Acórdão nº 08S3618 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Abril de 2009

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução22 de Abril de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 1 de Junho de 2006, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, 3.º Juízo, AA instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra INSTITUTO SUPERIOR BB, pedindo: a) se declarasse que a relação jurídica estabelecida entre o autor e o réu era uma verdadeira relação laboral, existindo um contrato de trabalho sem termo; b) se declarasse que foi ilicitamente despedido pelo réu, já que o referido despedimento não foi precedido de processo disciplinar; c) a condenação do réu a pagar-lhe (i) a quantia de € 26.247,04, a título de indemnização pelo despedimento ilícito, (ii) a quantia de € 26.247,04, a título de retribuições vencidas entre a data do despedimento e a data da propositura da acção, (iii) a quantia de € 20.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais, (iv) o valor correspondente às retribuições vencidas entre a data da propositura da acção e a sentença final e (v) juros de mora sobre as quantias peticionadas.

Em suma, alegou que, no ano lectivo de 1998/1999, foi admitido ao serviço do réu para dar aulas e orientar teses de mestrado e, mais tarde, de doutoramento, por conta e sob a autoridade do réu, mediante remuneração mensal, e que, em Agosto de 2005, o réu comunicou-lhe que prescindia dos seus serviços, a partir de 1 de Outubro seguinte, comunicação que configura um despedimento ilícito, visto que o contrato que vigorou entre as partes era um contrato de trabalho e o despedimento não foi precedido do competente procedimento, evento que lhe causou profundo abatimento e prejudicou a sua imagem enquanto psicólogo clínico.

A acção, contestada pelo réu, foi julgada totalmente improcedente, tendo a sentença da primeira instância absolvido o réu de todos os pedidos formulados.

  1. Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação, que o Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedente, sendo contra esta decisão que o autor agora se insurge, mediante recurso de revista, em que alinha as seguintes conclusões: «1. Uma das questões em que as instâncias se basearam para considerar a existência de um contrato de prestação de serviç[o] foi o de ter sido dado como provado que o recorrido não controlava o trabalho do recorrente, ou seja, que este nas aulas que ministrava tinha autonomia completa.

  2. Ora, o facto dado como provado de que não havia controlo tem que ser entendido à luz das especificidades da relação em causa: um Professor Catedrático a orientar teses de mestrado e de doutoramento.

  3. Tal como acontece em qualquer outra instalação de ensino superior, os professores catedráticos, no âmbito das suas cátedras, são apenas sujeitos a fiscalização científica, e não hierárquica, como o próprio R. afirmava no artigo 119.º da sua Contestação.

  4. Dos Estatutos do R. [publicados no Diário da República, Apêndice n.º 35/2000, II Série, n.º 59, de 10 de Março de 2000, através do Aviso n.º 1665/2000 (2.ª série) - AP, em cumprimento do disposto no artigo 72.º do Decreto-Lei n.º 16/94, de 11 de Novembro (Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo), pelo que deverão ser de conhecimento oficioso pelo Tribunal] decorre que, embora na prática, seja no R., seja em qualquer outra Universidade, o trabalho dos professores catedráticos no âmbito das suas cátedras não é sujeito a qualquer controlo, mas pode sê-lo.

  5. Pelo que tal elemento foi indevidamente valorado pelas instâncias.

  6. O contrato de 1999, outorgado entre as partes, chamado de "prestação de serviços", não o era, de facto, desde logo porque os seus elementos constitutivos apontam no sentido de se tratar de um verdadeiro contrato de trabalho "camuflado" sob o nomem "prestação de serviços". Assim, e pese embora também nele estejam integrados elementos dúbios, como a retribuição e forma de pagamento, todos os outros já apontam no sentido do contrato de trabalho.

  7. Dos factos dados como provados e de vários outros referidos em sede de julgamento, verifica-se que o contrato que vigorou a partir de Janeiro de 2000 entre recorrente e recorrido não era o mesmo que vigorou em 1999.

  8. Retirando o facto de o recorrente continuar a desenvolver o seu trabalho nas instalações do recorrido, situação essa que se manteve inalterada durante toda a relação laboral, nenhum dos outros elementos referidos no contrato junto aos autos subsistiu, uma vez que: 1 - aumentou o trabalho realizado pelo recorrente (da orientação de 2 mestrados, passou a orientar 3 mestrados, a dar dois doutoramentos, nomeadamente na parte lectiva, a assistir a reuniões do Conselho Científico); 2 - [a] sua categoria profissional passou de Professor Associado para Professor Catedrático [progressão na carreira, associada a um aumento no vencimento de quase 150 contos (€ 750) mensais - de 351.000$00 em 1999, para 494.500$00 em 2000, tudo conforme Docs. 1 a 61 juntos aos autos]; 3 - [o] vencimento passou a ser pago de 10 prestações anuais, em 1999, para 14 prestações mensais em 2000.

