Acórdão nº 080295 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Dezembro de 1991

Magistrado ResponsávelFERNANDO FABIÃO
Data da Resolução10 de Dezembro de 1991
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Na Comarca de Oeiras, A e marido B, C e D deduziram contra E e F os presentes embargos de executado, por apenso à execução n. 11/72-A, com processo ordinário, para pagamento de quantia certa - 3750000 escudos de tornas que os executados foram condenados a pagar aos exequentes no inventário por óbito de F e juros vencidos e vincendos - em que alegaram a incompetência internacional dos tribunais portugueses, por ser em Angola o lugar do cumprimento da obrigação exequenda, bem como a incompetência territorial do tribunal de Oeiras, e ainda a extinção da obrigação exequenda por impossibilidade superveniente do seu cumprimento, dado que, com a independência de Angola, tornou-se-lhes impossível movimentar fundos ou dispor de bens neste país, já que foram congeladas as transferências de dinheiro para Portugal bem como as contas bancárias e nacionalizados os bens. Contestaram os embargos a afirmar a competência internacional e territorial do tribunal de Oeiras e a rebater a impossibilidade de cumprimento da obrigação exequenda, terminando por pedir a improcedência dos embargos. No saneador, o meritíssimo juiz, após ter decidido ser o tribunal de Oeiras competente, julgou os embargos improcedentes. Desta decisão recorreram os embargantes para o Tribunal da Relação de Lisboa, que negou provimento à apelação e confirmou a decisão recorrida. Deste acórdão voltaram os embargantes a interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, e, nas alegações, apresentaram, em estilo algo prolixo e pouco claro, as conclusões seguintes: I - Dado que os interessados deliberaram, por unanimidade, que as tornas de 3750000 escudos devidas ao menor seriam pagas através de depósito no Banco de Angola em Luanda dentro do prazo de um ano improrrogável e tendo o representante do menor e o Digno Agente do Ministério Público declarado que não reclamasse o pagamento de tornas, ficando os prédios descritos sob as verbas ns. 48 e 50 onerados com hipoteca legal, nos termos do n. 4 do artigo 1378 do Código de Processo Civil, verifica-se que a forma de pagamento "Depósito no Banco de Angola" e o lugar do pagamento foram, para além de correctamente e perfeitamente expressos, essenciais à vontade negocial declarada pelas partes, já que a herança, à excepção de verbas de diminuto valor, se situava em Angola; ou, como a sentença homologatória da partilha transitou em julgado em 17 de Janeiro de 1974, devia o pagamento das tornas ser feito até 17 de Janeiro de 1975; por outro lado, à data do acordo de partilha e da sentença homologatória, o Escudo Português não tinha curso legal em Angola, tendo então esta ex-colónia moeda própria, também designada por escudo e vulgarmente por "Angolar" substituída em 11 de Novembro de 1976 pela nova moeda, o Kwanza, pelo que o pagamento foi estabelecido em Escudos de Angola e não em Escudos Portugueses, sendo inexigível nesta última moeda o pagamento, decorridos mais de 10 anos; II - Mesmo que assim se não entendesse, conforme é público e notório, do conhecimento geral das pessoas, o Processo de Descolonização de Angola e a sua Independência tornaram impossível, naquele prazo ou noutro mais dilatado, cumprir a obrigação, por causa não imputável ao devedor (artigo 790 do Código Civil), como o Supremo já decidiu em caso análogo (B.M.J. 293, página 333) ou seja, se o devedor não puder pagar a dívida em virtude de todos os seus bens terem sido congelados, verifica-se a impossibilidade temporária do cumprimento da obrigação; no caso em apreço, os embargantes ficaram impossibilitados, no prazo assinado para o pagamento, em consequência da aludida descolonização e das alterações de cariz político, social e económico que a caracterizaram, de depositar no Banco de Angola, na moeda acordada - Escudos de Angola - já que não podia efectuar-se o pagamento ali, em Escudos Portugueses, das respectivas quantias; tal impossibilidade objectiva, absoluta, superveniente, por causa não imputável aos embargantes, será hipoteticamente temporária, caso o Governo da República Popular de Angola venha a devolver ou a indemnizar os embargantes e a permitir a movimentação das respectivas contas de que eram titulares naquele país, por tal forma que, até lá, não podem os embargantes exigir o cumprimento e muito menos em Escudos Portugueses, acrescidos de juros de mora, porquanto a mora nem sequer lhes pode ser imputável, assim o tendo considerado o legislador português, com aplicação ao caso em apreço, através do Decreto-Lei 75-A/77, de 28 de Fevereiro, aprovado, face à independência das ex-colónias, por suspender a liquidação e o pagamento do Imposto Sucessório; III - Aliás, a pretensão dos exequentes - embargados deve considerar-se exercício abusivo do direito de crédito que se arrogam, questão esta que, sendo do conhecimento oficioso do tribunal, nem sequer foi enquadrado pelas instâncias, já que o cumprimento forçado da obrigação exequente estabelecia um desequilíbrio grosseiro, injusto e surpreendente entre os herdeiros, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé, como o mostram a grave actuação da circunstância logo a seguir ao acordo de partilhas, a perda de todos os bens da herança que se encontrava em Angola, a frustração do acordo de distribuição de bens, a iniquidade de mera dívida de tornas que perdeu a sua causa económica e jurídica, a pretensão executiva apresentada decorridos 10 anos, quando sempre fora nítido que a herança se perdera e todos o sabiam, tanto mais que só com dinheiro proveniente de outras fontes, designadamente do trabalho desenvolvido no decurso...

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