Acórdão nº 07P2075 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelSANTOS MONTEIRO
Data da Resolução09 de Janeiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em audiência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça : No processo comum sob o n.º 3554/02.3 TDLSB , da 6.ª Vara Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi submetido a julgamento MR , vindo , a final , a ser condenado : - como autor material e em concurso efectivo, dos seguintes crimes: - um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, na pena de sete meses de prisão; - um crime de homicídio na forma consumada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 131º e 14º, nº 3, do Código Penal na pena de dez anos de prisão; - um crime de homicídio, na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 131º e 22, nº1 e 2 alíneas b) e c) do Código Penal, na pena de dois anos de prisão; - Operando o cúmulo jurídico de penas, tendo em conta o conjunto dos factos apurados, a gravidade das suas consequências e a personalidade manifestada pelo arguido, em obediência ao estatuído no artigo 77º, nº1 do Código Penal foi o arguido condenado na pena global e única de onze anos de prisão.

- O Tribunal Colectivo decidiu , ainda : Julgar procedente a excepção de ilegitimidade da demandada Rodoviária de Lisboa S. A., a quem absolveu da instância - ex vi dos artigos 29º, nº 1 do Decreto - Lei número 522 / 85, de 31 / 12 com referência aos artigos 493º, 1 e 2 e 494º, nº 1, alínea a), ambos do código de Processo Civil, no tocante ao pedido cível contra ela também deduzido.

- julgar parcialmente procedentes os pedidos de indemnização civil, deduzidos pelos demandantes civis JF, MF e EF e, consequentemente, condenar os demandados civis AX Portugal , Companhia de Seguros , S A e MR , solidariamente, no pagamento àqueles demandantes dos seguintes quantitativos: 1. Ao demandante JF: - por danos não patrimoniais, sofridos pela vítima mortal, no decurso dos factos de que tratam os presentes autos, uma indemnização que se fixa no montante de vinte mil euros; - por danos não patrimoniais, sofridos pelo próprio demandante cível, numa indemnização que se fixa em vinte e cinco mil euros; - pelo dano de morte correspondente ao valor imediatamente apurado de metade do fixado (sejam cinquenta mil euros), ou seja vinte e cinco mil euros; - de uma indemnização por danos patrimoniais, a fixar no custo da viagem do demandante de Angola a Portugal, motivada pelo óbito do seu filho, a fim de assistir ao funeral deste, cujo valor virá a apurar-se em execução de sentença; 2 . À demandante MF : - por danos não patrimoniais da vítima, do montante de vinte mil euros; - por danos não patrimoniais, sofridos pela demandante, em razão do falecimento do indicado AF, no montante de trinta mil euros; - pelo dano morte (corresponde a metade do valor arbitrado) a quantia de vinte e cinco mil euros; - por danos patrimoniais, no montante global de dezanove mil quatrocentos e oitenta e sete euros e trinta e seis cêntimos; 3 . Ao demandante EF: - por danos patrimoniais, no montante global de mil setecentos e doze euros e dez cêntimos.

4 . De juros, à taxa supletiva legal, desde a data desta decisão até integral pagamento.

I . Inconformados com a decisão, vieram o arguido MR e a demandada cível AX - Portugal - Companhia de Seguros, SA , interpõr recurso para a Relação de Lisboa , que , após convite à correcção das conclusões , lhes negou provimento.

II . Ainda irresignado, interpôs o arguido recurso para este STJ , apresentando na motivação as seguintes conclusões -que , antes , após pertinente convite , reformulou , transcrevendo-se :

  1. O acórdão recorrido ao dar como assente que o Recorrente conduzia um autocarro da RL, no horário e local de trabalho e ao serviço da entidade empregadora e apesar disso condena-o solidariamente com a seguradora no pedido cível é nulo por violação quer do DL nº 521/85, de 31/12 quer dos artigos 303º nº 3 e 500º nºs 1 e 3, ambos do CC e ainda do nº 2 do artº 410º do CPP, quer porque a responsabilidade civil era da RL quer ainda e sobretudo porque foram os lesados quem deu causa directa e exclusiva aos danos fazendo uso de comportamentos agressivos de autêntico assalto a um autocarro de passageiros.

    B) Resultando provado que o arguido, na primeira situação, fechou a porta sem ver os queixosos e, na segunda, que deu cumprimento à ordem do Fiscal para arrancar, deveria ter sido absolvido, sendo que quanto à 2ª situação com base no facto de ter dado cumprimento à ordem imposta (artº 31º nº 2 do CP).

    C) Mais, ao arrancar depois de ter levado um murro em cheio na cara e continuando os jovens com as agressões, tudo perante a passividade quer do Fiscal quer do Segurança da RL o arguido não só cumpriu a ordem alegada em B) como preencheu os pressupostos objectivos da causa de exclusão da ilicitude denominada de legitima defesa.

