Acórdão nº 07P3856 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Novembro de 2007

Magistrado ResponsávelSANTOS CABRAL
Data da Resolução28 de Novembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça O Ministério Público veio interpor recurso da decisão da 1ª vara Criminal do Porto que no segmento em que absolveu os arguidos AA, BB, CC, DD (quanto a este, na parte relativa ao artigo publicado na edição do Jornal Público do dia 26 de Agosto de 2003) e EE dos crimes de violação de segredo de justiça, p. e p. pelos arts. 371°, nº 1, do Cód. Penal e 30°, nº 1 e 2, e 31°, nº 1, da Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro, de que estavam acusados.

As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que: 1. A doutrina e a jurisprudência tem entendido que os jornalistas que tenham conhecimento, ocasional, de actos processuais cobertos pelo segredo de justiça e os revelem nas suas crónicas podem incorrer na prática do crime de violação de segredo de justiça previsto no art. 371°, nº 1, do Cód. Penal, desde que verificados os requisitos do dolo, com fundamento nos seguintes preceitos legais: no art. 37° da CRP, onde, apesar de se consagrar, no nº 1, o direito de liberdade e expressão, se prevê, no nº 3, o cometimento de infracções no exercício de tal direito; no art. 18°, nº 2, da CRP, onde se prevê a possibilidade de a lei restringir os direitos, liberdades e garantias para salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos; no art. 20°, nº 3, da CRP, onde se prevê que a lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça, no art. 10°, nº 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, onde se prevêem restrições ao direito à liberdade de expressão, consagrado no nº 1 deste preceito, no art. 1°, nº 1, da Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro, Lei de Imprensa, onde se estabelece que é garantida a liberdade de Imprensa, nos termos da Constituição e da Lei, no art. 3° da mesma Lei, onde se determina que a liberdade de imprensa tem como limites os que decorrem da Constituição e da lei, no art. 8°, nº 3, da Lei nº1/99, de 13 de Janeiro, Estatuto dos Jornalistas, onde se estabelece que o direito de acesso às fontes de informação não abrange os processos em segredo de justiça, no art. 86°, nº 4, do Cód. Proc. Penal, que determina que o segredo de justiça vincula todos os participantes processuais, bem como as pessoas que, por qualquer título, tiverem tomado contacto com o processo e conhecimento de elementos a eles pertencentes e implica as proibições quer de tomada de conhecimento do conteúdo de acto processual a que não tenham o direito ou o dever de assistir, quer a sua divulgação, independentemente do motivo que presidir a tal divulgação, e no art. 88°, nº 1, do Cód. Proc. Penal, donde resulta, a proibição dos órgãos comunicação social divulgarem actos processuais em segredo de justiça.

  1. Ora, o acórdão deu como provado que os arguidos AA, BB e CC, jornalistas, à época, do Jornal de Notícias, e DD e EE, jornalistas do Jornal Público, através de artigos publicados nos respectivos jornais, divulgaram o conteúdo de actos processuais que foram praticados no âmbito do chamado Processo Casa Pia, o qual se encontrava em segredo de justiça (uma vez que foram publicados antes da dedução da acusação), e de que tinham tido conhecimento por forma não apurada, tendo agido livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que tais actos estavam cobertos pelo segredo de justiça, tendo os arguidos BB, DD e EE agido no convencimento erróneo que a proibição legal constante do art. 371 do Cód. Penal era apenas aplicável aos intervenientes processuais, sendo a sua conduta lícita.

  2. Na fundamentação jurídica, considerou o acórdão que o entendimento maioritário, à época, era o de que apenas cometiam este crime os intervenientes processuais que dessem a conhecer os actos processuais cobertos pelo segredo de justiça aos jornalistas e que estes só cometiam tal crime se tivessem tido acesso a tais actos de forma fraudulenta, pelo que os arguidos BB, DD e EE, sabedores deste entendimento, agiram sem consciência da ilicitude, não sendo o erro censurável, e que, quanto aos arguidos CC e AA, em obediência ao princípio in dubio pro reo, se tinha de concluir pela forma que lhes fosse mais favorável, tendo assim o acórdão considerado que todos os arguidos tinham agido sem culpa, nos termos do art. 17°, n.º 1, do Cód. Penal, absolvendo-os da prática dos crimes de violação de segredo de justiça de que estavam acusados.

  3. É entendimento geral que é matéria de facto saber se o arguido agiu com erro e sem consciência da ilicitude do facto e é matéria de direito a questão de saber se o erro é ou não censurável.

  4. O princípio in dubio pro reo é um princípio relativo à prova, pelo que o Tribunal não se podia socorrer do mesmo para concluir que o erro dos arguidos CC e AA não era censurável, tendo assim feito uma errada aplicação de tal princípio.

    5 O acórdão suporta a conclusão de que, à época, o entendimento maioritário era no sentido de que só os intervenientes processuais cometiam o crime de violação de segredo de justiça e que por esta razão não é censurável o erro dos arguidos com base em diversas decisões relativas à violação de segredo de justiça por parte dos jornalistas que integram o Anexo E, despachos de arquivamento em inquéritos, despachos de não pronúncia e decisões absolutórias, de que os mesmos, por serem pessoas bem informadas tinham conhecimento, existindo até despachos de arquivamento quanto ao arguido DD.

    6 No entanto, da análise de tais decisões, com excepção do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 05-05-99, resulta que os fundamentos da não imputação aos arguidos da prática de tal crime se prendem com o facto de não se ter feito prova ou não haver indícios suficientes de que aqueles tenham divulgados actos processuais, ou de que tal conhecimento lhes tenha advindo do processo, ou porque tais actos já eram do conhecimento público.

  5. No entanto, a situação em apreço no referido acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de uma jornalista da Rádio Altitude detida, em flagrante delito, por crime de violação de segredo de justiça, foi amplamente difundida pela comunicação social, sendo uma das notícias publicadas no Jornal Público, mencionadas no acórdão, tendo a mesma sido condenada, na 1ª instância, pela prática de tal crime.

  6. E também num dos despachos de arquivamento analisados pelo acórdão, em que um dos jornalistas era o arguido DD, se tinha considerado que os jornalistas estão vinculados ao segredo de justiça e que cometem tal ilícito desde que o objecto do seu artigo jornalístico se reporte directamente ao conteúdo de um acto processual a que acederam.

  7. Por outro lado, à época, havia jurisprudência publicada no sentido de que os jornalista também cometiam o crime de violação de segredo de justiça quando divulgavam actos cobertos por tal segredo de que tinham tido conhecimento de forma ocasional, como sejam os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 5-2-2003, de 01-12-93, de 13-03-90 e de 03-10-89, e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24-09-98.

  8. Por outro lado, os citados acórdãos, de 01/12/93 e 05/02/2003, do Tribunal da Relação de Lisboa e, de 24-09-98, do Tribunal da Relação de Coimbra confirmaram decisões de 1ª instância em que os jornalistas...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT