Acórdão nº 07A4137 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Fevereiro de 2008

Magistrado ResponsávelNUNO CAMEIRA
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

Relatório No apenso ao processo da declaração de falência da empresa Construções T..., SA, os credores AA, BB, BPI, SA, CC e DD, entre outros, reclamaram direitos de crédito de que são titulares.

Foi oportunamente proferida sentença de reconhecimento e graduação dos créditos - fls 9367 e sgs - que fixou a data da declaração de falência em 6/5/97 e decidiu, no que agora interessa: 1º) Apenas a remuneração base entra no cálculo da indemnização devida aos trabalhadores pela cessação do contrato de trabalho motivada pela falência da entidade patronal; 2º) Os créditos laborais graduam-se antes dos hipotecários e pignoratícios.

Os acima identificados credores apelaram.

A Relação concedeu provimento ao recurso do BPI, SA, e negou provimento aos restantes, decidindo, consequentemente, que quanto aos bens móveis descritos no processo sobre os quais incidem os penhores mercantis o crédito do recorrente será pago até ao valor da garantia imediatamente antes dos créditos pertencentes aos trabalhadores e que em relação ao prédio urbano situado em V.Franca de Xira identificado nos autos o crédito do mesmo recorrente, garantido por hipoteca e até ao montante ali definido, será pago, de igual modo, imediatamente antes dos créditos identificados como provenientes de contrato de trabalho.

Deste acórdão interpuseram recursos de revista, além dos apelantes AA, DD e CC, os credores EE (10.274), FF (fls 10.429), os credores identificados a fls 10.446, GG (fls 10.510 - habilitada como sucessora de seu marido HH), II (10.520), JJ (10.530), LL (10.540), MM (10.550), NN(10.560) e OO (10.570).

Os credores identificados nos requerimentos de fls 10.385, 10.387, 10.427, 10.459,10461,10.462, 10.580, 10.651, 10.698 e 10.707, respectivamente, aderiram ao recurso interposto por AA, nos termos do artº 683º, nº 3, do CPC, na parte referente à graduação dos créditos laborais.

O recorrido BPI contra alegou (fls 10.675 e segs), defendendo a manutenção do acórdão recorrido.

Tudo visto, cumpre decidir.

II.

Fundamentos Nos termos dos artigos 726º e 713º, nº 6, do CPC, remete-se para a totalidade da matéria de facto dada por provada no acórdão recorrido.

I) Apreciação dos recursos de DD e CC Procurando isolar com o máximo de precisão possível a questão - idêntica - colocada nestes dois recursos, podemos dizer que ela consiste no seguinte: ambos os recorrentes sustentam que são titulares dum crédito laboral integrado no crédito global verificado, crédito laboral este que não foi contabilizado, não obstante o acórdão recorrido falar em créditos verificados de 70.135.750$00 e 60.497.497$00, da titularidade, respectivamente, de DD e CC; o crédito laboral desconsiderado seria de 10.874.500$00 no caso de DD e de 36.547.607$00 no caso de CC; trata-se, alegam, de créditos laborais porquanto respeitam a remunerações, subsídios e indemnizações a que têm direito enquanto trabalhadores ao serviço da falida, e não enquanto seus administradores; são, como tal, créditos privilegiados, não comuns, devendo graduar-se no lugar que lhes compete, antes dos créditos de custas e despesas judiciais.

Os recorrentes aceitam explicitamente nas suas alegações que as remunerações auferidas na qualidade de administradores da empresa falida devem ser tratadas como créditos comuns, afirmando, mesmo, que traduziria uma "situação abusiva", "que repudiam", - fls 10443 e 10494 - reclamar para esses créditos os privilégios creditórios legalmente reconhecidos para os créditos laborais. E, com efeito, constitui doutrina e jurisprudência corrente a ideia de que a situação dos administradores das empresas é especial, no sentido de que a relação existente entre eles e a sociedade, podendo ser de emprego, visto que são retribuídos, gozam férias e por vezes têm direito a reforma, supõe uma autonomia na actividade que a diferencia claramente da situação dos trabalhadores subordinados. Para além disto, como observa Bernardo Lobo Xavier (Curso de Direito do Trabalho, Verbo, pág. 298), "é evidente que os administradores como que encarnam a posição patronal, surgindo, pois, como patrões".

