Acórdão nº 98B059 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Maio de 1998

Magistrado ResponsávelMIRANDA GUSMÃO
Data da Resolução06 de Maio de 1998
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I 1. No Tribunal Judicial de Évora, A e B intentaram acção com processo especial de despejo contra C Limitada pedindo que seja decretada resolução do contrato de arrendamento relativo ao prédio urbano sito na Rua ... São Mamede - Évora e se condene a Ré no despejo, com o fundamento de ter, por escritura de 4 de Janeiro de 1990, cedido a exploração do estabelecimento comercial de cervejaria instalado no rés-do-chão do prédio denominado "Abadia" ao Restaurante Bar o ... Limitada pelo prazo de cinco anos, renovável, mediante a importância de 7200000 escudos em prestações mensais de 120000 escudos, cedência essa feita sem a sua autorização. A Ré na contestação que deduziu considera que a cessão de exploração do estabelecimento em causa titulada pela referida escritura respeitou o disposto no artigo 1118 do Código Civil e por conseguinte não precisa de autorização do senhorio. A Ré deduziu ainda reconvenção com base em obras que efectuou no arrendado e das quais pretende ser indemnizada no montante de 25000000 escudos, no caso de procedência da acção. 2. No despacho saneador-sentença foi julgada improcedente a acção, com absolvição da Ré do pedido e de igual modo julgado improcedente a reconvenção com absolvição das Autoras do pedido. 3. Autoras e Ré apelaram. A Relação de Évora, por acórdão de 1 de Julho de 1997, julgou: a) procedente a apelação das Autoras, revogando a sentença recorrida e decretando a resolução do contrato de arrendamento em causa e condenando a Ré no despejo imediato do locado; b) improcedente a apelação da Ré, confirmando, nessa parte, a sentença recorrida. 4. A Ré C Limitada pede - revogação do acórdão recorrido ou o processo seguir os seus termos com organização da especificação e do questionário, uma vez que o direito de indemnização da Ré não pode ser afastado nos termos que o douto acórdão o fez -, formulando conclusões no sentido de serem apreciadas duas questões: a primeira, se para a cessão de exploração de estabelecimento comercial ou industrial não se torna necessário o consentimento do locador do prédio onde está instalado; a segunda, se a Ré tem direito a ser indemnizada com base nas obras que efectuou no arrendado. 5. As Autoras apresentaram contra-alegações onde sustentam que: a) deve negar-se provimento ao recurso e confirmar-se o douto acórdão; b) a entender-se que a cessão, nos termos em que foi feita, é válida e como tal deve ser tida e deve ordenar-se o prosseguimento dos autos para elaboração da especificação e do questionário. Corridos os vistos, cumpre decidir. II Elementos a tomar em conta: 1) As Autoras são donas e legítimas proprietárias do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de São Mamede - Évora, sob o n. 993, a folha 101 do Livro B-3; 2) Por escritura pública de 21 de Março de 1973, foi o referido prédio dado de arrendamento à Ré para o exercício da actividade comercial de cervejaria e restaurante, pelo prazo de um ano e pela renda mensal de 3500 escudos, sucessivamente actualizada nos termos legais e actualmente de 17271 escudos; 3) Por escritura de 4 de Janeiro de 1990 a Ré cedeu à Sociedade Restaurante - Bar o ... Limitada a exploração comercial de cervejaria instalado no rés-do-chão do prédio pelo prazo de cinco anos, o que foi aceite pela Ré através de declaração exarada na mesma escritura; 4) As Autoras não autorizaram essa cessão, a qual apenas lhe foi comunicada por carta de 15 de Janeiro de 1990; 3) No contrato de arrendamento referido em 2) as partes estipularam sob a cláusula 5. que "todas as obras já efectuadas pela arrendatária no prédio arrendado, bem como as que, de futuro, a mesma arrendatária venha a fazer, ficam a fazer parte do prédio, não tendo por elas o direito a qualquer indemnização nem alegar o direito de retenção. III Questões a apreciar no presente recurso. A apreciação e a decisão do presente recurso passa pela análise, conforme sublinhado, de duas questões: a primeira, se para a cessão de exploração de estabelecimento comercial instalado no local de que a Ré é arrendatária tornava-se (ou não) necessário autorização das autoras, na sua qualidade de senhorias; a segunda, se a Ré tem direito a ser indemnizada com base nas obras que efectuou no arrendado. A segunda questão ficará prejudicada na sua apreciação no caso de a primeira questão sofrer resposta no sentido de não ser necessário o consentimento do locador. Abordemos tais questões. IV - Se para a cessão de exploração do estabelecimento comercial instalado no local de que a Ré é arrendatária, tornava-se (ou não) necessária a autorização das Autoras, na sua qualidade de senhorias. 1. Posição da Relação e das partes: 1a) A Relação de Évora decidiu que é necessária a autorização do senhorio para a cessão de exploração de um estabelecimento comercial instalado no prédio locado, porquanto: - o fundamento da alínea f) do artigo 1038 do Código Civil reside no "intuitu personae" da locação e, por tal, não é indiferente ao locador a pessoa a quem se proporciona o gozo da coisa; - essa alínea f), procura abarcar todas as formas possíveis de, por acto inter-vivos, o locatário proporcionar a outrem o gozo do locado, para as proibir, sem prejuízo da permissão legal ou autorização do locador. - Resulta, portanto, que a cedência do gozo do locado só pode ser proporcionada pelo arrendatário a outrem quando a lei o permita ou o senhorio a autorize. 1b) A Ré/recorrente sustenta que para a cessão de exploração de um estabelecimento comercial não se torna necessária autorização do senhorio do local em que o mesmo está instalado, porquanto: - a cessão de exploração de estabelecimento comercial ou industrial não se enquadra em qualquer das figuras jurídicas tipicizadas na alínea f) n. 1 do artigo 1093 do Código Civil: subarrendamento, comodato, cessão da posição contratual do arrendatário; - se a lei permite que a transmissão definitiva de um estabelecimento comercial se faça sem autorização do senhorio, por maioria da razão permite também que o titular do estabelecimento faça a cessão de exploração sem autorização, uma vez esta é necessariamente um menos em relação ao trespasse. 1c) Por sua vez, as Autoras/recorridas sustentam que para a cessão de exploração de um estabelecimento comercial necessário se torna a autorização do senhorio do local em que o mesmo está instalado, porquanto: a) por um lado, nenhuma razão séria existe para legitimar a interpretação extensiva do artigo 1118 n. 1 do Código Civil, de modo a abranger nas suas malhas a locação do estabelecimento, conforme sublinha Antunes Varela, Revista Legislação e Jurisp., ano 123, página 345, nota 1; b) por outro lado, há razões que levam a que tal interpretação seja liminarmente excluída e que se conclua pela necessidade de autorização do senhorio: - a primeira, a protecção que a lei dá ao senhorio em caso de sublocação e da razão dessa protecção: nunca dispensa a sua autorização para que esta tenha lugar; permite-lhe obstar a que o arrendatário se enriqueça à sua custa - artigo 1062 do Código Civil); autoriza-o a pedir ao sublocatário as rendas que o arrendatário tenha em mora - artigo 1063); e confere-lhe até o direito de pôr de lado o arrendatário eliminando-o da relação trilateral que o subarrendamento implicava - artigo 46 do R.A.U.; - a segunda, o regime jurídico do trespasse e da sua razão de ser: o arrendatário pode trespassar o estabelecimento e com isso forçar à transferência de arrendatário, sem autorização do senhorio, dado que o trespasse é uma forma de dinamização da economia; mas a lei compensou o senhorio com outro...

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