  9. A relação jurídica é completamente diferente entre a que estava prevista no contrato de 1999 e o que se passou a verificar, de facto, desde 2000, sendo certo que pelos elementos de facto dados como provados bem como por outros factos importantes trazidos aos autos, em sede de audiência de discussão e julgamento, [...] a relação jurídica em causa passou a ser de contrato de trabalho.

  10. O contrato de 1999 chamado de "prestação de serviços", não o era, de facto, desde logo porque os seus elementos constitutivos apontam no sentido de se tratar de um verdadeiro contrato de trabalho "camuflado" sob o nomem "prestação de serviços". Assim, e pese embora também nele estejam integrados elementos dúbios, como a retribuição e forma de pagamento, todos os outros já apontam no sentido do contrato de trabalho [repete-se o já constante na conclusão 6)].

  11. O primeiro elemento é o de ter sido fixado um prazo: a orientação das teses não se coaduna com um prazo fixo, ou seja, o recorrente ao ser contratado para prestar serviços como professor ao nível da orientação de teses de alunos do recorrido, deveria tê-lo sido com um universo temporal que se adequasse à obtenção do objectivo que se pretendia atingir, a dissertação das teses por parte dos alunos e obtenção do grau de mestre.

  12. In casu, os termos da cláusula 2.ª do contrato conjugados com o tempo de vigência dado ao mesmo não deixam dúvidas: ao recorrente não foi fixada a obrigação de atingir qualquer resultado, mas o mero desempenho da actividade [-] orientação de teses nos cursos de mestrado. Nada mais. Embora integrado com o primeiro, este é o segundo elemento indiciador de um contrato de trabalho.

  13. Se tivesse sido fixado como obrigação o atingir do resultado da actividade de orientação - a apresentação da tese e/ou a obtenção do grau pelo aluno - o prazo de vigência do contrato teria que corresponder ao tempo necessário para a obtenção do resultado, ou seja, a cláusula deveria estar construída de forma a que permitisse ao prestador de serviços atingir o fim que se propôs perante quem lhe deu o serviço.

  14. Da mesma forma, e se prestasse um serviço tendo em vista a obtenção de um determinado objectivo - apresentação das teses por parte dos seus alunos - o recorrente deveria ser pago de acordo com os serviços que prestava - as teses concluídas, os número de alunos que obtinham o grau, etc. - e não mediante uma retribuição paga mensalmente, 14 vezes por ano.

  15. Nas prestações de serviços, e este é o terceiro elemento constitutivo de uma verdadeira relação laboral escondida neste contrato, aos prestadores não é fixada qualquer categoria profissional: limitam-se a prestar os serviços para que foram contratados, mediante o pagamento do preço acordado.

  16. A Cl. 3.ª do contrato sob o título "categoria", refere expressamente que ao recorrido foi atribuída a categoria de Professor Associado. A existência de uma categoria profissional é sempre elemento constituinte de uma relação laboral e nunca de uma prestação de serviços, uma vez que na prestação de serviços não existe, nem pode existir, relação hierárquica. Havendo categoria profissional, há relação hierárquica, ou pelo menos a possibilidade teórica dela ser exercida.

  17. A cláusula 5.ª refere que os "serviços" serão prestados nas instalações do primeiro outorgante ou em lugar devidamente indicado pelo seu director. Desta cláusula nascem dois elementos constituintes do contrato de trabalho: o local da prestação do trabalho é o da entidade patronal e esta pode livremente alterá-lo; a entidade patronal tem o poder de ordenar ao trabalhador alterações ao local de trabalho previamente definido - instalações do primeiro outorgante, como é referido no corpo da cláusula[.] 18. Para efeitos de mera orientação de teses, não é obrigatório que o professor se encontre com os alunos numa sala de aulas. Mas o recorrido estabeleceu que assim fosse, o que, mais uma vez, indicia a existência de relação de trabalho subordinado.

  18. O recorrido reservou-se logo do direito de, unilateralmente, alterar o local da prestação do trabalho, e ordenar ao recorrente a sua prática em qualquer local "devidamente indicado pelo seu director". Esta é uma cláusula típica do contrato de trabalho.

  19. Os cursos de doutoramento, que decorriam nas instalações do recorrido, sendo que as dissertações ocorreriam na Universidade do Porto e na Universidade da Estremadura, nasceram de protocolos de colaboração estabelecidos entre o recorrido e essas entidades, conforme resultou provado.

  20. O doutoramento em Saúde Mental, no qual o recorrente leccionou na parte curricular e orientou os doutorandos na fase de dissertação, cujo programa foi estabelecido pela Resolução 14/2002 (junto aos autos na audiência de discussão e julgamento), e estatuía que: a) [é] estabelecido no artigo 1.º que o doutoramento é ministrado no ICBAS em colaboração com o ISMT; b) os candidatos ao doutoramento terão que ser licenciados em Medicina ou Psicologia, ou com o grau de Mestre do...

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