Acórdão nº 07S3387 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Dezembro de 2007
Magistrado Responsável | BRAVO SERRA |
Data da Resolução | 19 de Dezembro de 2007 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
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AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Vila Franca de Xira e contra BB, S.A.
, acção de processo comum peticionando a condenação da ré a reconhecer que o autor tem o direito a receber daquela, catorze meses por ano, o complemento de reforma referido na cláusula 47ª do Contrato Colectivo de Trabalho Vertical publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, nº 37, I Série, de 8 de Setembro de 1975, com a última alteração publicada naquele Boletim, nº 9, I Série, de 8 de Março de 2000 - Contrato Colectivo esse celebrado entre a Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Escritório e Serviços (FETESE), em que o autor é filiado, e a Associação Portuguesa da Indústria de Cerâmica (APICER), de que a ré é associada -, sendo esta, em consequência, condenada a pagar-lhe a diferença entre a pensão que lhe é efectivamente paga pelo Centro Nacional de Pensões e o valor da remuneração, acrescida de seis diuturnidades, que ele receberia se estivesse ao serviço, até ao seu último mês de vida, diferença essa que, desde Julho de 2001 e até à data da propositura da acção, ascendia já a € 20.677,75, além de juros, cujos vencidos montavam a € 3.005,90.
Aduziu, em síntese: - - que ele, autor, foi admitido ao serviço da ré em 1 de Abril de 1960, vindo, desde 1974, a exercer as funções de chefe de secção auferindo, em Setembro de 2000, a retribuição base de € 1 014,91 mais seis diuturnidades; - que o contrato de trabalho que o vinculava à ré caducou 1 de Setembro de 1999 por reforma, por velhice, do autor, continuando ele, porém, a trabalhar para a ré no âmbito de um contrato a termo certo, o qual perdurou até Julho de 2001, altura em que passou a um regime de trabalho a tempo parcial, com metade do ordenado base, situação que terminou em Fevereiro de 2002, tendo então deixado definitivamente de trabalhar para a mesma ré; - que, por força da cláusula 47ª do Contrato Colectivo de Trabalho aplicável à relação laboral em causa (publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª Série, de 8 de Setembro de 1975), foi constituído o direito ao complemento de reforma para todos os trabalhadores da ré, sendo que esta, desde então, concedeu aos seus trabalhadores que se reformaram tal complemento; - que, relativamente aos trabalhadores que não beneficiavam daquele Contrato Colectivo, a ré emitiu, em 31 de Agosto de 1979, a ordem de serviço nº 1286, na qual estabeleceu, para além do complemento de reforma, a fórmula para apurar o seu cálculo e o direito a uma 13ª prestação a vencer-se em Dezembro de cada ano, igual às demais prestações; - que a ré nunca pagou ao autor qualquer quantia a título de complemento de reforma, recusando-se a fazê-lo com a alegação de que suspendeu o direito ao mesmo por alegadas dificuldades económicas, o que fez através de ordem de serviço.
- que esta ordem de serviço só se aplica aos trabalhadores da ré não beneficiários do Contrato Colectivo Vertical, o que não era o caso do autor, sendo que, ainda que lhe fosse aplicável, não o poderia abranger, dado que ele iniciou funções na ré em 1960, tendo-se constituído na sua esfera jurídica o direito ao complemento de reforma.
Após contestação da ré, veio, em 6 de Maio de 2005, a ser proferida sentença que julgou improcedente a acção, absolvendo a ré dos pedidos, o que motivou o autor a, do assim decidido, apelar para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 29 de Maio de 2007, negou provimento à apelação.
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Continuando irresignado, pediu o autor revista, rematando a sua alegação com o seguinte quadro conclusivo: - "A - A sentença exarada pelo Tribunal de 1.ª Instância, configura uma decisão-surpresa, pois baseou a sua decisão em fundamento que não tinha sido previamente considerado pelas partes.
B - As partes não foram ouvidas quanto ao fundamento invocado na sentença respeitante à revogação unilateral do Regulamento interno da R. com base na alteração das circunstâncias.
C - Tal situação configura uma violação do princípio que proíbe as decisões-surpresa e uma violação do princípio do contraditório, consagrado no art. 3.º/3 do CPC.
D - Estamos perante uma nulidade prevista no artº 201º nº 1 do CPC, o que acarreta, nos termos do nº 2 deste preceito, a nulidade do acto subsequente à omissão, ou seja, da própria decisão.
E - Pelo que, a sentença é nula por conhecer de questões que não podia conhecer, devendo a douta sentença proferida pelo Tribunal 1.ª Instância ser revogada e substituída por douto acórdão que reconheça o direito do recorrente ao complemento de reforma nos termos peticionados nos autos e condene a R. nesses precisos termos, por assim ser de justiça.
F - A douta sentença preferida pelo Tribunal de 1.ª Instância e o douto acórdão que a manteve, ao assim não entenderem, violaram o disposto no art.º 201/1 e 2 do CC, e art.º 668/1/d) do CPC.
Transigindo, sem jamais consentir, e por mero dever de patrocínio, sempre se dirá o seguinte: G - A razão de ser do regime estabelecido no artigo 437 n.
[º] 1 do Código Civil está na mudança das circunstâncias em que as partes se vincularam tornando excessivamente oneroso ou difícil para um deles o cumprimento daquilo a que se encontra obrigado ou provocando um desequilíbrio acentuado entre as prestações correspectivas quando se trate de contratos de execução diferida ou de longa duração; H - O art. 437º do C.C. não se aplica ao caso sub judice, pois não se encontram verificados os requisitos essenciais para a sua aplicação, uma vez que a impossibilidade financeira, por parte da R., de efectuar o pagamento do complemento de reforma ao A. não constitui uma alteração anormal das circunstâncias, mas cai no âmbito do risco normal do contrato.
