a decisão de mérito.

O Tribunal da Relação de Évora julgou parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto, alterando as respostas de não provado dadas aos quesitos 16.º e 17.º, julgou improcedente o recurso no que diz respeito à justa causa, revogou a sentença no que toca à condenação do autor como litigante de má fé e condenou a ré a pagar ao autor uma hora de trabalho suplementar por cada dia útil de trabalho, relativamente aos anos de 2000, 2001 e 2002, em montante a liquidar em execução de sentença, e os juros de mora, contados desde a citação, referentes à quantia de € 1.462,50 que, na sentença, a ré fora condenada a pagar.

Mantendo o seu inconformismo, o autor interpôs recurso de revista - (1), concluindo as suas alegações da seguinte forma:

  1. O autor, na al. d) das diligências de prova indicadas na parte final da sua petição inicial, em devido tempo e por plúrimas vezes, requereu, no tribunal da 1.ª instância, como diligências probatórias necessárias com vista ao apuramento da verdade material, que a ré fosse notificada para juntar aos autos cópia dos cheques comprovativos do pagamento mensal da retribuição do autor, desde a data da sua admissão, bem como daqueles onde conste os pagamentos efectuados a título de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal ou a identificação das entidades bancárias onde a ré possui e movimenta as contas de onde foram efectuados os pagamentos ao autor, e que esta lhe solicite cópia daqueles recibos, que deverá juntar aos autos.

  2. Tal requerimento veio a ser parcialmente deferido pelo tribunal de 1.ª instância, aquando da elaboração do despacho saneador que, após especificação dos factos assentes e elaboração da base instrutória, determinou a notificação da Ré para juntar aos autos cópias dos cheques comprovativos do pagamento mensal da retribuição ao Autor (fls. 124 dos autos).

  3. Sustenta o douto acórdão recorrido que "... não podem sobre a Ré recair os efeitos cominatórios previstos no artigo 529.º do C.PC. e, pela remissão que neste é feita, os previstos no artigo 519.º, n.º 2, do CPC ou mesmo a inversão do ónus da prova, nos termos previstos no artigo 344°, n.º 2 do C. C.", por não se encontrar "em parte alguma dos autos referência a qualquer notificação dirigida à Ré (seja pessoalmente, seja através do respectivo mandatário) com a advertência determinada no despacho de fls. 124 dos autos", mas tão-só a notificação do despacho saneador à Ré através do respectivo advogado (vide fls. 132 dos autos).

  4. Desde que foi citada para contestar, a Ré tinha pleno conhecimento do teor e alcance do requerimento probatório apresentado pelo A. na sua petição inicial.

  5. A notificação do despacho saneador à Ré, através do seu mandatário, em 28.4.2005, onde consta, na sua parte final, o despacho que determina a junção aos autos de cópias dos cheques comprovativos do pagamento mensal da retribuição do Autor e respectiva advertência, é suficiente para se poder concluir que esta tinha, desde aquela data, conhecimento efectivo daquele despacho, nos termos do disposto no artigo 253.° do C.P.C., e que não agiu em conformidade com o doutamente ordenado.

  6. Por outro lado, a junção de documentos aos autos não consubstancia a prática de um acto pessoal, isto é, de um acto que só pela própria parte possa ser praticado, mas antes a prática de um acto que pode ser praticado por intermédio de mandatário.

  7. A notificação ao mandatário da Ré vale como notificação da própria Ré, que deveria ter junto aos autos esses mesmos documentos, tal como fora notificada para o fazer a 22/04/2005; logo, não o fazendo, sobre ela deveriam recair os efeitos cominatórios previstos nos artigos 529.º e, por remissão deste, 519.º, n.º 2, do C.P.C. e os previstos no artigo 344.º, n.º 2, do C. Civil, mais concretamente a inversão do ónus da prova.

  8. Os documentos em poder da Ré, e cuja junção o A. requereu e foi ordenada, permitiam de forma inequívoca e bastante concluir que o A. recebia mediante cheque, emitido pela Ré, comissões calculadas sobre o valor das vendas que efectuava, sendo de valor variável, entre e 200 e 300 € por mês.

  9. Ao decidir como decidiu, a douto acórdão recorrido interpretou e aplicou incorrectamente as normas dos artigos 529.º, 253.º, 519.º, n.º 2, do CPC e 344.º, n.º 2, do C.C., que igualmente violou.

  10. Sendo certo que a Ré (seja pessoalmente seja através do respectivo mandatário) não foi notificada com a advertência determinada no despacho de fls. 124 dos autos, a verdade é que tal circunstância ocorreu única e exclusivamente por culpa da secretaria que, por mero lapso ou erro, não cumpriu o despacho superiormente ordenado, omissão esta que, nos termos do disposto no artigo 161.0 do C.P.C, não pode, em caso algum, prejudicar as partes.

  11. Com efeito, as partes têm que contar com a diligência e a eficácia dos serviços judiciais, confiando neles e não desvirtuando - como se salienta no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro - o papel que cada agente judiciário tem no processo, idóneo para produzir o resultado que a todos interessa - cooperar com boa fé numa sã administração de justiça.

  12. São as secretarias judiciais que asseguram o expediente, autuação e regular tramitação dos processos pendentes, nos termos estabelecidos na respectiva lei orgânica, em conformidade com a lei de processo e na dependência funcional do magistrado competente, que devem operar a realização oficiosa das diligências necessárias para que o fim daqueles despachos possa ser prontamente alcançado (n.os 1 e 2).

  13. O autor confiou que, uma vez ordenada a notificação da Ré, para vir juntar aos autos cópias dos cheques comprovativos do pagamento mensal da retribuição do A., a mesma fosse (e tivesse sido) cumprida de forma correcta e diligente, dado que nada no processo fazia duvidar de que assim não fosse.

  14. O autor, ora recorrente, sempre agiu com a devida diligência, norteando-se, desde o início, pelo cumprimento da lei, não lhe competindo suprir os erros, lapsos ou omissões da secretaria.

  15. O mandatário do autor sempre agiu com a devida diligência, não lhe competindo, até por não ter acesso directo ao processo, suprir os erros da secretaria, sendo certo que também não lhe era exigível que, ao receber a notificação do despacho saneador, se deslocasse ao tribunal regularmente para consultar o processo (tanto mais que este corria os seus termos em Évora e o escritório do Advogado era em Coimbra) e verificar se fora omitido algum acto processual prescrito pela lei, nomeadamente a notificação pessoal da Ré.

  16. Hoje em dia, a vida atribulada de um advogado, as dificuldades inerentes aos transportes, com a intensidade de trânsito e as dificuldades de parqueamento, não permitem que se desloque ao tribunal com a única finalidade de verificar se os serviços judiciais não cumpriram cabalmente as suas obrigações, pelo que, não o fazendo, não se pode dizer que não aja com a devida diligência.

  17. Nem tão-pouco é de presumir que, com a realização da audiência de julgamento ou a notificação para a prática de qualquer outro acto, o advogado tomou conhecimento da omissão de notificação de tal despacho, questão esta que só veio a ser suscitada, aliás, no douto acórdão recorrido.

  18. O trabalho suplementar concede o direito a um descanso compensatório que, não tendo sido concedido ao autor apelante, deverá ser remunerado.

  19. A não remuneração de trabalho suplementar e a não concessão do respectivo descanso compensatório, durante anos a fio, conduzem à existência da justa causa invocada pelo autor apelante dado que tal facto consubstancia um comportamento grave e culposo (doloso mesmo) que, pela sua gravidade e...

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