Simplesmente, de nenhum elemento constante do processo é lícito inferir que as importâncias acima referidas, destacadas do crédito global reconhecido a cada um dos recorrentes, integram um crédito proveniente duma relação de trabalho subordinado estabelecida com a sociedade falida. Na verdade, a extensa matéria de facto apurada na 1ª instância não foi impugnada em nenhuma das apelações. A Relação manteve-a totalmente inalterada; e o Supremo Tribunal, como tribunal de revista, tem que acatar e fazer acatar os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, aplicando-lhes definitivamente o regime jurídico que julgue adequado - artº 729º, nºs 1 e 2, do CPC. Ora, afirma-se a dado passo da sentença que os créditos dos recorrentes, na sua totalidade, se "reportam aos momentos em que...exerceram funções como administradores da falida" (fls 9452), ilação esta que, por se situar ainda, claramente, no âmbito da matéria de facto, não pode ser censurada pelo Supremo Tribunal, até porque não cai sob a alçada do artº 722º, nº 2, preceito que enuncia as duas situações excepcionais em que a instância de revista, indirectamente embora, interfere na decisão de facto.

Tanto basta para se concluir que estes recursos não podem proceder.

B) Apreciação dos restantes recursos de Revista Nestes recursos, interpostos por trabalhadores da falida, a questão colocada coincide em todos eles, e traduz-se em saber se os créditos garantidos por hipoteca devem ou não ser graduados antes dos créditos laborais para efeito de pagamento pelo produto da venda do bem imóvel apreendido para a massa falida.

Trata-se de um problema que já foi trazido a este Supremo Tribunal inúmeras vezes nos últimos anos e que tem tido uma resposta não unânime, mas largamente maioritária no sentido que foi acolhido pela Relação.

Os três juízes que subscrevem o presente acórdão tomaram idêntica posição, por unanimidade, na Revista nº 2355/05, de 8.11.05. Ponderada toda a argumentação dos recorrentes, e repensada a problemática envolvente, não se vê razão de fundo bastante para alterar o que se escreveu naquele aresto, que por isso retomamos agora, expurgado de um ou outro passo menos relevante para o caso: "Resta apreciar a questão fundamental posta no recurso, que consiste em saber se o crédito do recorrente ..., garantido por hipoteca sobre o imóvel, registada anteriormente à declaração de falência, deve ou não preferir aos créditos dos ex-trabalhadores da falida, que gozam de privilégio mobiliário e imobiliário geral sobre todos os bens apreendidos para a massa.

Mais concretamente: o art.º 12, nº 1, da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, deve ser interpretado como as instâncias fizeram, no sentido de que os créditos emergentes do contrato individual de trabalho gozam de privilégio imobiliário geral e prevalecem sobre hipoteca anteriormente registada, ao abrigo do art.º 751º do CC, ou, pelo contrário, aplica-se-lhes o disposto no art.º 749º do CC, prevalecendo a hipoteca sobre os créditos laborais? E, caso se conclua que a interpretação correcta é a dada pelas instâncias, estará ela de acordo com a Constituição, designadamente com o seu art.º 59º? São problemas que têm sido objecto de entendimentos diversos, quer na doutrina quer na jurisprudência.

Quanto ao primeiro, deve dizer-se que apesar de existirem várias decisões proferidas, na 1ª instância e nos Tribunais da Relação, no sentido do acórdão recorrido, o certo é que na jurisprudência do STJ apenas nos acórdãos proferidos em 18.11.99 e 10.2.00 se entendeu que o art.º 751º do CC é de aplicar, directamente ou por analogia, aos privilégios imobiliários gerais instituídos pela Lei 17/86, concluindo-se que os créditos assim privilegiados devem ser graduados com prioridade...

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