    D) Acresce que não tendo sido dada como provada, com absoluta certeza, qualquer factualidade tendente a considerar-se que o arguido quis agredir o EF fechando-lhe a porta quando é o próprio EF a declarar que o arguido não o viu; que até podia ter tirado a mão como fez mais tarde deveriam ter sido dados como não preenchidos os pressupostos do crime de ofensas à integridade física quer na primeira situação, quer na segunda uma vez que naquela apenas exigiu um pedido de desculpas, não tinha qualquer mazela e na segunda a lesão no braço até pode ter sido causada pelo guarda - chuva do Fiscal aquando da colocação do braço no interior da janela do condutor, o que o próprio EF igualmente confessa, encontrando-se assim violado o artº 143º do CP.

    E) Contrariamente ao imputado na Pronúncia donde pressupostamente se extrairia o dolo eventual, na alínea G) dos factos dados como não provados resulta que ao realizar a trajectória o arguido não actuou de forma a provocar o desequilíbrio dos ofendidos quando estes devessem pisar o passeio. Assim, estando excluída a existência de dolo eventual o arguido deveria de ter sido absolvido ou, supletivamente, ter-se declarado qual o comportamento concretamente omitido pelo arguido, sendo certo que lhe foi ordenado para fechar a porta e avançar. Mais, resulta até duvidoso que fosse o arguido quem segurava o volante aquando da infeliz ocorrência dado que o Fiscal confessou ter segurado o volante durante alguns momentos uma vez que o arguido ficara inconsciente devido ao forte murro que sofreu na zona da boca, assim se sustentando verificar-se uma errada qualificação jurídica (artigos 131º,14º nº 3, 22º nº 1 e2, todos do CP). Tanto mais que não ficou provado com factos concretos, precisos e em absoluta certeza que o arguido tivesse intenção de matar e a presunção da intenção de matar é apenas um juízo de probabilidade sobre aquela intenção, pelo que se aplica o artº 163º do CP. Aliás, não tendo o arguido proferido qualquer palavra, não conhecendo os jovens e não tendo ficado provado que a trajectória visasse provocar o desequilíbrio dever-se-ia ter concluído pela não verificação da intenção de matar.

    F) No exercício da convicção do julgador não bastam elementos intraduzíveis e subtis, é necessário e imprescindível que o Tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento de facto. Assim, o depoimento prestado por todas as testemunhas presenciais não pode ser ignorado com base apenas na livre convicção do julgador tal como sucedeu e se demonstra em sede de erro do julgamento, a saber: G) Quanto à condenação no crime de ofensas à integridade física, o acórdão recorrido viola o artº 412º do CP na medida em que do depoimento do interveniente EF, na cassete 1ª Lado A. 14/11/05, o mesmo declarou que foi arrastado com a mão direita presa e que o interesse do motorista era soltá-lo. Adianta que não foi ao Hospital e que queria era reclamar; que se dirigiu à estação onde falou com o Sr. Bentes e exigiu que lhe fosse apresentado um pedido de desculpas; posteriormente, dirigiu-se à PSP a qual na versão do mesmo o teria convencido a não apresentar queixa porque tinha de pagar x e não iria conseguir muita coisa. Aquando do depoimento da testemunha C... (cassete da sessão do dia 23/3, lado A) o qual declarando ter viajado ao lado da porta do autocarro disse que ninguém bateu e muito menos forçou a porta. Mais, essa testemunha esclareceu que se alguém colocar a mão na porta não se aleija porque a porta tem borrachas, dá para pôr e tirar a mão com facilidade, precisando mesmo que, no Verão, por vezes, para refrescar atravessava a mão por entre as borrachas e tirava-a com facilidade.

    H) Quanto ao homicídio quer na forma consumada quer na forma tentada, são vários os erros de julgamento (artº 412º do CP), a saber: No 16º, dá-se como provado que 3 indivíduos dirigiram-se ao arguido que se encontrava sentado no banco do condutor, dirigindo-lhe palavras de conteúdo não concretamente apurado. Tal não corresponde à verdade, se tivermos em conta: por um lado, que o registo da prova da sessão do dia 14/11/2005, cassete 1, lado B relativa às declarações do queixoso EF é inaudível, não ficando registado que palavras e expressões foram efectivamente proferidas, não se afigurando que os jovens pretendessem serem transportados no autocarro; por outro lado, não foi considerado o depoimento das testemunhas Mozart, J.. e R.. as quais, demonstrando terem conhecimento directo, foram explicitas e unânimes na confirmação de que os três indivíduos, sem qualquer conversa, entraram mo autocarro agredindo violentamente o motorista que estava na posição de sentado ao volante.

    I)Quanto ao ponto 17, registo do depoimento do queixoso EF, nesta parte, também inaudível. Acresce, que a...

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