Acórdão nº 08S3435 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Maio de 2009

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução27 de Maio de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

AA instaurou, em 10 de Março de 2006, no Tribunal do Trabalho de Coimbra, a presente acção declarativa sob a forma de processo comum laboral contra Universidade Internacional da Figueira da Foz (UIFF), estabelecimento particular de ensino universitário, e SIPEC - Sociedade Internacional de Promoção de Ensino e Cultura, S.A.

, pedindo: a) A declaração de que as Rés não cumpriram o estatuto remuneratório devido pelas atribuições e funções desenvolvidas pelo Autor e a condenação das Rés a reconhecê-lo; b) A consequente condenação das Rés no pagamento ao Autor da quantia global de € 69.089,65, acrescida de € 2.710,59, a título de juros de mora à taxa legal já vencidos e ainda daqueles que se vençam até efectivo e integral pagamento; c) A declaração da resolução do contrato de trabalho por justa causa do Autor e a condenação das Rés a reconhecê-lo; d) A consequente condenação das rés no pagamento da quantia de € 81.663,10, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Em síntese, alegou que: - Em Julho de 1994, foi admitido pelas Rés para, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, exercer várias funções (docência, direcção do curso de psicologia, presidência do Conselho Directivo da UIFF, presidência do Conselho Científico da licenciatura em psicologia, formador, Director-Geral da UIFF a partir de Julho de 2002, Secretário-Geral da UIFF a partir de Julho de 2003 e Vice-Reitor da UIFF a partir de Agosto de 2004), o que fez em regime de exclusividade a partir de Outubro de 2002 (pois até esta data acumulava as suas funções com as de docente na Faculdade de Psicologia da Universidade de Coimbra); - Apesar das funções e cargos por ele exercidos, as Rés nunca lhe pagaram os correspondentes montantes de retribuição de acordo com as leis aplicáveis ao ensino superior universitário; - A partir da tomada de posse da nova administração da Ré SIPEC (no Verão de 2003) e porque o Autor tivesse solicitado a correcção do seu regime remuneratório, as Rés começaram a retirar-lhe poderes e, por duas vezes, lhe reduziram o valor da remuneração, bem como se atrasaram no pagamento da mesma; - Face a esta situação (especialmente a degradação do seu estatuto remuneratório), viu-se forçado a pedir o seu reingresso na Universidade de Coimbra, para o que necessitava de um documento de renúncia à docência na UIFF, tendo sido por esse motivo que subscreveu o documento junto a fls. 109, no qual invocou razões fictícias para justificar a sua saída, mas que apenas foi elaborado e subscrito a pedido das Rés e porque por estas estava a ser pressionado, sendo que o verdadeiro motivo da cessação do contrato de trabalho foi a falta de pagamento das remunerações por parte das Rés, o que constitui justa causa de resolução.

Apenas a Ré SIPEC contestou, em defesa por excepção, invocando a falta de personalidade e capacidade judiciárias da Ré UIFF e a prescrição dos créditos reclamados pelo Autor, e por impugnação, alegando, em resumo, que a relação que existiu entre si e o Autor não foi de trabalho mas simplesmente de prestação de serviços, que o Autor não foi forçado a resolver o contrato, antes o tendo feito por sua livre vontade, que ao Autor nunca seria aplicável o estatuto remuneratório do ensino superior público, pois o mesmo não pode ser transposto para o ensino superior privado, reconhecendo, embora, dever as quantias reclamadas por formação que ministrou.

Concluiu pela procedência das invocadas excepções de falta de personalidade jurídica da primeira ré e de prescrição e, subsidiariamente, pediu que se julgasse a acção improcedente, com a sua absolvição do pedido.

Após resposta do Autor, e realizada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, no qual se julgou procedente a excepção de falta de personalidade jurídica da Ré UIFF, absolvendo-se a mesma da instância, e se julgou improcedente a excepção de prescrição, tendo, naquele momento processual, sido dispensada a condensação.

Na audiência de discussão e julgamento foi requerida e admitida a ampliação do pedido, no sentido de se declarar também a nulidade da declaração junta a fls. 109.

Proferida a decisão sobre a matéria de facto, e deferido um pedido de esclarecimento apresentado pela Ré, veio a ser lavrada sentença que decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenar a Ré SIPEC a pagar ao Autor as quantias de: - € 802,31, a título de diferenças entre os salários devidos e aqueles efectivamente por si pagos nos meses de Outubro e Dezembro de 2004, Janeiro e Março de 2005, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a data de vencimento de cada uma das retribuições em causa até efectivo e integral pagamento; - € 30,29, a título de diferença entre os proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal devidos - com referência ao ano da cessação do contrato - e aqueles efectivamente por si pagos, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde o dia 17 de Março de 2005 até efectivo e integral pagamento; e - € 6.286,98, a título de retribuição e subsídio relativos às férias vencidas em 1 de Janeiro de 2005 e não gozadas, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde o dia 17 de Março de 2005 até efectivo e integral pagamento.

