Acórdão nº 590/12.5TTLRA.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Março de 2014

Magistrado ResponsávelMÁRIO BELO MORGADO
Data da Resolução12 de Março de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I.

1.

AA instaurou a presente ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra BB Portugal-Confeções, Unipessoal, Lda., ambas com os sinais nos autos.

2.

A R. apresentou articulado motivador do despedimento, invocando ter procedido ao mesmo com justa causa.

3.

A A. contestou, por impugnação, sustentando inexistir justa causa de despedimento, e excecionando: i) a caducidade do direito da ré proceder disciplinarmente; ii) a invalidade do procedimento disciplinar, por violação dos direitos de defesa e por falta de fundamentação da decisão de despedimento.

Também deduziu reconvenção, peticionando a condenação da R.:

  1. Na reintegração da autora no seu posto de trabalho ou, em caso de opção pela indemnização substitutiva da reintegração, que a mesma seja condenada a pagar-lhe a quantia correspondente a 45 dias por cada ano ou fração de antiguidade, no valor de € 7.916,45.

  2. No pagamento à autora de retribuições intercalares - incluindo todas as prestações regulares (subsídios de férias e de Natal) – que deixou de auferir desde a data do despedimento e até ao trânsito em julgado da decisão (em montante a liquidar em execução de sentença).

  3. A pagar-lhe indemnização por danos não patrimoniais, decorrentes de assédio moral, em montante não inferior a € 10.000,00.

  4. A pagar-lhe juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias atrás indicadas, desde a data da citação até integral pagamento.

    4.

    Respondeu a ré, pugnando, no essencial, pela improcedência das exceções arguidas pela autora, bem como da reconvenção.

    5.

    Foi proferida sentença:

  5. A declarar a ilicitude do despedimento da A. e, assim, condenando a R.: a.1.) Tendo a trabalhadora optado por indemnização em substituição da reintegração, a pagar-lhe quantia correspondente a 45 dias por cada ano ou fração de antiguidade, no valor total de € 7.916,45; a.2.) A pagar à A. as retribuições intercalares que a mesma deixou de auferir, incluindo subsídios de férias e de natal, desde a data do despedimento e até ao trânsito em julgado da decisão, no montante que se vier a liquidar oportunamente, após dedução dos montantes referidos nas alíneas a) e c) do n.º 2 art 390.º, do CT; b) A condenar a R. a pagar à A., a título de indemnização por danos não patrimoniais decorrentes de assédio moral, a quantia de € 10.000,00, acrescendo a todas estas quantias juros legais, desde a data da citação e até integral pagamento.

    6.

    Interposto recurso de apelação pela R., bem como, subordinadamente, pela A., o Tribunal da Relação de Coimbra (TRC), decidiu: - Julgar procedente a apelação da ré, declarando-se lícito o despedimento da autora e absolvendo-se aquela de todos os pedidos contra ela formulados; - Julgar improcedente a apelação subordinada da autora, na parte em que a mesma pugnava pela invalidade do procedimento disciplinar que lhe foi movido pela ré.

    7.

    Deste acórdão recorre agora, de revista, a A., sustentando, essencialmente, nas conclusões das suas alegações: - Em face do n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil, deve considerar-se não escrita a expressão "ameaça", por não se tratar de um facto mas de um juízo de valor ou facto conclusivo.

    - Na decisão disciplinar de despedimento, entre outras circunstâncias que no caso relevam, não foi feita referência nem ponderado o quadro de gestão da empresa, o grau de lesão dos interesses do empregador, o carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros, o que viola os arts. 351º, nº. 3, e 357º, n.º 4, do Código do Trabalho.

    - Consequentemente, o procedimento disciplinar deve ser julgado inválido e o despedimento ilícito, nos termos do art. 382.º, n.º 2, alínea d), do mesmo Código. - A atuação da trabalhadora não foi culposa, dado o circunstancialismo que a motivou e as circunstâncias em que ocorreu.

    - As alterações de atitude e comportamento da trabalhadora ocorreram em estado de exaltação e como reação e consequência de práticas vexatórias e humilhantes a que reiteradamente foi sujeita pela sua superior hierárquica, num quadro de afetação psicológica/emocional e ansiedade - que impôs a realização de tratamento médico com medicação antidepressiva –, afetação do trato digestivo e intestinal e emagrecimento.

    - Verifica-se quebra de coerência disciplinar pela entidade empregadora e constata-se que, no quadro de gestão da empresa e das relações interpessoais nela consentidas, a sanção disciplinar aplicada à recorrente não foi justa e proporcionada, não estando verificada a impossibilidade da subsistência da relação de trabalho.

    - A recorrente foi vítima de mobbing praticado por uma direta superiora hierárquica, devendo a correspondente indemnização por danos não patrimoniais ser fixada nos €10.000,00 arbitrados em 1.ª Instância.

    8.

    A R. contra-alegou, pugnando pelo improvimento do recurso.

    9.

    O Ex.m.º Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, em parecer a que as partes não responderam.

    10.

    Inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine, do CPC[1]), em face das conclusões das alegações, as questões a decidir são as seguintes:[2] 1.ª - Se deve considerar-se não escrito o vocábulo "ameaça".

    1. - Se o procedimento disciplinar é inválido, por insuficiência de fundamentação.

    2. - Se in casu se configura uma situação de assédio moral; 4.ª - Na afirmativa, se, pelos danos não patrimoniais decorrentes de atos praticados pela sua superiora hierárquica, a A. tem direito a ser indemnizada pela R.

    3. - Se existe justa causa para o despedimento da A.

    11.

    Cumpre decidir, sendo aplicável à revista o regime processual que no CPC foi introduzido pela Lei 41/2003, de 26 de Junho, nos termos dos arts. 5.º, n.º 1, e 7.º, n.º 1, deste diploma[3].

    E decidindo.

    II.

    12.

    A matéria de facto fixada pelas instâncias é a seguinte: 1- A autora foi admitida pela sociedade ré a 18 de Abril de 2003.

    2- Atualmente, exercia as funções correspondentes à categoria profissional de 1ª caixeira da Loja sita no ..., em ... e auferia a quantia de € 579,00 mensais.

    3- A 23.02.2012 a encarregada da loja da ré, CC, enviou uma participação de factos imputados à autora, à técnica de recursos humanos DD.

    4- Por sua vez, a técnica de recursos humanos, DD, decidiu dar conhecimento da participação apresentada pela encarregada da loja à Direção de Recursos Humanos da ré, a 07.03.2012, alegando “temer que as ameaças da trabalhadora passassem a atos, pondo em risco a segurança dos seus companheiros de trabalho e o funcionamento da Loja”.

    5- Ao tomar conhecimento da participação apresentada por CC, a Diretora de Recursos Humanos da Entidade Empregadora, Dra. EE, emitiu um despacho, a 08.03.2012, a ordenar a imediata instauração de um procedimento disciplinar contra a trabalhadora.

    6- Por carta datada de 16.03.2012, a entidade Empregadora comunicou à Trabalhadora que iria dar início a 19.03.2011 a um processo prévio de inquérito com vista ao apuramento concreto dos factos que lhe estavam a ser imputados pelos seus companheiros de trabalho.

    7- O processo prévio de inquérito iniciado a 19.03.2012 terminou a 29.03.2012.

    8- A 18.04.2012 foi entregue à trabalhadora a respetiva Nota de Culpa.

    9- A Trabalhadora respondeu via fax à nota de culpa a 04.05.2012, último dia do prazo.

    10 - Na referida resposta, que se encontra documentada a fls. 137 a 141 dos autos e aqui se dá por reproduzida, a trabalhadora não arrolou testemunhas nem requereu quaisquer outros meios de defesa.

    11- Tal resposta foi admitida não obstante a Entidade Empregadora estar na convicção de que seria extemporânea 12 – A 30.05.2012, a trabalhadora rececionou a decisão final da entidade empregadora a aplicar-lhe a sanção disciplinar de despedimento (fls. 143 a 157, aqui dadas por integralmente reproduzidas), acompanhada do relatório final da instrutora do processo disciplinar (fls. 158 a 194, aqui dadas por integralmente reproduzidas), dado como reproduzido naquela decisão como fazendo parte integrante da mesma (fls. 143), tendo sido dados como não provados todos os factos alegados pela trabalhadora na sua resposta à nota de culpa, designadamente nos seus artigos 3º, 4º, 5º, 47º e 50º.

    13- A autora nunca havia sido sancionada disciplinarmente.

    14- Após a abertura do Shopping ..., há cerca de 2 anos, foi colocada na loja BB de ..., onde a autora exercia funções, a nova superiora hierárquica, CC.

    15- Aquando do início de funções dessa superior hierárquica a autora não acompanhou as alterações introduzidas de imediato na loja, por ter estado ausente ininterruptamente entre Outubro de 2009 e Agosto de 2010, por baixa médica e sucessiva licença de maternidade e férias, tendo o seu filho nascido em ……20….

    16- Quando regressou ao trabalho a autora foi incumbida por CC de exercer funções de “Responsável de Acessórios”.

    17- Tendo estado fora da loja durante cerca de um ano conforme 15, tal tarefa revelou-se para a autora bastante exigente, impondo a retoma da atividade laboral a um acelerado ritmo de trabalho e muita aptidão para a coordenação de tarefas.

    18- Com efeito a autora teria de desempenhar as seguintes tarefas inerentes ao exercício daquelas funções: atendimento direto a clientes; arrumação de acessórios em armazém e colocação dos mesmos em loja, com coordenação (cuidando da imagem destes em loja de acordo com fotos enviadas pela sede); efetuar o pedido de reforço de stock dos acessórios (controlando para tanto as vendas dos artigos do respetivo stock, de modo a que a reposição não determinasse quebra na disponibilidade de artigos, principalmente aqueles com maiores vendas).

    19- A autora já tinha desempenhado essas tarefas e gostava de as desempenhar.

    20- Sempre fora uma boa trabalhadora e nenhuma reclamação fora apresentada quanto ao seu desempenho sendo gabada por outros trabalhadores e superiores hierárquicos.

    21- Iniciou então essas funções de “Responsável de Acessórios”.

    22- Porém, logo de início pela encarregada...

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