I - A degradação da situação económica da R conduzindo-a, na prática, à impossibilidade de satisfazer obrigações pecuniárias assumidas, não configura a previsão do nº 1 do artº 437º do Código Civil. Apenas o R. se colocou na situação de não puder alegadamente cumprir.
Estabelece o artigo 791º do CC que a impossibilidade relativa à pessoa do devedor importa a extinção da obrigação se o devedor, no cumprimento desta, não puder fazer-se substituir por terceiro. Mas tal não se verifica nas obrigações pecuniárias.
Com efeito, a impossibilidade subjectiva que consiste em o devedor estar impedido de realizar a prestação por falta de meios económicos não é liberatória. Entre nós não se encontra consagrada a doutrina do limite do sacrifício.
O R. pura e simplesmente colocou-se em situação de incumprimento, devido à gestão que fez do seu património, por razões não imputáveis ao A. ou à alteração anormal das circunstâncias em que basearam a decisão de contratar. A prestação é ainda possível e continua a ter interesse para o credor.
No caso sub judice, a falta de pagamento é, pois, da responsabilidade do R.
J - O regime de complementos tinha carácter vinculativo para a recorrida e não pode ser revogado por um acto discricionário.
L - A douta sentença preferida pelo Tribunal de 1.ª Instância e o douto acórdão recorrido ao assim não entenderem, violaram o disposto no art.º 437 do CC.
M - Donde, deve a douta sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância assim como o douto acórdão que a manteve, ser revogados e substituídos por douto acórdão que reconheça o direito do recorrente ao complemento de reforma nos termos peticionados nos autos e condene a R. nesses precisos termos, por assim ser de justiça.
" Respondeu a ré à alegação do autor sustentando o improvimento do recurso, formulando, a final, as seguintes «conclusões»: - "a) - Está provado que foram razões ponderosas de ordem económica que levaram a ora recorrida a suspender a atribuição dos complementos de reforma; b) - Tal realidade, conforme se encontra previsto no regulamento interno legitima a suspensão, por decisão da Recorrida[,] do pagamento dos complementos de reforma; c) - Trata-se de um negócio jurídico unilateral onde a concedente e ora Recorrida, determinava as situações de não continuação da atribuição de complemento; d) - O acórdão recorrido, bem como a decisão de 1ª instância apenas aplicaram à factualidade provada as normas de direito aplicáveis, designadamente, o aludido regulamento interno; e) - Nenhum[a] nulidade processual foi cometida.
" A Ex.ma Representante do Ministério Público neste Supremo Tribunal exarou «parecer» - que, notificado às «partes», sobre ele não efectuaram pronúncia - no qual propugna por dever ser negada a revista.
Corridos os «vistos», cumpre decidir.
II 1.
Porque aqui não está em causa qualquer situação inserível no nº 2 do artº 722º do Código de Processo Civil, haverá, por este Supremo, de ser aceite a seguinte factualidade assente pelas instâncias: - - a) a ré é uma empresa que desempenha a sua actividade no subsector especial da cerâmica refractária, tendo o autor, em 1 de Abril de 1960, entrado ao serviço daquela mediante a celebração de um contrato de trabalho por tempo indeterminado e por ajuste verbal; - b) a partir de 1974 e até à data em que deixou de trabalhar para a ré, o autor, sob a autoridade, direcção e fiscalização daquela, [desempenhou] as funções inerentes à categoria de chefe de secção de escritório, competindo-lhe, fundamentalmente, no exercício dessas funções, coordenar, dirigir e fiscalizar um grupo de trabalhadores afectos à secção de vendas e que estavam a seu cargo e responsabilidade, visitando o autor, por vezes, os agentes comerciais da ré nas suas sedes; - c) o autor exercia a sua actividade, essencialmente, na sede da ré, em Alenquer, trabalhando das 9 horas às 13 horas e das 14 horas e 30 minutos às 18 horas, de segunda a sexta-feira, descansando aos Sábados e Domingos; - d) em Agosto e Setembro de 1999, o autor auferia a retribuição mensal ilíquida de € 983,56, na qual se incluíam seis diuturnidades, auferindo, em Setembro de 2000, a retribuição mensal ilíquida de € 1.014,91, na qual se incluíam seis diuturnidades; - e) o autor esteve inscrito no Sindicato dos Trabalhadores de Escritório, Comércio, Hotelaria e Serviços (SITESE)...
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Acórdão nº 222/10.6TVPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 31 de Maio de 2012
...a sentença (cf. neste sentido Acórdãos do STJ de 05.11.2003, proc. n.º 04B1430, relator Cons. Salvador da Costa; n.º 19.12.2007, proc. n.º 07S3387, relator Cons. Bravo Serra; de 14.05.2009, proc. n.º 09B0677, relator Cons. Serra Baptista, todos do site do *III - Se devem ser eliminadas as a......
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Acórdão nº 222/10.6TVPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 31 de Maio de 2012
...a sentença (cf. neste sentido Acórdãos do STJ de 05.11.2003, proc. n.º 04B1430, relator Cons. Salvador da Costa; n.º 19.12.2007, proc. n.º 07S3387, relator Cons. Bravo Serra; de 14.05.2009, proc. n.º 09B0677, relator Cons. Serra Baptista, todos do site do *III - Se devem ser eliminadas as a......