No mais, foi a Ré absolvida dos pedidos.

  1. O Autor recorreu de apelação (tendo impugnado a decisão proferida sobre a matéria de facto) e, na sequência do recebimento de tal recurso, também a Ré, em via subordinada, apelou.

    Tendo o Tribunal da Relação de Coimbra negado provimento a ambos os recursos, o Autor interpôs recurso de revista, após cuja admissão, a Ré veio, subordinadamente, impugnar a decisão daquele tribunal superior.

  2. 1.

    Na revista (independente) do Autor, foram apresentadas as seguintes conclusões: «1.º - A contratação dos docentes do ensino superior particular ou cooperativo opera-se num contexto de liberdade contratual podendo a instituição universitária e o docente recorrer, tanto ao contrato de trabalho como ao contrato de prestação de serviço.

    1. - No caso dos autos, e sendo pacífico que as partes se vincularam através de um contrato de trabalho, importa aferir qual o regime jurídico a que deverá submeter-se tal contrato, v.g. no que diz respeito à retribuição uma vez que volvida uma década sobre a publicação do DL 16/94 de 22 de Janeiro o legislador ainda não emitiu o diploma a que se refere no art. 24.º do referido Decreto-Lei.

    2. - O anúncio que o legislador faz de que irá submeter a diploma próprio o regime laboral dos docentes universitários dos Estabelecimento de Ensino Superior Particular e Cooperativo denota que o legislador considera revestirem-se as relações laborais respectivas de características específicas, justificativas de uma actividade legislativa que as contemple.

    3. - A aplicabilidade "de iure constituto" das normas gerais que regulam o comum dos contratos individuais de trabalho não tem como consequência necessária que o aplicador da lei perca de vista as especificidades do exercício da docência no ensino superior, o que poderá levar a que, neste ou naquele particular aspecto, detecte lacunas na lei geral, uma vez que, até por definição, a lei não contempla aquelas especificidades: é o que sucede com a questão da retribuição .

    4. - Com efeito, a lei geral apenas refere (cfr. art. 263.º do C.T) que na determinação do valor da retribuição deve ter-se em conta a quantidade, natureza e qualidade do trabalho, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, pelo que é manifesto a existência de uma lacuna.

    5. - Para integração das lacunas, rege o art. 10.º n.º 1 e 2 do C.Civil, o recurso à analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.

    6. - No caso da regulamentação quanto à retribuição dos docentes do ensino superior particular e cooperativo, o legislador deu um valioso contributo nesta matéria ao julgador ao fornecer-lhe importantes indícios: - atente-se à referência que o legislador faz no sentido de ser sua intenção de publicar um diploma próprio contemplativo do regime laboral dos docentes do ensino superior privado (art. 40.º n.º 2 do DL 271/89 e art. 24.º n.º 1 e 2 do DL 16/94) absolutamente indiciadora de que a disciplina geral do contrato individual de trabalho não se adequa aqueles contratos, por um lado - e por outro, no sentido de que, a haver lacunas, procedem no caso omisso as razões justificativas da regulamentação estabelecida para o exercício da docência nos estabelecimentos de ensino superior público (para isso apontam as numerosas referências no Preâmbulo do DL 16/94).

    7. - Para integração da lacuna constatada importa a aplicação do Estatuto dos Docentes do Ensino Superior Público (ECDU) aprovado pelo DL 448/79 de 11 de Novembro, ratificado com alterações pela Lei 19/80 de 16 de Julho, bem como o Decreto-Lei 408/89 de 18 de Novembro com as alterações introduzidas pelos DLs 76/96 de 18/6, 212/97 de 16 de Agosto e 373/99 de 18 de Setembro, a isso obrigando, outrossim, o disposto no art. 23.º, n.º 1, da Lei 16/94 e actualmente o disposto na Lei 62/2007 bem como o disposto no art. 59.º, n.º 1, a) da Lei Fundamental.

    8. - O que acaba de ser dito vale também, pelas mesmíssimas razões, para a aplicação do suplemento remuneratório atribuído pela DL 388/90 de 10 de Dezembro, aos titulares dos cargos de gestão das instituições do ensino superior.

    9. - O funcionamento das instituições de ensino superior fundadas por entidades particulares e cooperativas supõe um paralelismo com o ensino público no domínio fundamental da composição do corpo docente e do respectivo regime da docência, 11.º - pois só tal exigência de paralelismo é compatível com o interesse público.

    10. - No caso sub judice resulta a existência de um contrato de trabalho que - enquanto não for publicado o...

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