Acórdão nº 08B3326 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelSERRA BAPTISTA
Data da Resolução15 de Janeiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: C... - CONSULTORIA MARÍTIMA, S.A. veio intentar acção, com processo ordinário, contra AA, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 62.500, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, desde 22 de Março de 2001 até integral pagamento.

Alegando, para tanto, em suma: Desenvolveu, com êxito, uma actividade de salvação marítima de uma embarcação de pesca pertencente ao réu, com tripulação embarcada, que ocorreu sob forte temporal, correndo com isso riscos e suportando avarias que devem ser pelo mesmo compensadas.

Citado o réu, veio o mesmo contestar, alegando, também, em síntese: Tratou-se de uma operação de estabelecimento de cabo de reboque, perfeitamente normal.

Não correspondem à verdade a generalidade das avarias descritas na p.i.

São exagerados os valores reclamados pela autora.

Requereu, ainda, a intervenção provocada da MÚTUA DOS PESCADORES - SOCIEDADE MÚTUA DE SEGUROS, alegando ter para ela transferido a respectiva responsabilidade civil em matéria de gastos de salvamento e de reboque marítimo.

Admitida a intervir a chamada veio a mesma também contestar, alegando, ainda em suma: As avarias detectadas na embarcação do réu e as condições de tempo que então se faziam sentir não justificavam a intervenção do rebocador da autora; O mestre da embarcação do réu incorreu em barataria porque saiu para o mar sem tripulação de segurança, em especial, sem os tripulantes das máquinas; A avaria na embraiagem poderia ter sido solucionada caso os motoristas estivessem a bordo e tivessem actuado de acordo com os normais conhecimentos que lhes são exigíveis; Incorrendo os mesmos em falta grave se, estando a bordo, não tivessem solucionado a avaria; Os sinistros devidos a barataria ou a violação de leis e regulamentos estão excluídos da apólice de seguro; Não foi observada a fórmula de cálculo estabelecida nas Condições Particulares da Apólice; A haver responsabilidade da chamada, haverá sempre que ser deduzida a franquia de 165.000$00.

Replicou a autora, bem como o réu.

Foi elaborado o despacho saneador, tendo sido fixados os factos assentes e organizado a base instrutória.

Realizado o julgamento, decidiu-se a matéria de facto da base instrutória pela forma que dos despachos juntos aos autos constam.

Proferida a sentença, foi a acção julgada parcialmente procedente, com a condenação do réu no pagamento à autora da quantia de € 30.000, acrescida de juros de mora vincendos desde a data do trânsito de tal decisão até integral pagamento.

Inconformado, veio o réu interpor, sem êxito, recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa.

De novo irresignado, veio pedir revista para este STJ, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões: 1ª - Nos termos do art. 1° do Regime Jurídico da Salvação Marítima - D.L. n° 203/98, de 10/07 - considera-se salvação marítima todo o acto ou actividade que vise prestar socorro a navios, embarcações ou outros bens, incluindo frete em risco, quando em perigo de mar; 2ª - Muito embora, como ressalta do acórdão recorrido, a tónica do perigo de mar se acentue no navio a salvar, é absolutamente essencial, quanto à sua ocorrência, determinar o seu momento temporal, plasmado na última parte" ...

quando em perigo de mar"; 3ª - E para esse quando, para aquilatar da ocorrência do perigo de mar, o risco corrido pelo salvador há-de ser um elemento preponderante, também, para a qualificação da operação como sendo de reboque ou de salvação marítima; 4ª - No caso dos autos, a permissão da saída da barra da embarcação rebocadora da recorrida, C..., todo o percurso que a mesma efectuou, sem sofrer danos, até completar a operação, e levar a embarcação do recorrente, a "Jorge Novo", a bom porto, sem que esta ou a sua tripulação também sofressem danos, 5ª - E concatenando tal com o facto de que seria possível, se mestria existisse por parte do motorista da "Jorge Novo", BB, "tirar o bujão de um lado, tirar o parafuso do outro, meter o parafuso no sítio do bujão ...

", sem necessidade da intervenção da embarcação rebocadora ", dificilmente se conseguirá determinar o quando em perigo no mar da embarcação do recorrente.

6ª - A ausência de perigo no mar afasta a aplicação do regime da salvação marítima, sobrando a aplicação do regime jurídico do reboque ao caso em apreço - o D.L. nº 431/86, de 30 de Dezembro, segundo o qual, contrato de reboque é aquele em que uma das partes se obriga em relação à outra a proporcionar a força motriz de um navio, embarcação ou outro engenho análogo, designado "rebocador", a navio, embarcação ou objecto flutuante diverso, designado "rebocado ", a fim de auxiliar a manobra deste ou de o deslocar de um local para local diferente; 7ª - Daí que a operação em causa apenas possa qualificar-se como de reboque, quer partindo do dever ser - auxílio pelo rebocador ao navio rebocado (que só ocorreu, segundo o acórdão recorrido, reiterando sentença anterior, devido à imperícia do motorista), quer do que verdadeiramente aconteceu - deslocação do navio rebocado para um local diferente; 8ª - Daí que seja justo o valor da remuneração defendida pelo recorrente, no montante de € 14.000,00 (catorze mil euros), respeitante a pouco mais que um dia de trabalho; 9ª - Ao qualificar, reiterando a decisão da primeira instância, a operação levada a cabo pela recorrida C... como sendo de salvação marítima, o douto acórdão recorrido enferma de erro de julgamento; 10ª- Por outro lado, ao contrário do sufragado pelo acórdão recorrido, não ocorreu barataria do mestre da embarcação ou da tripulação, muito embora a recorrida Mútua dos Pescadores apenas tenha alegado aquela; 11ª- Ao contrário do que defende o acórdão recorrido, não podem incluir-se naquele preceito do Código Comercial, constituindo barataria, as faltas ligeiras ou graves, intencionais ou meramente culposas, não apenas do capitão, mas também de algum membro da tripulação.

12ª- É que, se assim for, que campo restará para aplicação da falta náutica? Nenhum, seguramente! 13ª- No caso que nos ocupa, a omissão nem poderá considerar-se grave, tão só, como o acórdão recorrido o refere, confirmando a decisão da primeira instância, constituiu uma imperícia (que não originou danos nem implicou denodados esforços).

14ª- A não ser assim, qualquer falta ligeira, de qualquer membro da tripulação, constituiria barataria, bastando que qualquer cláusula de uma apólice de seguro exclua tal falta do âmbito da inclusão ou meramente a considere como barataria, sem mais, para a seguradora não responder.

15ª- O que, manifestamente, mais não fosse, cairia sob a alçada do instituto do abuso de direito - art° 334°, do C. Civil, na medida em que, de todo, arremeteria contra os ditames da boa fé e perverteria ou inverteria a regra de que a seguradora responde; 16ª- Nesta senda, deverá ter-se por nula ou não escrita a última parte da alínea b), do n° 2, do art° 7°, das Condições Gerais da Apólice da recorrida Mútua dos Pescadores, na medida em que é manifestamente ilegal, iludindo o fim da lei; 17ª- Nunca, em caso algum, poderá sequer enquadrar-se o comportamento do recorrente ou da tripulação da sua embarcação num acto, nem sequer, de barataria culposa mas, quando muito, de falta náutica, por, nas circunstâncias de tempo e mar dadas como assentes; 18ª- Sendo falta náutica, tem que considerar-se o acontecimento como fortuna de mar e a seguradora responde - art. 685º do Código Comercial.

19ª- Por outro lado, atento o risco inerente e constante da actividade em causa, tem-se...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT