Acórdão nº 08P2147 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelRAÚL BORGES
Data da Resolução10 de Dezembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

No âmbito do Processo Comum Colectivo que, com o n.º 594/02.6S6LSB, correu termos pela 2.ª Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial da Comarca de Loures, contra o arguido AA, solteiro, pedreiro, nascido em 30-05-1966, natural de Santiago, Cabo Verde, de nacionalidade caboverdeana, residente na Damaia de Cima, Reboleira, Amadora, e actualmente preso em cumprimento de pena, por acórdão de 17 de Outubro de 2003 (certidão junta de fls. 73 a 86) foi deliberado:

  1. Condenar o arguido, pela prática de: a. 1) - Um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, alínea d), ambos do Código Penal, na pena de 16 (dezasseis) anos de prisão; a. 2) - Um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 73º e 131º e 132º, nºs 1 e 2, alínea d), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão; b) - Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas foi o arguido condenado na pena única de 18 (dezoito) anos de prisão; c) Condenar o arguido na pena acessória de expulsão do território nacional por igual período de 18 (dezoito) anos.

    Irresignado, o arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal, o qual, por acórdão datado de 17 de Março de 2004, proferido no processo n.º 4433/03 - 3.ª secção, cuja certidão faz fls. 87 a 99, julgou-o parcialmente procedente e, mantendo as penas parcelares, alterou, reduzindo, a pena única para 17 (dezassete) anos de prisão, bem como o período de interdição de entrada no País para 12 (doze) anos.

    Ainda inconformado, desta feita cingindo-se à pena acessória de expulsão, vem apresentar recurso extraordinário de revisão de sentença - fls. 18 a 29, instruído com cópias dos assentos de nascimento relativos a BB e a CC, a fls. 30 a 33 - finalizando a sua motivação, enunciando as transcritas conclusões: "1.

    In casu, o arguido recorrente foi condenado na pena acessória de expulsão, por acórdão de 17.10.2003.

    1. O Tribunal a quo decidiu-se pela aplicação da pena acessória de expulsão ao arguido, subsumindo tal sanção na norma prevista no artigo 101º, nº 1 do Decreto-Lei nº 244/98, de 8 de Agosto.

    2. Ora, salvo o devido respeito, a pena acessória de expulsão aplicada ao recorrente, além de padecer do vício de fundamentação (não impugnável no presente acto recursório), olvidou importantes orientações jurisprudenciais produzidas pelo Tribunal Constitucional, como fossem as constantes dos Acs. TC nº 16/84, 91/84, 127/84, 310/85, entre outros.

    3. Por seu turno, por Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional, n.º 232/2004, de 31.03.2004, foi deliberado declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação das disposições conjugadas dos artigos 33º, nº 1 e 36º, nº 6, da CRP, das normas do artigo 101º, nº 1, als. a), b) e c), e nº 2, e do artigo 125º, nº 2, do Decreto-Lei nº 244/98, de 8 de Agosto, e da norma do artigo 34º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, enquanto aplicáveis a cidadãos estrangeiros que tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa residentes em território nacional.

    4. Neste último Aresto do Tribunal Constitucional estava em discussão a admissibilidade de uma pena acessória e a sua conformidade com as normas constitucionais pertinentes.

    5. Trata-se, pois, de uma pena acessória, a de expulsão, que a Constituição manifestamente não tem por imperiosa, de tal modo que a proíbe expressamente em certos casos.

    6. Importa assim regular a situação do arguido em novos termos pela aplicação da dimensão normativa mais favorável, ou seja, pela aplicação dessas normas com o sentido de não permitirem a expulsão de cidadãos estrangeiros que tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa residentes em território nacional, como é precisamente o caso do impetrante.

    7. O Acórdão visava entre outras, as normas dos artigos 101º, nº 1 do Decreto-Lei nº 244/98, de 8 de Agosto.

    8. No caso vertente, constata-se e atesta-se e o recorrente é pai e tem a seu cargo duas crianças menores nascidas e residentes em território nacional, além de viver em união de facto com uma cidadã titular de autorização de residência, e estar ele próprio radicado em Portugal desde há largos anos.

    9. Por conseguinte, foi neste "balanceamento" entre as razões de interesse e ordem pública na expulsão e o interesse na conservação da unidade familiar que o TC entendeu ser de ditar a inexecução específica da medida judicialmente decretada.

    10. O TC fixou assim os efeitos da inconstitucionalidade das normas referidas no ponto 4, de modo a que não fiquem ressalvados os casos julgados relativamente a penas acessórias de expulsão ainda não executadas aquando da publicação da decisão, como é o caso sub judicio.

      Na procedência do recurso pede seja ordenada a revisão do acórdão recorrido, revogando-se a pena acessória de expulsão e de interdição aplicada ao arguido.

      * O Ministério Público junto do Tribunal a quo, pronunciou-se - fls. 105/7 - no sentido de não se verificar o condicionalismo aludido pelo artigo 449.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, porquanto e em síntese: "... A decisão de aplicar a pena acessória de expulsão, tomada pelo tribunal de primeira instância e posteriormente confirmada quanto aos fundamentos, pelo Supremo Tribunal de Justiça, funda-se na previsão do art. 101º nº 1 do Decreto-Lei nº 244/98 de 8.8 com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 4/2001 de 10.1. Tal decisão expressamente afastou a hipótese de aplicar ao arguido a norma prevista pelo nº 4 al. b) da citada norma uma vez que o arguido, não obstante ter filhos menores a residirem em território português, não pôde ser considerado "residente no País" pois não era titular da necessária autorização de residência.

      Por outro lado é bom de ver que a "decisão fundamento" do T.C. invocada pelo arguido declarou inconstitucional com FOG a norma do art. 101º nº 1 do Decreto-Lei nº 244/98 na redacção original, na medida em que tal disposição, ao não salvaguardar da expulsão os estrangeiros residentes no país que tivessem filhos menores também residentes em Portugal, violava as disposições conjugadas dos arts. 33º nº 1 e 36º nº 6 da Constituição.

      Constata-se, assim, que a decisão expulsiva tomada nos autos não se fundamentou na norma que veio a ser declarada inconstitucional.

      Bem pelo contrário, tal decisão foi tomada já no quadro legal formado por uma nova redacção da norma editada precisamente para remediar as apontadas desconformidades às normas e princípios constitucionais".

      * Respiga-se da informação prestada de harmonia com o artigo 454.º do Código de Processo Penal, que: " (...) a tese apresentada pelo arguido, como fundamento para o pedido de revisão, assenta num equívoco manifesto.

      Com efeito, o fundamento do recurso de revisão, formulado ao abrigo do disposto no art. 449, nº 1, al. f) do CPP, consiste na declaração superveniente, por força do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2004 de 31/03/2004, da inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma que, na opinião do arguido, terá fundamentado a aplicação da pena acessória de expulsão.

      Contudo, tal afirmação não é exacta.

      A decisão de aplicar a pena acessória de expulsão ao arguido, proferida pelo tribunal de 1ª instância e, posteriormente, confirmada quanto aos fundamentos pelo STJ, funda-se na previsão do art. 101º, n.º 1 do DL 244/98 de 8/8, na redacção dada pelo DL 4/2001 de 10/1.

      Tal decisão afastou expressamente a hipótese de aplicar ao arguido a norma prevista na alínea b) do n.º 4 do referido art. 101º, uma vez que o arguido, não obstante ter filhos menores a residirem em território português, não pode ser considerado "residente no país", como resulta do disposto no art. 3º do citado DL 244/98, pois não é titular da necessária autorização de residência.

      Por esta razão, a sua situação integra-se na previsão do nº 1 do art. 101º do DL 244/98 de 8/8, na redacção dada pelo DL 4/2001 de 10/1.

      Por outro lado, importa referir que o Acórdão do Tribunal Constitucional invocado pelo arguido como fundamento do recurso de revisão declarou inconstitucional, com força obrigatória geral, as normas do art. 101º, n.º 1, al. a), b) e c) e n.º 2 do DL 244/98 de 8/8 na sua versão originária, na medida em que tal disposição, ao não salvaguardar da expulsão os estrangeiros residentes no país que tivessem filhos menores também residentes em Portugal, violava as disposições conjugadas dos arts. 33º, n.º 1 e 36º, n.º 6 da CRP.

      Constata-se, assim, que a decisão de expulsão do arguido de território nacional proferida nos autos não se fundamentou na norma que veio a ser declarada inconstitucional.

      Antes, tal decisão foi tomada já no quadro formado por uma nova redacção da norma editada, precisamente para remediar as apontadas desconformidades com as normas e princípios constitucionais" - fls. 125 a 128.

      * Neste Supremo Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer de fls. 133 a 141, concluindo que "... na douta decisão revidenda não foram aplicadas as normas declaradas inconstitucionais com força obrigatória geral dos arts. 101º, n.º 1, als. a), b) e c) e n.º 2 e 125º, n.º 2 do Dec-Lei n.º 244/98 de 08.08 na versão originária (mas sim na versão revista pelo Dec-Lei n.º 4/2001, de 10.01 como se observou), carece de justificação o fundamento, o previsto na al. f) do n.º 1 do art. 449º do C.P.P., invocado pelo recorrente para obter a revisão da douta decisão condenatória que, entre o mais, lhe impôs a pena acessória de expulsão do território nacional pelo período, não de 18 anos como refere, mas de 12 anos.

      Termos em que, por manifesta falta de fundamento legal para o efeito, se entende ser de denegar a peticionada revisão".

      Colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência a que alude o artigo 455.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

      O objecto do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas da motivação do recorrente, sem embargo das questões que sejam de conhecimento oficioso.

      Sendo assim, a única questão a...

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